próxima início prévia
Próxima: 3- Distribuição das espécies Início: Capítulo 3: A Fauna Prévia: 1- Introdução

2- A ictiofanua atual do rio das Velhas


Com o objetivo de realizar um diagnóstico atual da ictiofauna da bacia do rio das Velhas, foram feitas três campanhas semestrais para amostragem de peixes, entre junho de 1999 e junho de 2000. Nesse período, dados sobre a ocorrência das espécies também foram coletados durante episódios de mortandade e em entrevistas com pescadores.

Em cada campanha, as coletas foram realizadas em seis pontos da calha do rio das Velhas e em duas regiões no rio Cipó, afluente de grande porte também amostrado por Reinhardt (Figura 1). No rio das Velhas, os locais de amostragem foram distribuídos ao longo de todo o seu curso, incluindo as regiões a montante e a jusante da Região Metropolitana de Belo Horizonte. No rio Cipó foram amostrados o seu médio e baixo curso.

RV-01:
cabeceira do rio das Velhas, próximo a São Bartolomeu (município de Ouro Preto): Nesse local, o rio das Velhas é raso, com substrato pedregoso, águas frias e de boa qualidade (20o 18´ 43´´ S, 43o 34´ 01´´ W);
RV-02:
rio das Velhas, em Sabará. Apesar de bastante degradado e poluído, este trecho ainda conserva condições mínimas para ocorrência dos peixes. Este ponto foi amostrado durante um episódio de mortandade (19o 54´ 15´´ S, 43o 49´ 10´´ W);

Figura 1: Mapa da bacia do rio das Velhas, com seus principais cursos d'água e locais de amostragem no final do século XX. A área sombreada indica a provável área de coleta de J.T. Reinhardt no século XIX.
\begin{figure}\setcounter{figure}{0}\begin{center}
{\epsfxsize =12.3cm\epsfbox{BRV2.ps}}
\end{center}\end{figure}

RV-03:
rio das Velhas, a jusante de Lagoa Santa. Trecho do rio com índices de poluição mais elevados, por estar abaixo da desembocadura dos ribeirões Arrudas, do Onça e da Mata, que drenam os esgotos da região metropolitana de Belo Horizonte (19o 31´ 50´´ S, 43o 55´ 33´´ W);
RV-04:
rio das Velhas, próximo a barra do Luiz Pereira (município de Santana do Pirapama). Apesar de estar em melhor condição que o ponto anterior, a água ainda exala forte odor e apresenta sinais visuais do processo de eutrofisação: (18o 53´ 22´´ S, 44o 08´ 15´´ W);
RV-05:
rio das Velhas, próximo a Caquende (município de Curvelo). Nesta altura, há trechos com vegetação ciliar preservada e uma maior variedade de ambientes, incluindo corredeiras e praias de cascalho (18o 24´ 56´´ S, 44o 11´ 20´´ W);
RV-06:
rio das Velhas, em Lassance. A presença de corredeiras e a entrada, a montante, dos seus principais tributários, conferem à água uma aparência de boa qualidade, semelhante à do ponto RV-01 (17o 54´ 45´´ S, 44o 34´ 20´´ W);
CP-01:
rio Cipó a jusante do Parque Nacional da Serra do Cipó (município de Cardeal Mota). Possui águas frias, correntosas, transparentes e de excelente qualidade (18o 21´ 11´´ S, 43o 39´ 16´´ W);
CP-02:
rio Cipó próximo à confluência com o rio Paraúna (município de Presidente Juscelino). Nesse trecho, o rio corre sobre grandes lajes, com poções e corredeiras intercalados (18o 41´ 04´´ S, 43o 59´ 18´´ W).


Para a coleta dos peixes, foram utilizadas redes de espera, com malha de 3 a 16 cm entre nós opostos, redes de arrasto de tela mosquiteira, tarrafas e peneiras. As redes de espera foram armadas na coluna d'água ao entardecer e retiradas na manhã seguinte, ficando expostas por período aproximado de 14 horas. As demais artes de pesca foram utilizadas no período diurno, junto às margens, praias e corredeiras.

Até agora foram registradas 93 espécies de peixes na bacia do rio das Velhas (Anexo 1). Este valor é bastante expressivo, considerando-se a estimativa que toda a bacia do rio São Francisco tem pouco mais de 200 espécies, da cabeceira à sua foz, no oceano Atlântico, que inclui variada gama de ambientes, como riachos de cabeceira, afluentes de porte variado, lagoas marginais, veredas, a própria calha principal e seu estuário.

Das espécies capturadas nesse estudo, duas foram registradas pela primeira vez na bacia do rio São Francisco: o timboré (Leporinus amblyrhynchus), espécie de um piau de pequeno porte, coletado no rio Cipó, e uma espécie de saguiru (Steindachnerina corumbae), registrada na calha do rio das Velhas e no rio Cipó. Tais espécies eram até então conhecidas apenas para a bacia do rio Paraná. Outras duas, a rabeca (Bunocephalus sp. n.) e o cascudo (Rineloricaria sp. n.) são espécies novas, ainda não foram descritas.

