26 de dezembro de 2012
Mas a formulação mais comum dos modelos relativistas é aquela em que o próprio espaço é que está em expansão, e as galáxias se afastam umas das outras devido ao aumento do espaço existente entre elas. Por outro lado, mostrarei que, para o universo local, ou seja, para distâncias menores que cerca de 500 Mpc (≈ 1,5 bilhão de anos-luz), a expansão do espaço é matematicamente indistinguível da expansão no espaço.
Antes porém discutiremos alguns tópicos que ajudarão na consecução deste objetivo.
Superposto à expansão do espaço, as galáxias, e as estrelas nas galáxias, também realizam movimentos, os quais são independentes da expansão do universo. Estes movimentos — estes efeitos cinemáticos — podem ser medidos através da análise da luz emitida por estes objetos. Discutiremos então o fundamento desta análise, que é o efeito Doppler. Em seguida trataremos da expansão do universo local utilizando como guias o modelo relativista de Friedmann crítico e o trabalho observacional do astrônomo Edwin Hubble. Tratarei então de uma imagem muito esclarecedora, usada pelo cosmólogo Edward Harrison, para mostrar as complicações inerentes à observação dos desvios para o vermelho em cosmologia, a saber, um balé. Finalizarei com algumas considerações gerais.
O caso que nos interessa é o de uma fonte de radiação eletromagnética — uma estrela ou uma galáxia — que se move com velocidade v, aproximando-se ou afastando-se do observador. Neste caso, se a fonte emite uma radiação cujo comprimento de onda medido em laboratório, i.e., com v=0, é λₒ, então o observador detectará um comprimento de onda λ. Se a fonte estiver se afastando (v>0), λ será maior do que λₒ, ou seja, λₒ estará desviado, ou deslocado, na direção do vermelho, no caso de um espectro visível. Em caso contrário (v<0, fonte se aproximando), λₒ será observado com um comprimento de onda menor, portanto, desviado na direção do azul. O desvio espectral relativo (λ - λₒ)/λₒ é dado por:
Apresentarei a seguir dois exemplos de aplicação do efeito Doppler.
O primeiro é um sistema binário de estrelas. Concentrando a nossa atenção em uma
das estrelas do par, na figura abaixo, vemos que enquanto ela se move a luz que
ela emite desloca-se ora para o azul, ora para o vermelho, denunciando assim o
seu movimento orbital.
Sistema estelar binário esquemático onde se destaca o movimento orbital da estrela
secundária (estrela verde). A faixa colorida representa o espectro visível, do azul (λ=400 nm) até o vermelho (λ=700 nm). Os segmentos verticais negros representam as linhas espectrais de absorção produzidas na atmosfera da secundária. Quando a secundária se aproxima do observador as linhas do espectro se deslocam para o azul. Quando o seu movimento cruza a linha de visada, o espectro não apresenta desvio Doppler, e quando ela se afasta o espectro se desloca para a região vermelha de comprimentos de onda (figura original produzida pelo Observatório Educativo Itinerante/IF-UFRGS). |
Mas atenção, há um detalhe que precisa ser corrigido nesta figura. Na verdade,
as separações entre as linhas do espectro de absorção deslocados para
o vermelho ou para o azul não permanecem as mesmas do espectro de velocidade
nula. Isto acontece porque o desvio Doppler absoluto Δλ é
proporcional ao comprimento de onda de laboratório λₒ, isto é,
Δλ = λₒv/c. A linha de menor λₒ terá um
menor Δλ e a de maior λₒ um maior Δλ.
O segundo exemplo é o da rotação de uma galáxia espiral. A galáxia do Triângulo,
assim chamada por se localizar na constelação do Triângulo, é uma das maiores
do Grupo Local. A figura abaixo mostra a emissão de ondas de rádio pelo hidrogênio
atômico que existe espalhado por toda a galáxia e mesmo além dos seus limites
ópticos. As galáxias espirais são galáxias de simetria de disco e giram em torno
de seu centro. Ao girar, uma parte da galáxia se aproxima de nós e outra se afasta.
O hidrogênio atômico é observado através de uma linha espectral na faixa de rádio,
de comprimento de onda igual a 21 cm, na frequência de 1420,4 MHz.
