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Apresentação



Apolo Heringer Lisboa

Coordenador-geral do Projeto Manuelzão1

Departamento de Medicina Preventiva e Social - UFMG



A edição em português do livro Peixes do rio das Velhas, de Christian F. Lütken, que o Projeto Manuelzão tornou possível (veja o artigo ``Saúde, meio ambiente e cidadania'', de Maya Mitre, em Ciência Hoje, vol. 29, no 173, págs. 64-69), é uma contribuição ao aprimoramento intelectual de Minas Gerais e um esforço no sentido de ampliar o conjunto de informações sobre a bacia hidrográfica do rio São Francisco.

Inicialmente, a Academia Real de Ciências da Dinamarca teve a gentileza de nos enviar um exemplar da primeira edição dinamarquesa da obra, autorizando-nos a traduzi-la e publicá-la em português. Para a consecução desse objetivo, foi decisivo o ágil apoio dado pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, por intermédio de seu secretário-geral, José Carlos Carvalho. Agradecemos à Sra. Manuela Maria M.A. Moreira e à diretoria da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) o apoio na efetivação dos repasses.

Encontrar tradutores para os textos em dinamarquês e latim, proceder às revisões técnica e lingüística da versão traduzida e atender às cláusulas burocráticas do convênio, administrado pela ABRH, com sede no sul do Brasil, foram para nós uma corrida olímpica de obstáculos, durante quase dois anos. Os recursos foram consumidos em parte pela desvalorização do real, adicionando-nos uma pequena mas expressiva dose de estresse.

Vencidos todos os obstáculos, temos agora o prazer de comemorar e compartilhar os frutos desse trabalho, possível graças ao esforço científico e desbravador de uns no século XIX, à organização dos acervos dinamarqueses, ao esforço técnico-científico de outros na atualidade e à organização do Projeto Manuelzão e dos coordenadores de seu subprojeto S.O.S. Rio das Velhas, os biólogos Carlos Bernardo Mascarenhas Alves e Paulo dos Santos Pompeu.

O texto a seguir - adaptado do artigo ``Saúde, meio ambiente e cidadania'', da jornalista Maya Mitre, publicado na edição de julho de 2001 da revista Ciência Hoje - apresenta de forma sucinta os objetivos, a dinâmica e as linhas de ação do Projeto Manuelzão, cuja principal meta é a revitalização da bacia do rio das Velhas.

Criado há quatro anos na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Projeto Manuelzão tem sido avaliado como um exemplo de sucesso no campo da saúde coletiva no Brasil. Seus esforços, que mobilizam diversos segmentos sociais, concentram-se em torno de um objetivo comum: reduzir a degradação ambiental na bacia hidrográfica do rio das Velhas. Para elucidar sua relevância, o projeto lança mão de uma metáfora contundente: ``A água é o sangue da Terra'', já que ela permite diagnosticar a saúde do ambiente e responde diretamente pela qualidade de vida da população.

Afluente do caudaloso São Francisco, o rio das Velhas, de 761 km, abrange 51 municípios de Minas Gerais. Com área de drenagem de 29.163 km2, estende-se de Ouro Preto à Barra do Guaicuí, abaixo do município de Pirapora. Sua importância remonta ao final do século 17, época das grandes expedições pelo interior do estado. A descoberta de ouro em sua bacia atraiu exploradores de todas as partes do Brasil e levou à fundação da cidade de Vila Rica - atual Ouro Preto -, onde está sua nascente.

Com o fim do ciclo do ouro e a ascensão da exploração do ferro em larga escala, no período republicano, ergueram-se ao redor da bacia um ativo pólo industrial e inúmeros municípios, entre eles Belo Horizonte. A intensa concentração populacional na região metropolitana da capital mineira desencadeou um processo contínuo de degradação de seus rios, causado por práticas predatórias, como o uso e a ocupação inadequada do solo, o descarte de esgotos não tratados e a coleta mal planejada de lixo - seguidos pela canalização dos córregos -, além da construção de barragens, do corte de matas ciliares e de práticas agrícolas impróprias.

