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O que é Física de Superfícies
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Uma das áreas da Física da Matéria Condensada que tem recebido
atenção especial da comunidade científica mundial nas últimas
décadas é
a Física de Superfícies. Este ramo da Física tem como objetivo
estudar a composição química e o arranjo atômico das superfícies
dos sólidos, visando determinar suas propriedades mecânicas,
elétricas e químicas. O grande desenvolvimento observado
nessa área de pesquisa tem como origem dois fatores. Em primeiro lugar, cada
vez mais se faz necessário o conhecimento das propriedades das superfícies
de vários materiais de grande importância tecnológica, tais como
semicondutores e catalizadores, devido à grande influência que tais
propriedades têm sobre processos físicos de interesse que ocorrem nas
superfícies. Em segundo lugar, o estudo de uma superfície atomicamente
``limpa'' só se tornou possível após o desenvolvimento da tecnologia
de Ultra-Alto-Vácuo (``Ultra-High-Vacuum'' - UHV) com a qual podemos não
apenas preparar superfícies ``limpas'' mas, principalmente, conservá-las
livres de contaminação por um período de tempo suficientemente longo
para a realização de medidas.
Do ponto de vista acadêmico, o estudo de superfícies é importante porque
a superfície é, por si só, um tipo de defeito no estado sólido. Ao se
criar uma superfície, a periodicidade em uma das direções é quebrada,
fazendo com que os átomos próximos à superfície do cristal estejam
sujeitos à influência de forças que são diferentes daquelas que atuam
dentro do cristal (volume). Se os átomos da superfície criada não sofrem
nenhum deslocamento em relação às suas posições de volume, a
superfície é dita ``bulk terminated'' (Fig. 1a) e representa
o menor distúrbio que um sólido pode sofrer devido à formação
da superfície. Entretanto, o mais comum são os átomos da superfície se
rearranjarem ocupando novas posições de equilíbrio. Este rearranjo
pode se dar de duas maneiras: por relaxação (Fig. 1b) ou por reconstrução
(Fig. 1c).
Figure 1:
Rearranjo atômico nas superfícies: (a) bulk terminated; (b) relaxação; (c) reconstrução.
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Na relaxação, a se-paração entre o plano de átomos da superfície e
aquele imediatamente abaixo difere da distância interplanar no interior
do cristal. Esse desvio interplanar pode ocorrer entre outros planos abaixo da
superfície, mas sua magnitude diminui à medida que se aprofunda no
sólido, sendo a região onde estes desvios ocorrem conhecida como
``selvedge''. As superfícies que apresentam apenas
relaxação mantêm a simetria original paralela à superfície, mas
sofrem alterações nos espaçamentos perpendiculares à mesma, podendo
gerar, por exemplo, um momento de dipólo elétrico na ``selvedge''. Já na
reconstrução, os átomos se rearranjam de tal maneira que a estrutura
resultante possui uma simetria no plano da superfície diferente da original.
As forças modificadas, em relação ao interior do cristal, que atuam na
superfície não influenciam apenas o arranjo (estático) dos
átomos, mas também modificam seus modos de vibração e estados
eletrônicos. Como muitas propriedades eletrônicas e vibracionais típicas
de volume dependem da periodicidade tri-dimensional do potencial interno do
sólido, é de se esperar que a quebra desta periodicidade resulte em
mudanças nos estados eletrônicos e vibracionais na superfície. Sendo
assim, mesmo que as posições atômicas permaneçam as mesmas, é de se
esperar que as propriedades eletrônicas e vibracionais da superfície e do
volume sejam diferentes. Por exemplo, o conhecimento detalhado do espectro de
fônons na superfície é essencial no estudo da difusão, de transições
de fase em superfícies limpas ou recobertas com adsorvato e em processos
de dessorção. Além disto, a frequência dos modos vibracionais associados
às espécies adsorvidas pode fornecer informações importantes sobre a
ligação química entre subs-trato e adsorvato, a geometria dos sítios
de adsorção e o acoplamento lateral entre átomos ou moléculas vizinhos
na superfície. Sendo assim, a determinação da estrutura e dinâmica das
superfícies constitui uma questão básica da ciência de superfícies
e de sistemas nanoestruturados.
Apesar da motivação acadêmica, grande parte do interesse em se estudar
superfícies vem do fato de que muitos processos físicos e químicos
de grande importância tecno-lógica, tais como corrosão, oxidação,
adsorção, catálise e crescimento epitaxial de monocristais, são
criticamente dependentes da natureza e das condições das superfícies
envolvidas. Temos então que um vasto número de processos de grande
interesse tecnológico e científico ocorre nas superfícies. A título
de ilustração, alguns desses fenômenos são descritos com mais detalhes a
seguir.
- Emissão termiônica
Através do aumento da temperatura de um metal pode-se fornecer energia
cinética suficiente para que os elétrons que se encontram no nível
de Fermi escapem do metal, vencendo a barreira de potencial
existente entre a superfície e o vácuo. Este processo é conhecido
como emissão termiônica e é fundamental em muitos equipamentos
eletrônicos. É, por exemplo, a fonte de elétrons em tubos de
osciloscópios e microscópios eletrônicos. O número de elétrons que
se pode gerar por emissão termiônica não depende apenas do material, mas
também da presença de contaminantes químicos na face emissora e
de sua orientação cristalográfica.