Esta linha se desloca para o vermelho nas regiões da galáxia que
se afastam de nós, e para o azul nas regiões que se aproximam.
Note que os termos “vermelho” e “azul” são usados aqui,
mesmo não se tratando de luz visível, e assim ocorre, por convenção, para
qualquer que seja a faixa espectral em estudo.
Emissão de hidrogênio atômico de M33, a galáxia do Triângulo, a 3a maior galáxia do Grupo Local (cf. O Grupo Local de galáxias). A emissão está codificada em azul para desvio para o azul e em vermelho para desvio para o vermelho, de forma a evidenciar o campo de velocidades na galáxia. Assim, os desvios Doppler indicam a rotação da galáxia em torno do seu centro (Observatório Nacional de Radioastronomia, Estados Unidos, 1998). |
A expansão do espaço no modelo de Friedmann crítico é dada por (eq. 15.30, pág. 319, de E. Harrison, Cosmology, the science of the universe, 2000):
onde z ≡ Δλ/λₒ é chamado, neste caso, desvio para o vermelho cosmológico, pois não está relacionado ao movimento da fonte, ou seja, não é o resultado de um efeito Doppler. Esta velocidade é a velocidade de expansão, na posição da galáxia emissora, no instante em que a luz é detectada pelo observador na Terra. Na expressão, quanto maior z, maior será a velocidade de expansão. Note que v pode ser maior do que c, atingindo um máximo igual a 2c (veja mais detalhes em O efeito Hubble, especialmente a Fig. 2). É importante salientar também que a velocidade de expansão no instante em que a luz é emitida (eq. 15.31 de Harrison) é diferente da velocidade da expansão no instante da detecção. Ambas, no entanto, convergem para o mesmo v(z) no universo local. E mais, a velocidade de expansão do espaço em determinado instante cósmico é diferente em diferentes pontos do espaço; no universo local a variação da velocidade de expansão é dada pela lei de Hubble.
O aumento de z ocorre por causa do aumento em λ. O comprimento de onda, por sua vez, aumenta porque, durante o tempo gasto na viagem da radiação desde a galáxia até o observador, o espaço entre a galáxia e o observador aumenta provocando um aumento correspondente em λ. Quer dizer, quanto mais distante a galáxia, durante mais tempo a luz viaja, e maior será z. O universo distante será caracterizado, então, por valores grandes de z e o universo local por valores de z muito pequenos, i.e., por z ≪ 1.
Podemos usar uma aproximação para (1 + z)-½, que aparece em v(z) acima, com o auxílio da expansão binomial:
Para z ≪ 1, basta tomar os dois primeiros termos da série, com n = –1/2, e teremos
v = zc,
que é a mesma expressão para o desvio Doppler vista anteriormente, em aproximação de primeira ordem. Em outras palavras, a expansão do espaço local é matematicamente indistinguível do movimento das galáxias neste mesmo espaço.
A figura seguinte é baseada numa ilustração feita pelo próprio Edwin Hubble. As velocidades das galáxias são calculadas com v = cz (z ≡ Δλ/λₒ), que pode ser interpretada tanto como o resultado de uma expansão cosmológica do espaço local, quanto como o resultado de uma expansão cosmológica cinemática local.
Paradoxalmente, Hubble não acreditava em nenhuma das duas possibilidades, mas sim em que a existência de z, para as galáxias distantes, era a indicação de um novo fenômeno da natureza (mais detalhes a este respeito em O efeito Hubble e em A cosmologia de Hubble). Os dados da figura resultam em uma relação linear entre velocidade e distância, a famosa lei de Hubble para o universo local.
Desvios para o vermelho e distâncias para as galáxias mais
brilhantes de aglomerados. As setas brancas na parte central dos espectros indicam os desvios para o vermelho das linhas de absorção H (396,8 nm) e K (393,4 nm) do elemento atômico cálcio. Distâncias baseadas em uma constante de Hubble Hₒ = 50 km s-1 Mpc-1 (Observatório Palomar, Estados Unidos, 1983). |
Constitui uma tarefa complexa a separação dos três efeitos na luz observada, e considerações a respeito dos detalhes físicos do problema devem ser criteriosamente utilizadas. Para o universo local, a contaminação pelos outros desvios é mais severa pois, como vimos, o desvio cosmológico é pequeno.
