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10. Tetragonopterus Cuvieri Lkt.

(prancha V, fig. 12)

(Chalceus fasciatus Cuv.? Tetragonopterus fasciatus Autt.?123)

Este peixe, que em Lagoa Santa é chamado ``piaba-do-rio'' ou somente ``piaba'', ocorre tanto no Rio das Velhas e seus afluentes (riachos perto de Olhos D'água e Sumidouro) como no Rio São Francisco, de onde se origina um dos exemplares trazidos por Reinhardt. Na Lagoa Santa atinge um comprimento de 4 3/4 polegadas.

A altura é contida 3 vezes ou um pouco menos (de 2,7 a 2,9 vezes) no comprimento total, este, como de costume, calculado da ponta do focinho até o ponto onde a cobertura de escamas se interrompe, no meio dos lados, na nadadeira caudal. A forma é, no geral, bastante afilada e alongada - principalmente nos jovens, e mais ainda nos jovens nos quais a altura é contida quase 4 vezes no comprimento total. O perfil do dorso, em alguns exemplares, é um arco suave da nadadeira dorsal até o focinho arredondado, em outros, a curva é um pouco mais acentuada, com uma fraca depressão na região da testa. O comprimento da cabeça (membrana do opérculo, como de costume, incluída) é aproximadamente um quarto (um pouco acima ou abaixo) do comprimento total (medido como acima). Dos dentes nunca encontro acima de 4 na primeira fileira de cada osso intermaxilar e sempre 5 na sua segunda fileira junto com 1 ou 2 pequenos em cada osso maxilar. O diâmetro do olho é contido 3 vezes ou algo mais (até cerca de 3 1/2 vezes) no comprimento da cabeça e é igual à largura mínima da testa (nos jovens os olhos são normalmente maiores; seus diâmetros são contidos somente 2 1/2 vezes no comprimento da cabeça e são significantemente maiores que a largura da testa). Os chatos ossos infra-orbitais, que possuem somente algumas poucas estrias raiadas, separam-se do opérculo por uma nítida faixa de pele. O início da nadadeira dorsal situa-se a igual distância da ponta do focinho e da raiz da cauda; seu comprimento (na base) é um terço da altura do corpo e mais da metade de sua própria altura (paralela aos raios mais longos da nadadeira dorsal), mas é mais curto que sua distância até a nadadeira adiposa. A nadadeira caudal é profundamente bifurcada; as nadadeiras peitorais alcançam, ou ultrapassam, a base das nadadeiras ventrais, que vão além do ânus, mas somente nos jovens chegam até a nadadeira anal, cujo comprimento é um quarto do comprimento total (medido como acima). O número de raios é o normal nas três nadadeiras: D.: 11 (2+9); P.: 12-15; V.: 8; na nadadeira anal 3 (4) + 21-26; embora seja rara a ocorrência demenos de 22 raios bifurcados ou mais de 24. As estrias sulcadas das escamas são, em geral, mais ou menos numerosas (nem muito poucas nem muito numerosas), mais freqüentemente 6-9, às vezes, porém, 4-13, mas nos jovens somente 2-5; ao longo da linha lateral, que é muito evidente, contam-se (37?) 38-39 escamas, acima dela, na parte anterior do corpo, 7 (mais raramente 6) fileiras e abaixo 7 ou 8 (as ímpares no meio do ventre e do dorso, como de costume, não incluídas); o último desses números parece ser o normal. Em um único exemplar, que, apesar disso, acredito dever incluir aqui, encontrei somente 5 acima e 6 abaixo da linha lateral124.

