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11. Platystoma orbignianum Val. (?)

 

\begin{figure}\hspace{-.4cm}{\epsfxsize =.41\hsize \epsfbox{PEIXE3.PS}}\end{figure}

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Marcgraf, Hist. r. nat. Brasil., Pisces p. 174 (fig. inferior)

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Platystoma coruscans Ag., Spix: Pisces Brasiliensis, p. 25, prancha 13.

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Platystoma orbignianum Val., d'Orbigny: Voyage dans l'Amér. méridionale, prancha IV, fig. 3.

Pl.orbignianum Valenciennes, hist. natur. d. poissons, vol. XV, p. 12.

Pl. orbignianum Günther, Catalogue,vol.V.,p.107.

Platystoma Forchhammeri Rhdt. (M. S.).

O grande Platystoma que ocorre no Rio das Velhas, de onde Reinhardt trouxe um exemplar de 25 polegadas (um outro medido por ele tinha 31 polegadas), é chamado no local ``sorubim''; exemplares mais velhos são chamados ``casonete'' e, muito extraordinariamente, ``loango'' (claramente de origem africana, provavelmente o nome de um grande peixe no idioma natal dos negros); é peixe muito valorizado, sendo vendido pelo seu tamanho em ``palmos'' ou ``baldes'' (1 ``pataca'' ou 1/3 de ``mil réis'' cada um); existem ``sorubins'', que valem 8 ``mil réis'' (aproximadamente 16 coroas dinamarquesas), os quais dão bem mais que um ``barril'' de peixe salgado. Ele não aparece no lago Lagoa Santa, mas sim no Rio das Velhas, no São Francisco e também no ``Ribeirão do Mato'', mencionado no Prólogo; alcança 8-10 pés de tamanho, mas exemplares tão grandes só se encontram no São Francisco, não no seu afluente Rio das Velhas; ou, em outras palavras, os indivíduos muito grandes não penetram nos rios menores.

Ambos os zoólogos que examinaram o único exemplar disponível desse peixe antes de mim (Reinhardt e Krøyer) foram unânimes em reconhecê-lo como uma espécie nova; possivelmente eu teria seguido a sugestão e utilizado o nome indicado por Reinhardt para ele, se nesse ínterim Günther não tivesse identificado o exemplar encontrado no Rio Cipó (como já mencionado, um dos afluentes do Rio das Velhas) como P.orbignianum Val. Se isso está correto, parece quase inevitável - no mínimo, é muito provável - que a determinação seja também aplicada ao ``sorubim'' ocorrente no Rio das Velhas e no Rio São Francisco, desde que, naturalmente, a descrição a ele se ajuste; e não se pode levar em consideração que a bacia do Prata e a do Rio São Francisco normalmente não possuem espécies em comum, independentemente de suas cabeceiras estarem próximas uma da outra; não conheço nos silurídeos outro exemplo, além do Pimelodus maculatus Lac., e mesmo este é algo duvidoso, como logo veremos.

Como se sabe, Valenciennes descreveu, usando o mesmo nome, um grande ``sorubim'', que atinge um comprimento de 8-9 pés e que ocorre no Rio da Prata (Paraná), de Buenos Aires a Corrientes. Sua descrição, bastante curta para um exemplar de 20 polegadas, concorda completamente com a de Reinhardt, à exceção de algumas discordâncias sobre o número de raios. O exemplar do Museu de Londres (do Rio Cipó) é uma pele com 3 pés de comprimento; a curta descrição que se fornece da espécie com base nesse exemplar também concorda bem, à exceção de algumas características relativas aos dentes do palato - há mais dados sobre isso abaixo -, mas, por outro lado, o indivíduo disponível parece concordar nessas características com o exemplar do Museu de Paris. Levando tudo isso em consideração, não me atrevo, como fizeram meus antecessores, a considerar o ``sorubim'' do Rio das Velhas como uma nova espécie, mas estou mais inclinado a crer que as pequenas discrepâncias identificadas são somente de natureza individual. Os números de raios apresentam as seguintes discrepâncias e concordâncias:

Reinhardt (Rio das Velhas): B: 15; D: 1.6; P: 1.9; V: 6; A: 15 (7+9).
Valenciennes (Rio Paraná):   17;   1.6;   1.9;   6;   15.
Günther (Rio Cipó):   17;   1.6;   1.9;   6;   14.

