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Prólogo



Quando naturalistas dinamarqueses, com grandes sacrifícios pessoais em viagens perigosas e difíceis por partes distantes do mundo, reúnem e trazem para casa coleções importantes e abrangentes, torna-se uma obrigação de gratidão e coleguismo dar toda a ajuda possível para a organização e o estudo do material coletado, e eu não fugi a esse dever, dando o melhor de minhas habilidades, quando estas foram demandadas ou desejadas.

Desde que o Prof. Reinhardt entregou em 1871 o notável resultado ictiológico de suas duas últimas viagens ao Brasil (1850-1852 e 1854-1856) à Coleção de Peixes do Museu10, tinha a firme convicção de que esse material poderia ser trabalhado e os resultados publicados; mas eu tinha esperanças de que o Professor, que já estudou várias partes menores dessas coleções11 , realizaria total ou parcialmente essa tarefa. Ao receber, nesse ínterim, quando me permiti dirigir ao honrado colega nesse sentido, a resposta de que isso não estava entre seus desejos ou planos, decidi realizar esse trabalho sozinho. Lamento a decisão do Prof. Reinhardt; pois ninguém melhor do que ele, que pessoalmente recolheu e observou esses peixes - independentemente de todas as outras características e qualificações individuais -, estaria em condições de escrever uma monografia sobre os mesmos. Por outro lado, não nego que foi um grande prazer estudar essas coleções; e sou agradecido ao Professor não somente por me ceder o seu direito de estudo e análise das mesmas, mas também por colocar à minha disposição todo seu material de anotações, estudos preliminares, desenhos, etc. para livre uso. Se posso ter pelo menos uma vaga idéia das dificuldades relacionadas com a formação e conservação de tais coleções em um país tropical, estou em condições de compreender e talvez também de testemunhar o extraordinário cuidado e completo conhecimento específico com os quais a presente coleção foi feita. É ainda importante salientar que pela primeira vez se coleciona no continente sul-americano material ictiológico que é fruto da longa estada de um naturalista em uma única área, o que tornou os peixes de água doce do lugar disponíveis como objeto de estudo específico. Portanto, é também a primeira vez que se publica uma monografia descritiva de peixes, baseada em material sobre o qual seu autor pode atestar que é tão completo que não se espera outra importante contribuição posterior sobre a mesma região. O que sabemos até o momento sobre a rica e interessante fauna de peixes da América do Sul é, em geral, o resultado de viagens que não tiveram como propósito principal pesquisar até a exaustão uma determinada bacia piscícola, mas somente reunir e preservar o que se encontrasse por acaso, ou aquilo que por um motivo ou outro atraísse atenção especial12. Além disso, existe o fato de que numa viagem, mesmo que seja interrompida por curtas estadas em diferentes lugares, a atenção é mais facilmente dirigida para os habitantes aéreos que para os aquáticos; e, apesar de a estada de nosso colega e de suas viagens a Minas Gerais terem também em outros aspectos gerado resultados valiosos, era previsível que o aspecto ictiológico teria ainda em maior grau o interesse pela novidade. E não fiquei decepcionado nessa esperança, pois a Sociedade Real de Ciências Dinamarquesa se encarregou dos custos desta edição encadernada.