O brilho prateado dos lados acentua-se acima da linha lateral até uma faixa prateada, nítida, com base escura (pigmentada), a qual se torna aparente, principalmente em direção à raiz da cauda e sobre ela e se estende como uma faixa escura até a bifurcação da nadadeira caudal. Quanto mais jovem é o peixe, mais nítida e mais escura é essa faixa cinza-prateado ao longo do comprimento. Às vezes podem existir traços de uma mancha escura atrás da região escapular, principalmente nos indivíduos jovens. De alguns exemplares capturados em 5 de fevereiro de 1852, no riacho perto de Olhos D'água125, Reinhardt fornece a seguinte descrição: ``O dorso é verde-amarelado, em certas direções com reflexos prateados; no lado, um pouco acima da linha lateral, essa cor é limitada por uma faixa prateada, fortemente brilhante, com um fraco reflexo amarelado e abaixo dela o resto do corpo é branco-prateado; no alto do dorso, entre a nadadeira dorsal e a nadadeira adiposa, e à frente da primeira, ocorrem duas manchas escuras. A nadadeira dorsal é de um belo amarelo na sua metade inferior, a partir daí vermelha como cinábrio e finalmente adornada com uma moldura preta extremamente fina; a nadadeira adiposa é amarelada e adornada com uma borda preta. A nadadeira caudal possui no meio uma faixa negra, que alcança sua borda; de cada lado desta ocorre uma mancha de um vivo amarelo-limão, cujo tamanho varia um pouco de acordo com o indivíduo; sua parte superior é vermelho-cinábrio vivo, adornada na borda com uma moldura preta muito fina. A nadadeira anal é branco-amarelada e sua parte anterior vermelho-cinábrio, mas o raio anterior é branco-leitoso, as nadadeiras peitorais e ventrais são brancas e transparentes, o raio anterior desta última branco-leitoso; a íris é branco-prateada, tendendo em sua metade superior para o amarelo''.

Como Tetragonopterus fasciatus (Cuv.) é assinalada no Rio São Francisco, poderia haver motivo para se supor que a espécie aqui descrita é idêntica à de Cuvier; mas, depois de uma avaliação mais cuidadosa, o caso se mostra tão duvidoso, que ousaria dizer que o mais correto é deixar de lado o nome de Cuvier, se as relações não puderem ser mais bem explicadas do que o são no momento. O exemplar de 5 polegadas de Cuvier foi, segundo ele próprio afirmou, trazido do Brasil por Delalande, mas ele não diz de que parte do país; entretanto, não pode haver muita dúvida de que tenha vindo da parte sudeste ou da parte costeira que vai do Rio de Janeiro para o sul. A ilustração mostra um peixe muito alongado com linha lateral fortemente curvada para cima; a descrição assinala uma grande mancha redonda atrás da abertura branquial, duas faixas escuras ao longo do comprimento e somente 18 raios na nadadeira anal. O que se pode julgar sobre este Chalceus fasciatus de Cuvier (``Mémoires du Muséum d'histoire naturelle'', tomo V., 1819, p. 352, prancha 26, fig. 2), é que parece não haver razão alguma para identificá-lo como T. Cuvieri (mihi)126 dos rios São Francisco e das Velhas. Poder-se-ia considerar que essas descrições mais antigas de Cuvier nem sempre primavam pela precisão, em todo caso não pelo seu detalhamento; que a ilustração e descrição mal correspondem uma à outra, talvez porque, como opinam Steindachner e Kner, por um engano ou confusão não foram feitas da mesma espécie, já que a ilustração não se parece, de nenhuma forma, com um Tetragonopterus; ou porque a ilustração talvez tenha sido feita de um exemplar seco (empalhado e por isso deformado), como Günther supõe. O artigo de Valenciennes sobre o Tetragonopterus fasciatus, que saiu 30 anos depois (``Histoire naturelle des poissons'', tomo XXII, 1849, p. 149), não esclareceu o assunto. Ele assegura que descreve o peixe que Cuvier havia descrito e ilustrado em ``Mémoires du Muséum'' sob o nome de Chalceus fasciatus; os 25 raios da nadadeira anal, que ele atribui ao peixe, não concordam com o dado de Cuvier (18), mas concordam com a espécie que aqui descrevemos, na qual, por outro lado, eu nunca vi as ``asperezas'' nos raios da nadadeira anal que Valenciennes menciona e que me são bem familiares de outras espécies. Também não concorda com o que Cuvier menciona, ao dizer que ``os primeiros exemplares que Cuvier obteve foram trazidos a ele pelo Sr. de St. Hilaire do Rio São Francisco''. - O Museu de Paris, além disso, obteve T. fasciatus do ``Brasil'' através de Quoy e Gaimard e Castelnau127; os maiores exemplares possuem 5 polegadas de comprimento. Valenciennes refere-se, ainda, à mesma espécie T. rutilus Jen.128 do Rio Paraná e, além disso, a identifica, se bem que - parece-me - com uma certa dúvida, com uma das anotações de D'Orbigny, que ele conhecia de um peixe que ocorre no Rio da Prata (e no Uruguai?), denominado ``salmone'' pelos espanhóis em Buenos Aires, e que atinge um comprimento de no mínimo um pé. - O T. fasciatus descrito por Günther (``Catalogue of Fishes'', tomo V, p. 322), que ele classifica com dúvida como T. rutilus Jen., deve ter uma distribuição geográfica muito grande, desde o Brasil (e eventualmente o Rio Paraná) até o México. Por sua descrição não consigo apontar qualquer outra diferença de T. Cuvieri, além do fato de ele ter, talvez, 1 ou 2 fileiras de escamas a mais abaixo da linha lateral, na parte anterior do corpo (considerando que tenham sido contadas da mesma forma em ambos, ou seja, até a fileira ímpar de escamas medianas do ventre), e a largura da testa maior que o diâmetro dos olhos; também não posso concordar completamente com o fato de a origem da nadadeira dorsal situar-se ``imediatamente'' atrás da raiz das nadadeiras ventrais - existe sempre um par de escamas entre essas posições - ou com o fato de que a ponta das nadadeiras peitorais possa alcançar um pouco além da raiz das nadadeiras ventrais, quando se refere exclusivamente a exemplares jovens. Mas, em todo caso, essas diferenças são tão insignificantes e vagas que eu tenho de reconhecer a possibilidade, ou melhor, a probabilidade de que meu T. Cuvieri esteja entre os exemplares que foram a base para o ``T. fasciatus'' de Günther. Mas sua prerrogativa de levar o nome de Cuvier não é inquestionável, mesmo que se considere como certo que ela não se constitua de várias espécies. Steindachner (``Ichthyologishe Notizen'', IX, ``Sitzungsberichte d. Akad. d. Wissensch. in Wien'', Vol. LX, 1869, p. 8-10, separata) considera como certo que o ``T. fasciatus'' de Valenciennes e de Günther, na realidade, é o T. rutilus Jen. (que é resumidamente descrito de exemplares de Montevidéu), mas, por outro lado, pensa reconhecer o verdadeiro ``Chalceus fasciatus Cuv.'' em uma espécie que ocorre junto com ela e que concorda com a descrição de Cuvier, tendo 38-40 escamas na linha lateral, 12-13 fileiras verticais de escamas e 18-20 raios na nadadeira anal. Essa suposição pode estar correta; embora sua exatidão somente possa ser provada com um novo exame do exemplar original de Cuvier, se este existir. Em todo caso, é totalmente justificável que eu não denomine a espécie aqui descrita com o incerto nome de espécie de Cuvier; que, sendo ela a única espécie por mim conhecida do Rio São Francisco, não possa justificar sua identidade com o T. fasciatus de Valenciennes (menos ainda com a de Cuvier); pois certamente se comprovará que este rio é o habitat de várias espécies deste gênero, do mesmo modo que outros cursos d'água da parte tropical da América do Sul, cuja fauna piscícola é um pouco mais conhecida.

