14 de dezembro de 2016
O Modelo Padrão da Cosmologia é um conjunto de hipóteses e aplicações de teorias físicas, aceito pela maioria dos cientistas contemporâneos, o qual resulta em uma representação teórica — o “Universo do Estrondão Quente” —, cujo fim é ser um retrato fidedigno do universo real. Apresento uma descrição qualitativa e simplificada do Universo do Estrondão Quente e de seus pontos fracos, os quais obliteram possíveis pontos fortes. Apresento referências bibliográficas relevantes para os leitores interessados em se aprofundar no assunto.
Sucintamente, o MPC é o resultado da aplicação da Teoria da Relatividade Geral (TRG) de Albert Einstein (1879-1955) ao chamado “fluido cósmico”, idealização de toda a distribuição de massa e energia do universo; este fluido é homogêneo e isotrópico e nele convivem matéria luminosa (as estrelas, as galáxias, etc.), matéria escura (não luminosa) e energia escura (detalhes em Soares 2012). A expansão é suportada por uma interpretação das observações de galáxias realizadas por Edwin Hubble (1889-1953), resultando na chamada “lei de Hubble”, que afirma que galáxias e outros membros distantes do universo se afastam com velocidades proporcionais às suas distâncias mútuas (Soares 2014). Em resumo o MPC apoia-se do lado teórico na TRG, i.e., em Einstein, e do lado observacional numa interpretação conveniente das observações extragalácticas realizadas por Hubble. Deve-se ressaltar um ponto importante: o Estrondão não ocorre em algum lugar pré-existente, mas representa a própria criação do espaço e do tempo. O espaço e o tempo são criados no Estrondão e evoluem a partir daí segundo o MPC, resultando então no UEQ.
A TRG é suplementada pelo paradigma inflacionário, que por sua vez é decorrente de uma teoria geral denominada Inflação. Como será visto na seção 1.1, o paradigma inflacionário estabelece as condições iniciais do UEQ.
Se o UEQ está em expansão, esta iniciou-se em algum momento do passado, a saber, em um “evento de criação” denominado “singularidade inicial” ou Estrondão. Estrondão é um neologismo criado para traduzir em português o termo inglês Big Bang (cf. Soares 2002), o qual foi cunhado pelo astrofísico inglês Fred Hoyle (1915-2001), na década de 1940, para jocosa e pejorativamente se referir ao MPC, que ele considerava simplório e teoricamente insatisfatório. Foi neste mesmo sentido que o termo Estrondão foi criado. Como veremos a seguir o Estrondão é quente.
A expansão do UEQ possui três fases distintas.
Outros aspectos do UEQ estão descritos em dois capítulos do livro “O Reino das Galáxias” (Soares inédito). Estes capítulos podem ser lidos em Soares (2008a e 2008b).
Esta fase era a única conhecida na época em que foram propostos os primeiros modelos cosmológicos baseados na TRG e nas observações de Hubble, que ocorreram mais ou menos a partir da década de 1920. Acontece que os modelos desacelerados levavam a um cálculo errôneo da idade do universo, que é o tempo transcorrido de hoje até o Estrondão, o evento de criação. A idade do universo calculada era menor que a idade geológica da Terra, o que é uma forte inconsistência. Este é o dilema da idade, o qual foi contornado pela introdução da fase 3.
Se o universo está em expansão, ela pode ser extrapolada retroativamente até o instante quando ela se iniciou e assim obter-se a idade cosmológica do universo. Isto foi feito no século passado e chegou-se a um dilema: o universo era mais jovem do que o planeta Terra. No final da década de 1940, o físico e cosmólogo belga Georges Lemaître (1894-1966) formulou um modelo que eliminava o dilema mas carecia de suporte observacional. O modelo inicial só possuía a fase de expansão desacelerada. Lemaître propôs um modelo em que a expansão desacelerada passava a ser acelerada. A transição de desaceleração para aceleração representava uma “parada” na expansão em que o universo permanece com tamanho constante para em seguida continuar a expandir-se acelerado. Este quadro possibilita um ajuste da idade para um valor maior. Na figura 1, o diagrama à esquerda ilustra o modelo de Lemaître. A desaceleração é contrabalançada por uma nova componente energética do universo que possui um efeito repulsivo.
