Universo em expansão… ou não?


Domingos Soares

20 de setembro de 2017


Resumo

O Modelo Padrão da Cosmologia é caracterizado por uma singular propriedade: o universo está se expandindo. Mostrarei que esta não é necessariamente uma característica do universo real, ou em outras palavras, que a expansão do universo real não foi definitivamente estabelecida.



1. Introdução

Quando um astrônomo obtém um espectro da radiação emitida por uma estrela, uma galáxia ou outro objeto celeste qualquer, ele observará que a posição das linhas espectrais características dos elementos químicos presentes no objeto observado não “caem” nas posições esperadas. O espectro estará afetado por um fenômeno físico denominado efeito Doppler, nome dado em homenagem ao físico austríaco Christian Andreas Doppler (1803-1853) que o descobriu.

O desvio, ou deslocamento, Doppler é um efeito que ocorre quando uma fonte de radiação e o observador se movem um em relação ao outro. O comprimento de onda observado será diferente do comprimento de onda da radiação — sonora ou eletromagnética — emitida.

O caso que nos interessa é o de uma fonte de radiação eletromagnética — uma estrela ou uma galáxia — que se move com velocidade v, aproximando-se ou afastando-se do observador. Neste caso, se a fonte emite uma radiação cujo comprimento de onda medido em laboratório, i.e., com v=0, é λₒ, então o observador detectará um comprimento de onda λ. Se a fonte estiver se afastando (v>0), λ será maior do que λₒ, ou seja, λₒ estará desviado, ou deslocado, na direção do vermelho, no caso de um espectro visível. Em caso contrário (v<0, fonte se aproximando), λₒ será observado com um comprimento de onda menor, portanto, desviado na direção do azul. O desvio espectral relativo (λ - λₒ)/λₒ é dado por:

Δλ/λₒ = v/c,

onde Δλ = λ - λₒ, v é a velocidade da fonte e c é a velocidade da luz no vácuo (v≪c). Em geral, especialmente em cosmologia, representa-se o desvio Doppler relativo Δλ/λₒ pela letra z. O efeito Doppler pode ser então escrito simplesmente como z = v/c, ou

v = zc.

Nas primeiras décadas do século XX as técnicas observacionais permitiram o registro dos espectros de inúmeras galáxias. A maioria delas apresentava um espectro com desvio para o vermelho. A figura abaixo mostra uma coleção delas selecionadas por Edwin Hubble (1889-1953).



Desvios para o vermelho e distâncias para as galáxias mais
brilhantes de aglomerados. As setas brancas na parte central dos espectros
indicam os desvios para o vermelho das linhas de absorção H (396,8 nm) e
K (393,4 nm) do elemento atômico cálcio. (Observatório Palomar, Estados
Unidos, 1983).


A interpretação simplória destas observações é a de que o universo, representado pelas galáxias, está se expandindo, pois a maioria das galáxias apresenta um desvio para o vermelho (ver Soares 2014a para mais detalhes).

Mas, por que isto pode não ser verdadeiro? Por que o desvio para o vermelho de uma galáxia pode não indicar expansão? Porque, na verdade, o desvio para o vermelho apresentado no espectro das galáxias não é inteiramente devido ao efeito Doppler, como mostro na próxima seção.

2. Qualificando os desvios espectrais

O desvio espectral apresentado na radiação emitida por uma galáxia, ou outro objeto qualquer, tem pelo menos três contribuições (mais detalhes em Soares 2012). As contribuições possíveis, especificamente para o desvio para o vermelho z, são as seguintes.

Constitui uma tarefa complexa a separação dos três efeitos na luz observada, e considerações a respeito dos detalhes físicos do problema devem ser criteriosamente utilizadas. Para o universo local, a contaminação pelos outros desvios é mais severa, pois o desvio cosmológico é pequeno (para o caso do MPC, ver a seção Expansão do universo local de Soares 2012).

De acordo com o MPC, o desvio para o vermelho cosmológico é interpretado como sendo devido à expansão do espaço. Surge daí a ideia do universo em expansão. Então, esta é uma característica do MPC e não do universo real. Alternativamente o desvio cosmológico pode ser causado por um novo fenômeno da natureza.

Se o MPC não for válido, como parece ser o caso dado as exigências de matérias bariônica e não bariônica e energia escuras (ou seja, desconhecidas, não detectadas) para a sua validação (ver Soares 2015), o z cosmológico pode ser devido a outros mecanismos físicos como, por exemplo, aqueles preconizados pelo paradigma da luz cansada (Soares 2014b).

3. Conclusão

O universo em expansão é uma combinação de uma teoria — o MPC — e um conjunto de observações astronômicas — os desvios para o vermelho. A expansão não é comprovada de forma apenas experimental. Um exemplo pode esclarecer esta afirmação.

Considere o radar Doppler usado pela polícia de trânsito. O aparelho emite uma onda eletromagnética na faixa de micro-ondas em direção a um carro que se movimenta à distância. A onda ricocheteia no carro e volta ao aparelho com uma frequência modificada pelo efeito Doppler, devido ao movimento do carro. O aparelho então fornece a velocidade do carro. A obtenção desta velocidade é o resultado, também, da combinação de teoria — efeito Doppler — e observação — a detecção da onda refletida no carro. Só que aqui este resultado pode ser conferido pela observação, independente, da velocidade do carro. Em outras palavras, pode se realizar um experimento controlado, onde se sabe a velocidade do carro e esta pode ser confrontada diretamente com a velocidade obtida pelo radar. Sabemos então que o radar realmente mede a velocidade inicialmente desconhecida de um carro e que esta medição é confiável.

Semelhantemente, no caso das galáxias precisamos ter um método, um teste independente para se confirmar a expansão. De fato, tais testes existem. O mais usado é o teste ou efeito de Tolman, criado pelo físico-matemático e cosmólogo estadunidense Richard Tolman (1881-1948), que foi, a propósito, grande amigo e colaborador científico de Edwin Hubble.

Um objeto qualquer que ocupa uma área extensa no céu, como uma galáxia, é caracterizado por uma grandeza denominada brilho superficial. Ela é dada pela razão entre o fluxo luminoso emitido pelo objeto e a sua área aparente no plano do céu. Estas duas propriedades podem ser medidas sem o conhecimento da distância até o objeto. O teste de Tolman faz uma predição específica para os modelos relativistas do MPC: os brilhos superficiais das galáxias devem diminuir com (1 + z)4 (seção 2 de Soares 2006).

A aplicação do teste de Tolman tem sido até a atualidade inconclusiva: não se pode afirmar se o universo está ou não em expansão. Rocha (2009) discute o efeito de Tolman, no contexto geral das controvérsias existentes no MPC, e Soares (2006) discute um caso específico de aplicação do teste de Tolman.

Referências

G.R. Rocha, Controvérsias Científicas – O caso do modelo padrão da cosmologia (Caderno de Física da UEFS v. 7, 65, 2009).

D. Soares, Sandage versus Hubble on the reality of the expanding universe (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/svsh/svsh.htm, 2006).

D. Soares, Universo relativista: expansão no espaço ou do espaço? (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/expn/expn.htm, 2012).

D. Soares, UGE, Universo da Gominha Esticada (Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 36, n. 4, 4301, 2014a)

D. Soares, O paradigma da luz cansada revisitado (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/ensino/luzcans/luzcans.htm, 2014b).

D. Soares, Joel Primack e a imagética da escuridão (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/wish/primack-img.htm, 2015).

 


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