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_____________________________________________15 de março de 2013

Caros Amigos da Cosmologia,

Por que o céu é escuro à noite?

Ora, parece óbvio, porque o Sol está do outro lado da Terra! Na verdade esta é uma das primeiras — e genuínas — questões cosmológicas, i.e., que dizem respeito a todo o cosmos. Mesmo porque, se a Terra não tivesse atmosfera, com Sol ou sem Sol, o céu seria escuro, exatamente como ocorre na Lua, por exemplo.

Resumindo: num universo infinitamente grande e velho, ao olharmos para um ponto qualquer do céu noturno, a nossa linha de visada eventualmente deveria encontrar uma fonte de luz — uma estrela, uma galáxia — e o céu noturno deveria se nos afigurar resplandecente como a superfície do Sol.

Não é assim, como todos sabemos. O fato é que há dois pontos fundamentais e uma constatação inevitável, os quais impedem que o céu noturno seja brilhantemente insuportável.

Os dois pontos:

E a constatação inevitável: não há energia suficiente, em todo o universo, para que o céu noturno seja mais brilhante do que ele já é.

Mas ele é brilhante então? Esta história da escuridão do céu noturno deve ser sempre considerada na sua verdadeira perspectiva. Como todo astrônomo profissional sabe, deve-se sempre medir o “brilho do céu”, ao se fazer a fotometria de objetos celestes. A fotometria é um procedimento astronômico que consiste na medida da intensidade da luz dos objetos celestes. Para ela ser feita com fidedignidade deve-se subtrair o brilho do céu: os astrônomos apontam o telescópio para uma região escura, vizinha do objeto em estudo, e medem a intensidade luminosa da “escuridão”. O brilho do céu é muito fraco mas existe e as suas causas são múltiplas (nelas está incluído o brilho proveniente da reflexão na atmosfera da iluminação artificial das cidades que ficam próximas de observatórios).

E tem mais. Se considerarmos outros comprimentos de onda da luz, fora da faixa visível, o céu poderá ser brilhante também. Por exemplo, na faixa de micro-ondas há um brilho uniforme em todo o céu, conhecido como “Radiação de Fundo de Micro-ondas”. Os cientistas partidários da teoria cosmológica do Estrondão Quente consideram-na como um indício atual de um estágio anterior do universo, muito quente.

Uma analogia interessante pode ser feita para entendermos a questão da escuridão do céu noturno: a analogia da mata. Ao observarmos uma mata, um bosque, densamente povoado de árvores, pode ocorrer que a nossa visão seja impedida de penetrar além de determinada distância. Esta distância é chamada de “limite de fundo” ou “distância de recobrimento”, e é um conceito importante também na discussão da questão da escuridão do céu noturno. Substitua os troncos por estrelas ou galáxias, e teremos a analogia completa para se verificar se teremos um céu recoberto de estrelas ou galáxias, ou um céu escuro, com estrelas e galáxias espalhadas na escuridão.

O cálculo do limite de fundo de uma mata é muito simples. Precisamos escolher uma mata apropriada e obter os seguintes dados:

O limite de fundo é dado por LF = A/L.

Se o tamanho do bosque for maior que LF, então nossa visão será obstruída ao olharmos o bosque. Caso contrário, veremos ao fundo troncos espalhados na claridade externa. É como se fosse um “negativo” do caso da escuridão do céu noturno.

Vamos procurar uma mata e fazer esta experiência? Se alguém se animar, por favor, documente a experiência com fotos e eu me encarregarei de divulgar em COSMOS.

Quem quiser ler mais sobre este assunto, temos muita coisa.

E os trabalhos de meus ex-alunos de cosmologia (que também recebem COSMOS):

E para terminar um pesadelo. Imagine que você habita um planeta de uma estrela, que se encontra na região central do aglomerado globular Ômega de Centauro (ω Cen ou NGC 5139). Veja a sua bela imagem aqui. Ele também foi citado no segundo ato de meu artigo Hubble em três atos.

O aglomerado é como um pequeno “bosque de estrelas”, onde o limite de fundo foi atingido, pois não podemos ver através dele. Note que o limite de fundo deve ser pelo menos igual ao diâmetro de ω Cen, que é igual a cerca de 15 anos-luz. É importante lembrar também que os aglomerados globulares são livres de gás e poeira, os quais foram utilizados há muito tempo na formação de suas estrelas, então, não são o gás e a poeira que nos impedem de ver através do aglomerado.

O limite de fundo neste caso pode ser calculado substituindo-se a largura média do tronco pela área média da seção transversal de uma estrela do aglomerado, e a área média ocupada pelas árvores pelo volume médio ocupado pelas estrelas.

O pesadelo: conseguiríamos ter uma noite reconfortante sob o céu de ω Cen?

Um abraço a todos.

Saudações Cosmológicas,

Domingos

PS (12 de janeiro de 2015): O pesadelo de ω Cen descrito acima não existe! Fiz o cálculo aproximado da distância de recobrimento num aglomerado globular típico e encontrei quase 100 Gpc (gigaparsec)! Ou seja, muito maior do que as dimensões do aglomerado. O fato de não podermos ver através dos aglomerados está ligado a fatores técnicos relacionados à fotografia dos aglomerados (resolução espacial do telescópio e da câmera utilizada, qualidade do céu, etc). Algumas fotos de aglomerados globulares obtidas com o Telescópio Espacial Hubble nos permitem ver através dele (veja, por exemplo, o aglomerado globular NGC 1846).

PS (26 de janeiro de 2015): O caso dos aglomerados agora está destrinchado no artigo “Bosques estelares” (pdf). Nele, mostro que o pesadelo é na verdade um “sonho estrelado”.

PS (09 de agosto de 2023): Versão em inglês em “Star groves”.

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Domingos Sávio de Lima Soares
Página Pessoal
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