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3- Distribuição das espécies de peixes na bacia


A distribuição das espécies de peixes ao longo do rio das Velhas e no rio Cipó está diretamente relacionada com qualidade desses cursos d'água. Assim, a análise desta variável forneceu subsídios para o entendimento do efeito dos processos de degradação da bacia sobre as comunidades de peixes.

Quanto maior o curso d'água, maior o número e a variedade de ambientes disponíveis (Karr & Schlosser, 1978). Assim, espera-se que o número de espécies de peixes (riqueza) em um rio aumente progressivamente das cabeceiras em direção a foz (Vannote et al., 1980). Da mesma forma, também é esperado que rios principais apresentem uma comunidade mais rica que seus afluentes. Estes padrões já foram observados em diversas drenagens tropicais (Welcomme, 1985; Lowe-McConnel, 1975; 1987), incluindo a própria bacia do rio São Francisco (Alves et al., 1998).

A curva da riqueza de peixes ao longo do rio das Velhas foi construída a partir do número total de espécies registradas em cada um dos pontos amostrados (Figura 2). Sua análise evidencia uma acentuada inflecção a partir do ponto RV-02 (Sabará), recuperando-se gradativamente a seguir. Entre Sabará (RV-02) e Lagoa Santa (RV-03) o rio das Velhas, alimentado pelos ribeirões Arrudas e do Onça, recebe a maior parte dos efluentes da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Figura 2: Número de espécies de peixes registradas nos pontos de coleta ao longo do rio das Velhas, de montante para jusante.
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{\epsfxsize =14cm\epsfbox{F2cp.PS}}
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Nessa região do rio, observam-se as piores condições ambientais da bacia, com níveis de oxigênio dissolvido próximos a zero durante a maior parte do ano (Alves et al., 2000). No ponto RV-03 foram registradas apenas nove espécies de peixes, todas capturadas durante a coleta feita na estação chuvosa. Nessa época, há uma ligeira melhoria na qualidade da água do rio graças ao aumento de seu volume e à maior diluição dos esgotos. Algumas dessas espécies têm características que facilitam o seu estabelecimento nesse trecho do rio. O sarapó (Gymnotus carapo) e os tamoatás possuem a capacidade de sobreviver em ambientes com baixos níveis de oxigênio (Acuña & Sanz, 1992; Machado-Allison, 1994). Já o lambari-do-rabo-amarelo (Astyanax bimaculatus) tolera grandes variações na qualidade da água (Menni et al., 1996). Na coleta de junho de 1999, não se capturou um único exemplar nesse ponto, considerando o mesmo esforço de captura feito nos demais locais de amostragem.

No baixo rio Cipó (CP-02), ao contrário do que teoricamente se espera, foi registrado um número de espécies (48) superior ao encontrado em qualquer ponto de coleta da calha do rio das Velhas. Também cabe salientar que um quinto das espécies registradas neste estudo foram capturadas exclusivamente no rio Cipó. Destacam-se entre estas algumas raras e/ou ameaçadas de extinção, como as piabas (Characidium lagosantense e Hysteronotus megalostomus) e o timboré (Leporinus marcgravii).

Além de ter diferentes graus de tolerância à qualidade da água, a maioria dos peixes apresenta restrições em relação ao ambiente em que vivem, associadas a certas características do corpo d'água, como velocidade da corrente, temperatura, profundidade, etc. Algumas espécies, como a cambeva (Trichomycterus brasiliensis) coletada por Vieira et al. (no prelo) e o lambari (Astyanax scabripinnis), típicas de cursos dágua de menor porte, só foram registradas nas cabeceiras do rio das Velhas e do rio Cipó. Outras, como a corvina (Pachyurus spp.), são típicas do caudal de rios de maior porte, e foram registradas apenas no baixo curso do rio das Velhas. Alguns grupos, como os cascudos (Loricariidae) são predominantemente encontrados em áreas de corredeiras, enquanto outros, como os sarapós (Gymnotiformes) estão associados à vegetação marginal e flutuante. O bagrinho (Cetopsorhamdia iheringi) e a piaba (Hysteronotus megalostomus) são freqüentemente coletados em trechos com forte fluxo d'água, junto à vegetação marginal dos rios - fato já documentado por Alves & Vono (1999) no rio Paraopeba.

Assim, em função de suas características físicas e da qualidade da água, cada ponto amostrado apresentou uma composição de espécies distinta, que foi comparada qualitativamente, com base no Índice de Similaridade de Sørensen (Magurran, 1988). Esse procedimento compara somente a composição de espécies entre as áreas (presença e ausência), pois é dado peso igual para todas as espécies, independente da abundância de cada uma. Como método de agrupamento empregou-se a Análise de Cluster, sendo que os pontos de amostragem no rio Cipó (CP-01 e CP-02) foram analisados em conjunto.

O ponto localizado em Lagoa Santa (RV-03), que sofre a maior influência da região metropolitana de Belo Horizonte, foi o que apresentou a fauna de peixes mais distinta. Os demais pontos se reúnem em dois grupos: o primeiro representado por aqueles localizados a montante de Belo Horizonte e o segundo pelos localizados a jusante, além do rio Cipó. No segundo grupo fica evidente que quanto mais distante da RMBH, maior a similaridade da ictiofauna do rio das Velhas com a do rio Cipó (Figura 3).

Figura 3: Similaridade da composição da ictiofauna entre os pontos de coleta.
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{\epsfxsize =14.4cm\epsfbox{F3cp.PS}}
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A partir dos dados de captura em número com redes de emalhar, calculou-se o Índice de Diversidade de Shannon (H´) (Magurran, 1988) para os pontos de coleta a jusante de Belo Horizonte.

A partir da região mais poluída da bacia, nas imediações de Belo Horizonte, observou-se aumento progressivo no índice de diversidade, associado a maior riqueza e abundância mais eqüitativa entre as espécies de peixes capturadas (Figura 4). Nas regiões próximas a Belo Horizonte observou-se acentuada dominância das espécies com elevada tolerância à degradação ambiental. Assim como para a riqueza de espécies, no baixo curso do rio Cipó (CP-02) foi registrado o maior índice de diversidade (H´ = 2,8).

Figura 4: Índice de Diversidade de Shannon (H´) para os pontos de coleta localizados no rio das Velhas, a jusante de Belo Horizonte.
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{\epsfxsize =14.4cm\epsfbox{F4cp.PS}}
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Com base na distribuição atual da comunidade de peixes ao longo do rio das Velhas, fica clara a importância da região metropolitana de Belo Horizonte como fonte de impacto para as comunidades de peixes. Também chamam a atenção a rápida recuperação do rio das Velhas (autodepuração) ao longo de seu curso e o elevado grau de preservação do rio Cipó.




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Luiz Paulo Ribeiro Vaz 2002-06-20