 

\begin{figure}\noindent{\epsfxsize =.24\hsize\epsfbox{PEIXE5.ps}}\end{figure}

As diferenças no número de raios da nadadeira anal não são maiores do que as que se poderiam esperar de uma variação individual; além disso, os raios anteriores são tão pequenos e tão escondidos, que facilmente podem passar despercebidos e, de forma alguma, se percebe sua presença sem dissecação. Não dou a menor importância a essas diferenças. Algo mais difícil é a discrepância no número de raios das membranas branquiais; o exemplar do Rio Cipó (que sem dúvida pertence à espécie do exemplar do Rio das Velhas) concorda nesse aspecto com aquele do Rio Paraná; mas deve-se considerar que, nas espécies de Siluridæ com muitos raios nas membranas branquiais, ocorrem exemplares com variação individual semelhante: para dar um exemplo próximo, Platystoma platyrhynchus tem 10 ou 1163. Valenciennes diz sobre os dentes que P. orbignianum concorda nesse aspecto com P. tigrinum, cujas características são descritas do seguinte modo: ``os dentes da maxila superior formam uma faixa que é larga em ambas as extremidades, mas muito estreita no meio; os do palato formam uma meia elipse, cuja parte anterior é muito larga e continua numa extensão curva cujos ramos se estendem para trás''. Com base na figura ao lado, vê-se que essa descrição concorda completamente com o surubim do Rio das Velhas, com a diferença que Valenciennes não menciona que a faixa palatal é interrompida no meio por uma faixa nua; esta pode ter passado despercebida, mas pode também ser uma diferença individual. O mesmo padrão encontro nos P.Vaillanti, nos quais a faixa de dentes do palato é totalmente contínua, apesar de Valenciennes a descrever com as seguintes palavras: ``a faixa vômero-palatina é dividida em 4 partes oblongas, que se tocam''. Também não me surpreende que Günther descreva a relação da seguinte forma nos P.orbignyanum: ``os dentes do palato formam 4 placas que quase se tocam, das quais as do vômer são triangulares e as do osso palatino têm a forma de uma quase cunha, afinando para trás''; o que bem sugere uma configuração similar de todas as partes dos dentes do palato e ainda a existência de uma clara separação entre as partes pertencentes ao vômer e ao palatino, além da linha que divide os primeiros em dois grupos. Provavelmente esses 4 grupos de dentes são bem separados nos exemplares jovens, mas crescem mais ou menos, à medida que o peixe se desenvolve.

Dessa forma, mesmo que a classificação como ``P.orbignyanum'' pareça justificada, pelo que se conhece no momento, tenho de reconhecer, por outro lado, que uma comparação imediata entre os exemplares do Rio São Francisco e do sistema fluvial do Prata poderia levar ao resultado oposto. Mas resta ainda a possibilidade de que o ``sorubim'' que ocorre no Rio das Velhas e no Rio Cipó poderia ser o P.coruscans de Agassiz, espécie que é justamente proposta para um peixe do Rio São Francisco. Essa teria de ser uma forma muito próxima da que temos disponível, mas ela é descrita a partir de um exemplar empalhado e portanto algo razoavelmente deformado. Não conheço outras diferenças além de nuanças de cor, barbilhões mais longos e menos raios (10) na nadadeira anal. Essa última diferença tem de ser mais bem avaliada, antes de se lhe atribuir alguma importância, pois os raios anteriores poderiam ter passado despercebidos ou se perdido na preparação; o exemplar é descrito pelo próprio relator como ``um pouco mutilado''. O tamanho maior dos barbilhões, por outro lado, não pode ser explicado como sendo devido a uma diferença de idade, pois o exemplar de Spix é tão grande quanto o de Reinhardt. Se for o caso de o exemplar de que dispomos ser da mesma espécie do de Spix, o nome P.coruscans deve naturalmente ser retomado; mas é impossível decidir isso no momento. Um novo exame do exemplar-tipo no Museu de Munique dificilmente vai aclarar a situação. Até que se prove o contrário, acho pouco provável que os 3 únicos exemplares de ``sorubins'' do sistema fluvial do São Francisco que foram encaminhados aos museus da Europa sejam de 3 espécies diferentes, um deles, além disso, idêntico a outro do Rio da Prata. No momento, acho mais prudente ficar com a determinação de Günther.