Das três espécies de peixes oficialmente relacionadas como ameaçadas de extinção em Minas Gerais (Minas Gerais, 1996), uma possui distribuição natural na bacia do rio São Francisco: Characidium lagosantense. Essa espécie, que já havia sido registrada no Parque Nacional da Serra do Cipó (Vieira et al., no prelo), foi capturada nesse mesmo rio, no ponto CP-01. Esse afluente constitui o único curso d'água em que esta espécie tem sido registrada.

Além de C. lagosantense, pelos menos outras 12 espécies consideradas raras, ameaçadas ou presumivelmente ameaçadas de extinção foram registradas, de um total de 22 citadas para a bacia do rio São Francisco (Rosa & Menezes, 1996; Lins et al., 1997; Alves & Vono, 1999; Romero & McLeran, 2000). A maioria delas foi capturada nos pontos localizados no curso inferior do rio das Velhas e no rio Cipó (Anexo 1).

Na bacia do São Francisco, pelo menos 11 espécies podem ser consideradas migradoras, todas com registro na bacia do rio das Velhas. Mas, diante do conhecimento ainda incipiente, esse comportamento ainda não foi avaliado para uma parcela maior da comunidade, principalmente para outras reofílicas187 (Anexo 1), pouco estudadas em razão de sua pequena importância comercial e de seu menor porte. Entre os migradores, pode ainda haver uma grande variação da extensão percorrida para atender às necessidades de cada espécie, Há espécies que migram alguns poucos quilômetros e que percorrem trechos superiores a 200 km.

Em virtude de seu grande porte e abundância, as espécies migradoras são também as mais importantes na pesca comercial na bacia do São Francisco (Sato et al., 1987; Sato & Godinho, 1999). No rio das Velhas, embora a pesca profissional tenha sido proibida diante dos elevados níveis de poluição (Minas Gerais, 1997), inúmeras pessoas vivem dessa atividade. Isso se explica pela deficiência na fiscalização e pela extrema pobreza da população. Esses pescadores atuam principalmente no médio e baixo Velhas e em afluentes mais bem preservados como o rio Cipó. Com base em entrevistas, soube-se da ocorrência de surubins (Pseudoplatystoma coruscans) com mais de 50 quilos e de grandes cardumes de curimatás (Prochilodus spp.) e piaus (Leporinus spp.) no período reprodutivo. Embora em menor quantidade, dourados (Salminus brasiliensis) também são capturados nessa época.

Além dessas, as traíras (Hoplias spp.), mandis (Pimelodus spp.), bagre (Rhamdia quelen) e cascudos (Hypostomus spp.) estão entre as espécies mais visadas. Espécies de menor porte, como os lambaris (Astyanax spp.) também fazem parte do pescado. Merece registro o fato de que membros da população ribeirinha apanham peixes moribundos ou mortos que flutuam nas águas do rio durante episódios de mortandades para consumo próprio ou venda a terceiros. A dosagem de mercúrio total no tecido de traíras (Fundo-Fundep, 2000) do rio das Velhas revelou concentrações cuja ordem de grandeza gira em torno dos limites máximos permitidos pela legislação.

Entre as espécies registradas neste estudo, seis podem ser consideradas exóticas, ou seja, foram artificialmente introduzidas na bacia. A carpa (Cyprinus carpio), originária da Ásia, foi introduzida no Brasil no início do século XX (Pinheiro et al., 1988) com fins de aqüicultura, sendo amplamente utilizada em programas de peixamento. As tilápias (Oreochromis niloticus e Tilapia rendalii) são provenientes da África, e sua introdução também está associada à atividade de piscicultura. O trairão (Hoplias lacerdae), é uma espécie piscívora originalmente descrita na bacia do Ribeira do Iguape, em São Paulo (Ribeiro, 1908). Supõe-se que, se de fato essa espécie fosse nativa da bacia do São Francisco, o trairão provavelmente teria sido registrado no trabalho de Lütken, dada a sua ampla distribuição atual e importância na pesca. O tamoatá (Hoplosternum littorale), outra espécie nova para a bacia, é denominada pelos ribeirinhos como ``chegante'', uma alusão ao seu recente registro na bacia. Por ser uma espécie muito resistente (leva horas para morrer quando fora da água) é muito utilizada como isca viva, tendo ampliado sua distribuição em bacias brasileiras (Oliveira & Moraes Jr., 1997). Por fim, pode-se mencionar o ``guppy''(Poecilia reticulata), espécie de pequeno porte originária da América Central amplamente disseminada nas bacias brasileiras para controle de larvas de insetos (Diptera) transmissores de doenças.

A introdução de peixes exóticos é bastante comum, seja em virtude do escape de pisciculturas ou propositalmente, com o objetivo de incrementar a pesca esportiva. No entanto, essa prática tem causado, em inúmeros sistemas, profundas modificações nas comunidades hospedeiras, como remoção da vegetação, degradação da qualidade da água, introdução de parasitas e doenças, alterações tróficas (Courtenay & Stauffer 1984) e alterações genéticas (Ferguson, 1990).




próxima início prévia
Próxima: 3- Distribuição das espécies Início: Capítulo 3: A Fauna Prévia: 1- Introdução
Luiz Paulo Ribeiro Vaz 2002-06-20