Pelo que foi descrito acima a respeito dos três desvios, talvez seja razoável generalizar o balé de Harrison, e falar em um “balé de desvios espectrais”, pois os desvios podem ser tanto para o vermelho quanto para o azul.
No contexto da discussão a respeito da expansão do universo, temos um grande paradoxo. Hubble, considerado o descobridor da expansão do universo, não acreditava nesta hipótese. A razão disto evidencia o grande cientista que ele foi. Hubble não acreditava especialmente porque, na sua época, a hipótese da expansão levava a uma idade do universo muito menor do que a idade geológica da Terra. A constante de Hubble era ainda mal determinada e, como sabemos, a idade do universo relativista é proporcional ao inverso deste parâmetro. Quer dizer, para Hubble a teoria deve passar pelo crivo — que é definitivo — das evidências observacionais.
Hoje em dia existem problemas muito maiores do que o problema da idade. Quer dizer, o problema da idade foi “resolvido” à custa da introdução de inúmeros novos desconhecidos (matéria bariônica escura, matéria não bariônica escura, energia escura, etc). Certamente Hubble não aceitaria tantas hipóteses não comprovadas e ainda preferiria acreditar que o efeito observado nos espectros das galáxias poderia ser devido a um novo fenômeno da natureza ainda por ser desvendado.
Devemos, agora, responder à pergunta feita no título: expansão no ou do espaço? Dois “ses”. Se a expansão existir e se ela for descrita pelos modelos relativistas, a expansão é do espaço, na maioria das formulações relativistas. Entretanto, escolhas apropriadas de sistemas de coordenadas cosmológicas podem substituir a expansão do espaço por expansão no espaço (cf. COSMOS:08nov12). No universo local, a expansão do espaço é matematicamente indistinguível da expansão no espaço, descrita pelo simples efeito Doppler. Mas, fisicamente, não deixa de ser uma expansão do espaço.
E para encerrar outra pergunta, bastante relevante: por que simplesmente não aceitar os desvios espectrais das galáxias distantes como resultados de desvios Doppler, e portanto, como indicadores de um movimento generalizado de recessão, i.e., de expansão no espaço?
A resposta é simples. Porque não há indicações observacionais subsidiárias reais e convincentes de que os tais desvios espectrais sejam Doppler. Vejamos o exemplo das estrelas binárias. Nelas, os desvios espectrais são Doppler, quer dizer, indicadores de movimento, porque há evidências físicas para isto; sabe-se que existem, de fato, pares de estrelas em órbitas mútuas, comprovado inclusive por observações visuais; a simetria da variação temporal dos desvios espectrais claramente indica um movimento orbital. Em outro exemplo, o da rotação das galáxias de disco, há também evidências físicas subsidiárias. A simetria da distribuição espacial dos desvios espectrais no disco galáctico conforma-se a um modelo simples de rotação do disco; a rotação assim obtida serve para o cálculo das massas das galáxias levando a resultados consistentes com outros métodos.
Agora, para os desvios espectrais das galáxias distantes, as evidências físicas subsidiárias fundamentais são meras hipóteses ad hoc não comprovadas, tais como, a existência de componentes escuras — i.e., não observáveis — de matéria bariônica e não bariônica e a existência de uma componente difusa de energia escura, para citar apenas duas das principais. Estas hipóteses são necessárias para que a interpretação dos desvios espectrais como provenientes do movimento de expansão no espaço seja viável. Sem estas componentes escuras, a suposta expansão e a idade do universo teórica não são coerentes, pois obtém-se um universo mais jovem do que os seus constituintes, quais sejam, as estrelas e os planetas.
Em outras palavras, temos razões fortes para duvidar da expansão do universo, seja no, seja do espaço.
Além do mais, data venia, é bastante insignificante — estética e
filosoficamente — a ideia própria de uma expansão cósmica. Mas não deixemos
que a estética, a filosofia ou as preferências pessoais estejam acima da Ciência
e de suas prescrições de comportamento. Fiquemos com o maior cientista da
humanidade, Isaac Newton, que em algum local do Livro III dos Principia
diz: “Certamente não devemos menosprezar a evidência dos fatos experimentais em favor dos sonhos e das vãs imaginações de nosso devaneio pessoal”.