Quero ainda adicionar às descrições existentes o seguinte: o comprimento da cabeça medido até a porção mais posterior da borda de pele do opérculo é pouco menos de um terço do comprimento total, quando este se mede até a ponta do lobo fortemente arredondado da nadadeira caudal, mais de um terço até seu entalhe; medido até o fim do bastante curto processo occipital, o comprimento da cabeça é muito pouco maior ou precisamente o mesmo (em um dos exemplares medidos por Reinhardt). A cabeça não é somente longa, mas extremamente chata e larga; sua largura à frente, acima da base dos barbilhões, é igual à largura medida abaixo das órbitas, mas não chega a um terço de seu comprimento; sua parte superior é finamente estriada; a fontanela, alongada e pontuda em ambas as extremidades, ocupa, na linha mediana, aproximadamente metade do comprimento da cabeça e termina alinhada com os cantos da boca, cuja distância até a ponta do focinho é aproximadamente igual à sua distância até os olhos. Como a maxila superior avança um terço de polegada à frente da inferior, não se pode dizer que essa seja uma diferença ``pequena'', sem comparar com P. planiceps e formas semelhantes. O olho fica muito pouco mais perto da ponta do focinho que da borda posterior da pele do opérculo; seu diâmetro é contido 15 vezes no comprimento da cabeça até a ponta do processo occipital. Com relação ao comprimento relativo dos barbilhões, posso me referir a Günther. O primeiro raio da nadadeira ventral é bastante duro e situa-se bem atrás da nadadeira dorsal64; a nadadeira adiposa é mais curta que a dorsal e que a anal. O forte arredondamento dos lobos da nadadeira caudal (que Reinhardt achou mais acentuado no lobo de cima que no de baixo) é sem dúvida causado por desgaste; originalmente eram ambos, sem dúvida, igualmente pontudos. Reinhardt relata, com relação ao poro acima das nadadeiras peitorais, que ele leva a uma cavidade em forma de bolsa, sem saída; ele não pôde introduzir nela uma sonda mais fundo que 1 1/2 linha65, nem encontrar qualquer furo ou abertura de canal no fundo da bolsa, quando, posteriormente, através de um corte, aumentou a abertura externa; não encontrou também nenhuma abertura correspondente na parte ou parede interna da cavidade do ventre; ele duvida, portanto, que Valenciennes tinha razão quando diz que essa abertura externa (nos P.fasciatum) leva à cavidade do ventre. Em um exemplar examinado posteriormente, Reinhardt procurou em vão por esses poros da axila em ambos os lados do corpo.

A cor é descrita por Valenciennes: as próprias listras brancas verticais dos lados da linha lateral não faltam. Reinhardt descreve um exemplar fresco do seguinte modo: ``o dorso é marrom-acinzentado com reflexos amarelados de brilho metálico em toda sua extensão e na superfície da cabeça; a garganta é branca como o ventre; os lobos da nadadeira caudal são uniformemente marrom-acinzentados, sem manchas, como no exemplar trazido para a Dinamarca; a nadadeira anal é acinzentada; a fina pele entre os raios das nadadeiras peitoral e ventral é branco-acinzentada; as manchas do corpo são mais densas que no exemplar do Museu; a íris é acinzentada com um fraco brilho dourado, que se torna mais forte perto da pupila, quase como se esta fosse um anel dourado-avermelhado de um milímetro de largura''.

Um dos pescadores de cujos serviços Reinhardt se utilizou distinguia dois tipos de ``sorubins'' entre aqueles que ocorriam no Rio das Velhas: um com manchas menores e mais densas (segundo ele, a fêmea) e um com manchas grandes mais espalhadas (macho?). Em razão disso, Reinhardt examinou uma grande série de exemplares com manchas menores, mas constatou que, ao contrário, todos eles eram machos; mais tarde ele examinou também uma fêmea muito grande, pesando 18 $\vbox{\vspace{0pt}\epsfxsize =8pt\epsfbox{lispund.ps}}$66, com cabeça incomumente grande, mas não notou qualquer diferença no tamanho das manchas ou em sua posição com relação aos machos anteriormente examinados. De acordo com o que foi dito a Reinhardt, os indivíduos grandes que, como mencionado anteriormente, recebem o nome de ``loango'', sempre são fêmeas. Reinhardt menciona, finalmente, que ``os grandes indivíduos são relativamente mais gordos e têm cabeça mais larga; a partir de uma certa idade, parece, portanto, que o peixe cresce relativamente menos em comprimento e mais em largura, ficando mais grossos; dessa forma, as medidas relativas são muito alteradas''.

``Pode-se adicionar ainda que esse peixe é parasitado por vários vermes internos; um dos tipos, aparentando ser um trematódeo, encontra-se em maior quantidade na barriga e na superfície exterior do intestino; ele possui a aparência de um grão branco, com aproximadamente 1/4 ´´´ de comprimento; além desse, encontram-se outros bem maiores, espiralados, de aproximadamente 1 polegada de comprimento''. (R.)