A assistência médica à população dos municípios da bacia do rio das Velhas, prestada por alunos do último ano do curso de medicina, através do Internato Rural, levou o Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG a constatar que boa parte das doenças que afetavam os moradores das áreas urbanas e rurais eram causadas pela falta de saneamento básico. A disposição inadequada de lixo e esgoto doméstico e industrial ao longo da bacia provoca a transmissão de diversas enfermidades infecto-parasitárias, como esquistossomose, neurocisticercose, dengue, hepatites, gastroenterites e doenças de pele.

A importância de exterminar as causas das doenças, mais do que tratá-las, levou professores do Internato Rural a desenvolver um amplo programa de saúde coletiva, que cuidaria de mobilizar a sociedade civil, visando transformar a mentalidade da população com base no princípio de que a qualidade de vida está associada à qualidade do ambiente. Nascia assim, em 1997, o Projeto Manuelzão do rio das Velhas, que não pretende incentivar a indústria da doença, pois saúde não é apenas um problema médico. Ao contrário de outros métodos de análise, o projeto não mede a qualidade da água a partir de critérios exclusivamente físico-químicos, mas sobretudo através de seu indicador biológico mais visível: o peixe.

O S.O.S. Rio das Velhas, um subprojeto do Manuelzão, utiliza como principal elemento de avaliação da qualidade da água a diversidade de espécies de peixes e sua distribuição em diferentes trechos do rio. A importância do peixe como bioindicador é incontestável, pois ele ocupa posição de destaque na cadeia alimentar, é facilmente visível e pode ser controlado pela população. Além disso, por se locomover com facilidade, sua ausência em certas áreas indica desequilíbrios ambientais graves, que se refletem em problemas de saúde da população ribeirinha.

A meta de trazer os peixes de volta ao rio deu origem a 14 subprojetos de ação específicos, voltados para as áreas da saúde, meio ambiente e cidadania. Além do S.O.S. Rio das Velhas, os demais subprojetos voltam-se para os seguintes temas: lixo, saneamento básico, práticas agrícolas, preservação de matas ciliares, preservação de mananciais, práticas industriais, saúde da família, educação ambiental, ecoturismo, divulgação científica, aspectos legais e arte e cultura. Na tentativa de suprir deficiências na rede de informação entre as comunidades, o subprojeto ``Manuelzão Dá o Recado'' distribui gratuitamente pelos municípios da bacia o jornal Manuelzão, hoje com tiragem mensal de 50 mil exemplares.

O projeto Manuelzão envolve, além da UFMG, outros centros universitários, empresas privadas, instituições políticas e a sociedade civil, mobilizando aproximadamente 4,5 milhões de pessoas. A população de cada um dos 51 municípios da bacia do rio das Velhas é incentivada a organizar seu próprio Comitê Manuelzão. Nele as demandas pela melhoria da qualidade de vida são discutidas e trazidas à coordenação do projeto, que funciona como ponto de interlocução, sugerindo soluções para os problemas locais e encaminhando as ações propostas às prefeituras, ao governo estadual e às empresas.

Contrários à política paternalista, os integrantes do projeto procuram, em palestras e reuniões com a população, diagnosticar os problemas e apontar soluções para a ação local, a fim de que a comunidade passe a agir por conta própria. Além de autônomos, os comitês funcionam com base em metas, que devem ser cumpridas em prazos determinados. A participação nos comitês é bastante heterogênea. Neles, universitários, engenheiros, técnicos, donas-de-casa, padres, lavradores, políticos e pescadores aprendem a falar a mesma língua. Todos lutam para recuperar o ambiente degradado, trazer os peixes de volta aos rios e garantir cidadania, qualidade de vida e saúde à população.


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Luiz Paulo Ribeiro Vaz 2002-05-21