Fica claro (nota número 11), da contribuição do Prof. Reinhardt publicada sobre a ictiologia brasileira, que ele já havia trabalhado anteriormente o material de suas viagens sobre Sciænoidei, Gymnotini, além de algumas espécies de Characini e um novo tipo estranho de Siluridæ; para mim resta então fazer uma descrição dos Siluridæ (com a exceção mencionada) e dos demais Characini. Essa descrição aparece somente 20 anos após a coleta, o que é lamentável; mas, em todo caso, tive a vantagem de poder me apoiar nos valiosos trabalhos de Kner, Bleeker, Günther, Cope e outros, que apareceram nesse intervalo. - Quando, como no presente caso, todo o material é de antemão transportado e preparado, o trabalho de descrição não é especialmente meritório, nem feito com maior dificuldade, à exceção de alguns casos especiais; mas, nesses casos difíceis, nem sempre uma habilidade maior que a que já se aplicou nessa tarefa, tampouco maior diligência e esforço, pode remover os problemas completamente. Penso aqui nos casos em que o presente material, mesmo não sendo pobre, não permite decidir definitivamente se certas discrepâncias são simples conseqüências de diferenças de idade, de sexo ou uma real diferença de espécie. É certamente impossível seguir o único caminho que levaria a uma decisão segura, qual seja, voltar à natureza e examinar a questão no local, com mais material; mas um julgamento tem de ser feito, pelo menos provisoriamente; não se pode, já que as limitações do material estão postas, evitar a questão ou guardá-la para uma outra oportunidade, ignorando tais formas e restringindo a descrição àquelas que não apresentam esse tipo de dificuldades. Mais ainda, refiro-me aos casos em que as descrições existentes na literatura, por motivos diversos - que podem estar tanto no material como na descrição -, são insuficientes para um julgamento decisivo se se trata de determinada espécie ou não; não é possível ter acesso ao exemplar-tipo nem a outros exemplares da mesma localidade - e quer se escolha uma saída ou outra, seja confiando na própria experiência, qualquer que possa ser, ou na própria avaliação de casos semelhantes, igualmente se está sujeito a errar e a se expor a uma crítica injusta. Muitos desses casos de dúvida são encontrados na presente descrição, e isso realmente não causa admiração àqueles que sabem quantas questões duvidosas desse tipo ainda existem mesmo na ictiologia européia. Esforcei-me nesses casos para preparar uma descrição - quando foi possível fazê-la - que possa ser completada por aqueles que me seguirem, mas tão completa que dificilmente seja ignorada, quando esse tempo chegar. Nas minhas descrições procurei manter um equilíbrio entre uma curta demais, que muitas vezes se torna insuficiente, e uma demasiado longa, sempre cansativa e às vezes tão detalhada que desorienta - desorienta porque, em última instância, é a espécie e não os indivíduos que se procura descrever. É ainda mais necessário não ultrapassar um limite razoável nesse sentido, pois a publicação do trabalho encarece na mesma proporção em que sua abrangência cresce. As proporções relativas essenciais foram, na medida do possível, incluídas nas descrições; as medidas absolutas, que constam abundantemente de trabalhos já publicados, são, na minha opinião, na maioria dos casos pouco úteis e em muitas situações mais desorientam que auxiliam, quando o número se refere a formas meramente paradoxais, para as quais as proporções podem, desse modo, dar uma expressão mais definida. Valorizei ao máximo, nos casos em que o material permitiu, a variação dentro da espécie, tanto no aspecto puramente individual (que freqüentemente é maior do que se costuma imaginar) como ainda naqueles que dependem da idade e do sexo; com relação a este último, diferenças externas quase não existem, mas as modificações em função da idade são quase sempre identificáveis e freqüentemente bastante significativas13. Nas anotações de Reinhardt encontrei, na maioria dos casos, descrições detalhadas das cores dos peixes vivos; o que nelas foi mencionado sobre sua fase de alevino e modo geral de vida, também reproduzi no seu devido lugar. Foi necessário dar a este trabalho um caráter exclusivamente descritivo (ictiográfico) e renunciar aos estudos anatômicos, que talvez se esperasse ver relacionados aqui, para não se adiar para um futuro indefinido o seu objetivo principal - descrição e discussão das espécies. Já se passou muito tempo. Em nome da prioridade, pode-se ainda mencionar que os diagnósticos em latim14, nos quais resumi as principais características das novas espécies, já estão publicados na Videnskabernes Selskabs Oversigter, de 187415.

Antes de começar a submeter a descrição detalhada à sociedade e ao círculo dos zoólogos, quero tecer alguns comentários extras que acho que o leitor deveria encontrar neste lugar. Permito-me retirá-los das anotações que o Prof. Reinhardt me cedeu, apesar de ele mesmo já ter comunicado seu conteúdo essencial em outra oportunidade.