Como o Prof. Reinhardt já mencionou em sua monografia sobre Stegophilus insidiosus, esse estranho pequeno bagre (que procura abrigo na cavidade branquial de nosso ``sorubim'') ``é uma das estórias de todos os pescadores mineiros, segundo a qual o surubim guarda seus filhotes sob o opérculo, até que estes alcancem um certo tamanho (alguns mencionam 1 1/2 palmo, o que é um claro exagero). Esse esconderijo permite que os filhotes nadem em volta da mãe, mas, tão logo um perigo se aproxime, a mãe abre tanto seus opérculos quanto sua boca e os jovens se escondem lá dentro.'' Reinhardt conversou com um pescador que havia puxado o ``casonete'' para dentro da canoa e viu os jovens saírem do esconderijo; apesar disso, é mais raro encontrar filhotes na cavidade branquial, quando se pesca com anzol porque, quando o peixe luta e tenta se livrar do anzol, os filhotes normalmente saem; mas é mais fácil encontrá-los quando se pesca com rede. Um outro pescador contou a Reinhardt dois ou três casos, em que colocou filhotes capturados com sua mãe em um pequeno açude ou ``tanque'', no qual, no curso de um ou dois anos, se transformaram em ``sorubins'' de 3-4 palmos de comprimento; certa vez houve ali uma séria briga porque o peixe foi pescado por outra pessoa que não o proprietário. O pequenino filhote já é manchado como a mãe. Alguns acrescentam que, quando a mãe deposita suas ovas, ela imediatamente procura abrigá-las na cavidade branquial67, onde os ovos eclodiriam. Alguns afirmam que os ``sorubins'' copulam entre si e que no final se lançam para cima, barriga com barriga, de modo que uma parte do corpo sai fora d'água. Um pescador, que Reinhardt considera pouco confiável, contou ainda ter visto que, quando a fêmea de ``sorubim'' lança suas ovas (como se fosse um bloco de muco), ela se vira e ``olha para elas''; fica então nas proximidades do local de desova ``e os choca com os olhos'', como se expressou'' (R.). Talvez se possa depreender desse relato que a mãe (ou mais provavelmente o macho?) fica perto das ovas até que elas eclodam.

Pela monografia já mencionada do Prof. Reinhardt, sabe-se que, como este pescador deveria provar sua afirmação de que o ``sorubim'' choca seu filhote (de acordo com o que ele disse, sempre somente um!) na cavidade branquial, os supostos filhotes de ``sorubim'' seriam aqueles pequenos bagres parasitas (Stegophilus insidiosus). Continua por enquanto, até certo grau, como uma questão em aberto, se todas aquelas estórias tiveram sua raiz nesse estranho ``comensalismo''; ou se o ``sorubim'', apesar de tudo, choca seus ovos ou amadurece seus filhotes na boca ou nas brânquias, como se conhece de outros bagres. Não posso, naturalmente, dar qualquer contribuição para solucionar essa questão, mas gostaria de chamar a atenção para o fato de que todos os bagres sul-americanos e índicos, nos quais se constatou que os machos realmente abrigam os ovos na boca, logo depois de serem depositados e fertilizados, mantendo-os ali, depois de eclodirem, por um tempo suficientemente longo até que a grande bolsa vitelina esteja quase ou completamente absorvida, com uma única exceção, que se menciona abaixo, pertencem ao grupo de Arius (e não somente, como se pensou por certo tempo, às espécies de Arius, que possuem dentes do palato arredondados)68. Relacionado à peculiaridade está o fato de que os óvulos dessas espécies são poucos em número e de tamanho bastante excepcional; ao abrir-se o ventre da fêmea, encontra-se, além dos óvulos, que estão prontos para serem depositados na primeira oportunidade e que por isso alcançaram seu tamanho máximo ou estão próximos dele, um outro conjunto de óvulos de tamanho médio, que serão depositados no ano seguinte, além de um terceiro, que ainda está bem atrasado no desenvolvimento e assim por diante. Um cuidado similar com os filhotes também é encontrado nas espécies de Platystoma, o que poderia - na falta de um testemunho direto sobre o caso - ser tomado como prova no caso de encontrar-se na fêmea a mesma gradação no desenvolvimento dos óvulos e um semelhante tamanho extraordinário dos óvulos maduros; mas esse não é o caso (de acordo com Reinhardt, loc. cit. p. 84). Por outro lado, era de se pensar que óvulos menores e mais numerosos poderiam ser usados como suprimento dessa maneira. Nas estórias correntes entre os mineiros, não se pode explicar simplesmente que, por algum engano ou confusão, aquilo que eles conheciam sobre as espécies de Arius ou sobre os Chromides tenha sido transferida para os grandes Platystoma porque os Ariidæ e Chromides, como já mencionado, não ocorrem na bacia do Rio São Francisco. Futuros viajantes deverão dirigir sua atenção para essa lenda, apesar de sua veracidade ter sido altamente abalada pela crítica aguda e penetrante do Prof. Reinhardt.



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Luiz Paulo Ribeiro Vaz 2002-05-21