No final dos anos de 1990, o modelo de Lemaître foi aperfeiçoado e tentativamente justificado por observações astronômicas, as quais indicavam que a expansão do universo sofrera realmente uma transição de um regime desacelerado para um regime acelerado (Soares 2009). A parada do modelo de Lemaître pode ser maior ou menor dependendo dos detalhes do modelo. Ela tornou-se no UEQ uma “paradinha sutil”. Ela é sutil porque não é uma paradinha “de verdade”, mas funciona como uma, esticando a idade do universo. A paradinha sutil é a transição de uma expansão desacelerada pela atração gravitacional para uma expansão acelerada pela repulsão provocada pela nova componente energética do universo e está ilustrada na figura 1, no diagrama à direita. O seu efeito sobre a idade é o mesmo que o da parada de Lemaître, i.e., ambas aumentam a idade do universo relativamente a um modelo que só possua desaceleração (ver também a figura 2 de Soares 2009).
Aparentemente o dilema da idade foi resolvido. Aparentemente, porque o fenômeno da aceleração requer a existência de uma nova componente de energia no universo que ainda não foi descoberta, como veremos a seguir.
O físico teórico estadunidense Joel Primack — ao lado dos apoiadores do UEQ — acha que não há qualquer problema nisto. Algumas ilustrações da “escuridão cósmica” foram propostas por Primack e são mostradas em Soares 2015b, onde também estão listados alguns dos problemas mais específicos do UEQ, destacados pelo próprio Primack.
A energia escura é responsável pela aceleração do UEQ e é totalmente diferente da energia eletromagnética, a energia da luz. A energia escura produz um efeito repulsivo que contrabalança e sobrepuja o efeito atrativo da gravitação. A constante cosmológica é a forma mais simples de “energia escura” e é uma energia associada ao vácuo quântico. Existe também a possibilidade teórica de a energia escura possuir uma variação temporal.
A nova componente escura responsável pela aceleração da expansão deve ser uma componente de energia e não mais um termo de matéria escura por vários motivos, entre eles:
A aceleração atual do UEQ é atribuída a ela. A aceleração na fase 1 da expansão — o período inflacionário — tem outras causas, como já falamos. Existem pesquisadores que tentam unificar as duas causas num único mecanismo físico dependente do tempo cósmico, que explicaria as três fases da expansão.
A matéria escura fornece, no contexto do UEQ, o esqueleto cósmico onde ocorreria o colapso gravitacional da matéria responsável pelo 0,5% observado, i.e., nós, os abacates, etc. Ela ainda não foi observada, mas nós, os abacates, etc. estamos todos aqui.
A matéria escura está sendo procurada há quase 90 anos e a energia escura é procurada há quase 20 anos. Não foram ainda encontradas. Estes são os maiores problemas do UEQ.
Como é de se esperar existem inúmeras teorias alternativas ao UEQ. Um pequeno número delas está descrito em Silva (2009). Neste artigo são descritas sete teorias alternativas, mas seguramente devem existir, pelo menos, sete vezes sete outras.
Astrônomos, físicos e cosmólogos contrários ao UEQ estão presentes no documentário The Cosmology Quest (A Busca Cosmológica). Entre eles está o físico brasileiro da Universidade Estadual de Campinas, SP, André Koch Torres Assis, que também é o responsável pelas legendas em português das duas partes do documentário (Meyers 2004).
Agradecimento – Agradeço ao colega do Departamento de Física da UFMG Prof. Renato
Las Casas pelo convite para participar de seu programa radiofônico semanal
Universo Fantástico, o qual motivou a preparação deste artigo.
M. B. E. da Silva, Teorias cosmológicas alternativas ao Modelo Padrão (lilith.fisica.ufmg.br/~dsoares/ensino/marina-teorias.doc, 2009).
D. Soares, A tradução de Big Bang (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/aap/bgbg.htm, 2002).
D. Soares et al., Ensaios de Cosmologia (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/ensino/ensaios-tot.htm, 2002-2010).
D. Soares, O Big Bang, um "Estrondão" no espaço e no tempo (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/reino/cosmolg1.htm, 2008a).
D. Soares, Cosmologia moderna: tateando no escuro (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/reino/cosmolg.htm, 2008b).
D. Soares, A idade do universo, a constante de Hubble e a expansão acelerada (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/ageunv/idadeunv.pdf, 2009).
D. Soares, Os fundamentos físico-matemáticos da cosmologia relativista (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/ensino/cosmrel/cosmrel.htm, 2012).
D. Soares, UGE, Universo da Gominha Esticada (Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 36, n. 4, 4301, 2014)
D. Soares, O dilema da idade do universo (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/UAI/idade.htm, 2015a).
D. Soares, Joel Primack e a imagética da escuridão (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/wish/primack-img.htm, 2015b).
D. Soares, O Reino das Galáxias (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/reino/reino.htm, inédito).
R.E. de Souza, Introdução à Cosmologia, EDUSP, São Paulo (2004)