``Entre as gigantescas bacias dos rios Amazonas e Prata encontra-se uma terceira, a do Rio São Francisco, que reúne as águas da maior parte das Províncias de Minas, Bahia e Pernambuco, ou, em outras palavras, do planalto central, que é limitado ao sul pela Serra das Vertentes, a leste pela Serra do Espinhaço, Serra do Grão Mogol, Serra das Almas e pelo prolongamento desta última, Serra Chapada, e finalmente a oeste circundado pela Serra da Canastra, Serra da Tabatinga, Cordilheira de Borborema e Serra dos Dois Irmãos. Esse sistema hídrico de forma alguma se compara aos primeiros em tamanho ou comprimento; mas o Rio São Francisco é, mesmo assim, um rio de 385 milhas dinamarquesas de comprimento16, sua poderosa massa de águas inunda, em tempos de chuvas, várias milhas de extensão dos chamados ``alagadiços'', e sua bacia, de aproximadamente 12000 milhas quadradas, tem superfície maior que a da França ou da Península Ibérica. O tamanho do sistema fluvial e sua localização nos trópicos geram condições adequadas para uma rica fauna piscícola; além disso, a oportunidade de conhecê-la foi relativamente favorável, pois o São Francisco flui através da região mais freqüentemente visitada do interior do Brasil por naturalistas e colecionadores, e desde longa data tem sido local de uma significativa e regular pesca, cujo produto é salgado e representa uma importante mercadoria naquelas paragens remotas. Existiam, portanto, razões para acreditar que uma importante fração dos peixes de água doce até agora encontrados no Brasil pudesse se originar desse rio e seus afluentes, mas esse não é, de forma alguma, o caso; dos 385 peixes de água doce brasileiros, descritos até 186717, existem'' (NT: a citação continua à frente)

- com exceção de poucas espécies que o Prof. Reinhardt já havia descrito de suas viagens e de outras descritas antes, que não foram reconhecidas pela crítica como espécies corretamente justificadas -

(continuação da citação) ``somente 29 que com certeza ou, no pior dos casos, com boa probabilidade, pode-se considerar que pertencem ao sistema fluvial do São Francisco.''

Uma longa e repetida estada na Província de Minas permitiu ao Prof. Reinhardt fazer uma importante contribuição para a tão desconhecida fauna piscícola desse sistema fluvial, já que ele teve oportunidade de coletar e estudar os peixes que ocorrem em um dos maiores afluentes do São Francisco, o Rio das Velhas, de 140 milhas de comprimento, tanto no rio propriamente como em algumas pequenas lagoas encontradas no seu vale18. O número de espécies que Reinhardt encontrou por lá chega a 55 (22 Siluridæ, 27 Characini, 4 Gymnotini e 2 Sciænoidei), incluindo aqui uma espécie de bagre-de-couraça que vive no próprio Rio São Francisco e não no Rio das Velhas e um Characini na mesma situação. Que a fauna, com isso, seja totalmente conhecida, ele nunca afirmaria; pelo contrário, ele considera razoável que um ou outro peixe possa lhe ter passado desapercebido; mas ele acredita que as espécies que os investigadores do futuro poderão acrescentar não serão muitas. Têm-se, portanto, todos os motivos para considerar que o presente trabalho apresentará um quadro aproximadamente completo da fauna piscícola daquela parte do interior brasileiro por onde o Rio das Velhas passa. Dessas 55 espécies, acredito, pelo que se conhece no presente, se possa declarar que 35 (ou seja, bem mais que a metade) são até o momento desconhecidas dos registros zoológicos. Seis delas - 3 Siluridæ e 3 Characini - pertencem a gêneros novos; sabe-se que apenas um pequeno número (talvez uma dezena) ocorre fora do sistema fluvial do São Francisco, cuja lista de peixes mais que dobrou com as viagens e coletas do Prof. Reinhardt; e, das espécies desse sistema fluvial anteriormente descritas, perto de uma dezena foi trazida pelo Prof. Reinhardt do Rio das Velhas ou do Rio São Francisco19.