Antes de deixar esta espécie, não posso deixar de mencionar que na coleção de Reinhardt existem dois exemplares de tamanho médio do Rio das Velhas (números 449 e 450 no catálogo do Museu), com relação aos quais me tornei o responsável pela resposta à dúvida se eles pertenceriam a T. Cuvieri ou a T. lacustris. A altura do corpo, que se relaciona com o comprimento total na proporção 1:2 2/5 , concorda mais com certas formas de T. lacustris; o número de fileiras de escamas ao longo do comprimento (35-36) aponta do mesmo modo para essa espécie; de acordo com o seu número na altura (${{6}\over{7}}$) e o número de raios na nadadeira anal (3+22-23) poderia referir-se a ambas. O número de estrias sulcadas das escamas (6-9), a falta da mancha na região escapular e a faixa lateral prateada muito nítida, juntamente com a presença de um dente bem desenvolvido em cada osso do maxilar, poderiam, ao contrário, referir-se a T. Cuvieri, e tem-se ainda que notar que T. lacustris nunca foi encontrada no Rio das Velhas propriamente dito, mas somente na Lagoa Santa que certamente está conectada a ele. Considerar a diferença de características entre as espécies mencionadas como inexistente seria tão injustificado como criar uma terceira espécie, baseando-se somente nesses dois exemplares; e considerá-los como uma forma híbrida seria somente levantar uma hipótese que seria duvidosa de se propor sem que pudesse estar mais bem fundamentada. Eu os coloquei no Museu como uma variante de T. lacustris, mas recomendo esta forma algo duvidosa para a investigação de viajantes futuros.



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Luiz Paulo Ribeiro Vaz 2002-06-20