Foram encontradas até agora 13 ou 14 famílias de peixes de água doce nos rios brasileiros; mas, dessas, existem 3, ou seja, a dos acarás (Chromides) (43 espécies), bagres (Siluridæ) (154 espécies) e Characini (com os Erythrinina) (159 espécies), que são dominantes, somando 356 ou 92% de toda a fauna (pelo menos com base na contagem a que chegamos acima20, em 1867); as 10-11 famílias restantes somam somente 32 espécies no total, ou 8%: cavalas (Scomberoidei) (1), (Scomberesoces) (2), gobiídeos (Gobioidei) (1), corvinas (Sciænoidei) (6), baiacus (Tetrodontini) (1), guarus (Cyprinodontes) (6)21, sardinhas (Clupeacei) com pirarucus (Osteoglossidæ) (4), sarapós (Gymnotini) (6), arraias (Rajæ) (4) e peixes pulmonados (Sirenoidei) (1)22. Como a grande maioria dessas famílias é apenas escassamente representada, várias delas com uma única espécie no Brasil, não se pode esperar que elas ocorram em todos os grandes rios do Brasil ou mesmo que uma grande parte delas aí esteja presente; e não é, portanto, de se admirar que Reinhardt tenha encontrado no Rio das Velhas e nos lagos situados em seu vale representantes de apenas quatro das famílias mencionadas: Sciænoidæ, Siluridæ, Characini e Gymnotini. Existem duas circunstâncias notáveis: que os Gymnotini sejam relativamente tão numerosos e que os Chromides, que representam um papel tão impressionante nas águas doces brasileiras, estejam totalmente ausentes23. Com exceção dessas duas circunstâncias, a pequena fauna que aqui se descreve possui em geral a mesma característica de todo o país; Siluridæ e Characini são absolutamente dominantes e perfazem 7/8 do número total, mantendo entre si um equilíbrio. Em relação ao número de espécies de famílias isoladas coletadas em todo Brasil, são os Gymnotini, por outro lado, que alcançam um quinto do número de espécies conhecidas em toda a América do Sul, sendo os mais representados - e existe ainda a estranha situação de que, por exemplo, enquanto nem um quinto das espécies conhecidas de Siluridæ da bacia do Rio São Francisco estão presentes em outras partes do Brasil, principalmente mais ao sul (de Characini ainda menos), das espécies de Gymnotini descobertas na Lagoa Santa e no Rio das Velhas somente 1 era nova: as outras 3 parecem estar espalhadas por uma grande parte da América do Sul. - Para essa peculiar característica da fauna piscícola no Rio das Velhas e principalmente da bacia do Rio São Francisco, a de os Chromides estarem ali totalmente ausentes, pode-se certamente citar o fato análogo de que, dentro da família dos bagres, estão ausentes também as espécies de Arius e de Callichthys; mas os Chromides não são apenas uma das três famílias absolutamente dominantes nos rios brasileiros, sendo tão numerosos que perfazem um nono de todos os peixes conhecidos de lá; eles se espalharam anteriormente por todo o país de norte a sul, tanto nos sistemas fluviais do Rio Amazonas como no do Prata; aparecem em quantidades especialmente grandes a oeste do sistema fluvial do São Francisco, nos rios Guaporé, Cuiabá e Paraguai; e Reinhardt os encontrou também a leste e sudeste dessa bacia, no Rio Doce e seus afluentes, bem como nos pequenos rios da Província do Rio de Janeiro. Seria, portanto, de se esperar que essa família também estivesse representada no Rio das Velhas; apesar disso, Reinhardt não conseguiu achar qualquer Chromides nem obter qualquer informação junto aos pescadores da região que levantasse a suspeita de que espécies dessa família pudessem estar ali presentes, Reinhardt não obteve um único exemplar da espécie por obra do acaso. Também, até agora, não foi descrita qualquer espécie dessa família no Rio São Francisco, e, durante uma estada em suas margens em Porto das Barreiras (um pouco ao norte do lugar onde o São Francisco recebe o Rio Abaeté), Reinhardt não só não conseguiu descobrir qualquer Chromides, como também as informações que coletou reforçaram a idéia de que esses peixes realmente não existem nesse rio. O nome ``Acará'', pelo qual esses peixes são denominados tanto na Província de Mato Grosso como no Rio Doce, era de fato totalmente desconhecido, mesmo entre os pescadores mais experientes de Porto das Barreiras; o nome ``Acarý''24 se usa ali para as espécies de Plecostomus e Rhinelepis, e as anotações especialmente detalhadas que Reinhardt conseguiu dos peixes do rio, do mesmo modo que as listas de nomes que os viajantes anteriores haviam reunido em outros pontos completamente diferentes do curso do São Francisco (Spix e Martius e também A. de St. Hilaire em Salgado, Gardner em São Romão), não continham nomes em que um Chromides pudesse se ocultar.

Vou terminar esta introdução com uma descrição da pesca praticada nesta parte do Brasil, como encontrei nas anotações do Prof. Reinhardt sobre sua primeira viagem, a qual acho que seria lida com interesse pela simplicidade e que não encontraria melhor lugar que este no presente trabalho:

Nas últimas semanas de minha estada em Lagoa Santa, perto do início da estação das chuvas, em meados de outubro, tanto os moradores da cidade como os fazendeiros locais começaram a praticar com empenho pesca com rede no Rio das Velhas e em seus afluentes menores, bem como em muitos lagos pequenos.

Os frutos da pesca eram denominados sob diferentes nomes: ``mandi'', dado às formas de Pimelodus [ou seja principalmente Pimelodus maculatus Lac., talvez também ``mandiaçu'' (Platystoma emarginatum Val.) e ``mandi-bagre'' (Bagropsis Reinhardti Ltk.)], ``surubim'' (Platystoma orbignianum Val.), ``crumatã'' (Prochilodus affinis Rhdt.), ``dourado'' (Salminus Cuvieri e Hillarii Val.) e ``matrinchã'' (Brycon Lundii Rhdt.); finalmente, embora raramente, sob o nome de ``corvina'',um Sciænoidei (Pachyurus corvina Rhdt.). Algumas vezes participei da pescaria a pouco mais de uma légua de Lagoa Santa, no ``Ribeirão do Mato'', que passa dentro de uma floresta bastante fechada e é tão grande como os maiores ribeirões da Selândia25, embora possivelmente menos profundo.

O lugar escolhido para a pescaria era geralmente uma baía pequena, estreita e fechada que o rio escavara na floresta. Algumas pessoas jovens pulavam no rio nuas, equipadas com galhos, a certa distância da baía; faziam uma linha através do riacho, cuja água os alcançava na altura do peito, e caminhavam, gritando e berrando, em direção à baía, enquanto batiam os galhos fortemente na água, empurrando os peixes assustados para dentro da baía, pois a saída para o curso normal do rio estava fechada, como uma parede, por uma rede esticada através do rio, mantida verticalmente dentro d'água por pedras em sua parte submersa.

Depois de os peixes serem empurrados para dentro da baía fechada que o rio havia formado, eles eram cercados por uma rede igual à anteriormente mencionada, no lugar onde se tinha começado a empurrar os peixes, e, assim que eles ficavam presos naquela parte do rio cercada pelas duas redes, começava de fato a pescaria, já que uma rede muito grande, do mesmo formato que aquelas que cercavam o rio, e com pedras amarradas, de forma a chegar até o fundo, era puxada da parte cega da baía em direção à rede superior e de volta, com a ajuda de pessoas que estavam nas margens do rio. Quando os peixes que escapavam chegavam a uma das barreiras do lugar cercado, as pessoas recolhiam com cuidado a rede de um dos lados, fazendo sempre arcos menores, até que os peixes cada vez mais estreitamente confinados alcançassem a margem. A rede e os peixes aprisionados eram então puxados com segurança, e os animais maiores e mais valiosos, recolhidos. Depois de a rede ter sido puxada algumas vezes para frente e para trás, o lugar ficava praticamente sem peixes.

O céu tropical, a densa floresta, quase impenetrável, as muitas pessoas nuas pretas ou morenas que ora estavam se movimentando pelo rio, ora corriam pelas margens aos gritos e gargalhadas, enquanto outros preparavam comida junto a uma fogueira com parte do resultado da pesca, compunham em toda sua simplicidade uma cena pictórica e selvagem; precisava-se de muito pouca imaginação para confundir as pessoas de diferentes cores com índios selvagens e se ver no meio de verdadeiras crianças da selva tropical.


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Luiz Paulo Ribeiro Vaz 2002-05-21