- Crescimento de cristais
O processo de crescimento geralmente envolve a deposição de átomos em
superfícies monocristalinas sob condições tais que os átomos que
estão ``chegando'' podem difundir sobre a superfície e formar
um arranjo tridimensional periódico. Assim, o conhecimento da Física
envolvida no processo de interação entre um átomo em movimento e uma
superfície monocristalina é de fundamental importância para o
entendimento da dinâmica de crescimento.
- Reações químicas
Muitas reações químicas envolvem interações entre diferentes tipos de
átomos e uma superfície ou interface. Mesmo os casos mais simples, quando
investigados a nível atômico, não são ainda completamente
compreendidos. Um exemplo particularmente importante é a
corrosão - oxidação de metais.
- Catálise Heterogênia
A presença da superfície de determinados metais e óxidos
durante uma reação química pode, algumas vezes, aumentar
significativamente a velocidade da reação. Embora essa ação catalítica
seja tecnologicamente importante, os processos envolvendo tal fenômeno são
estudados com base em uma literatura ainda altamente empírica. Grandes
esforços têm sido feitos no intuito de compreender um pouco melhor como
os sistemas catalíticos complexos funcionam, e tem sido constante a busca
de catalisadores mais econômicos do que os metais nobres (Pt, Ag, etc).
- Surfactantes
Recentemente tem-se observado um aumento da utilização de
surfactantes no crescimento camada por camada de metais e semicondutores
(``Surfactant Mediated Epitaxy'' - SME). Para o total entendimento de
tal fenômeno faz-se necessário o conhecimento de como o elemento
surfactante interage com a superfície do composto que está sendo crescido.
- Interfaces metal-metal, metal-semicondutor, metal-óxido,
semicondutor-semicondutor
O desenvolvimento da técnica de crescimento de cristais por epitaxia
de feixe molecular (Molecular Beam Epitaxy - MBE) oferece grandes
possibilidades de preparação de novos materiais através do
crescimento de camadas intercaladas de diferentes compostos (as chamadas
hetero-estruturas). A preparação e caracterização de tais estruturas
requer conhecimento detalhado dos processos que ocorrem na superfície do
substrato e nas interfaces. Além disso, o estudo da formação e das
propriedades microscópicas de interfaces entre metal e óxidos se apresenta
com certa prioridade devido à necessidade de se obter catalizadores mais
eficientes.
Figure 2: Número de artigos publicados por ano em todas as áreas de
pesquisa tendo como tema óxidos metálicos entre 1970 e 2000. Os dados
usados para construir este gráfico foram retirados do Web Of Science.
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Apesar de sua grande importância tecnológica e científica, o
conhecimento das propriedades básicas (tanto do ponto de vista da física
quanto da química) dos óxidos metálicos está mais de uma década
atrás quando comparado com metais e compostos semicondutores
[1,2].
Apenas recentemente, tem-se observado um aumento no estudo de suas
propriedades de volume e de superfícies. Este fato pode ser observado na
figura 2 onde mostramos o número de artigos sobre óxidos
metálicos publicados em todas as áreas de pesquisa, por ano, entre 1970 e
2000. Somente por volta de 1992 é que esta classe de
material começou a receber uma maior atenção da comunidade científica
mundial. Vale a pena ressaltar que o número de artigos publicados envolvendo
estudos de superfícies destes materiais é ainda menor. Além da
importância óbvia de óxidos metálicos e não metálicos nos processos
relacionados
à corrosão, esses materiais podem agir como lubrificantes e revestidores de um
outro material, atuar como catalizadores em um grande número de reações
químicas [3,4,5],
participar diretamente de processos biológicos
[6,7,8,9,10]
de extrema
importância para a nossa sobrevivência (como por exemplo a respiração) e
geológicos [11]. Uma vez que existe um número
relativamente pequeno de trabalhos voltados para o estudo estrutural das
superfícies de tais compostos, é extremamente importante obter
resultados estruturais para estes compostos no intuito de entender como
a geometria atômica influencia as propriedades físicas, químicas e
mecânicas das superfícies. É interessante também investigar as
diferenças existentes entre as propriedades das superfícies de óxidos
metálicos na forma de monocristais e as dos mesmos óxidos preparados na forma
de filmes ultra-finos crescidos sobre um substrato de material diferente, de
preferência não missível. O estudo da adsorção de átomos e moléculas
sobre tais filmes também é de considerável interesse
[12,13].
Para uma correta descrição dos vários processos que ocorrem em uma
superfície, várias propriedades da superfície propriamente dita devem
ser investigadas, tais como a composição química, a geometria em escala
atômica, a reatividade química, a função trabalho, a posição do
nível de Fermi dentro do ``gap'' (no caso de semicondutores), as
propriedades dos estados eletrônicos, as propriedades vibracionais, etc.
Para isto é necessário:
- criar uma superfície com o mínimo de defeitos estruturais e
mantê-la livre de contaminação por um tempo suficientemente longo;
- no caso de interfaces ou de sistemas adsorvidos, modificar a
superfície com a adição controlada (deposição) de uma espécie
química nova (metal por exemplo) numa escala de fração de monocamada;
- analisar o sistema (superfície e/ou interface) com uma ou mais
técnicas sensíveis à superfície.
Para a produção e manutenção da superfície é necessário a
utilização de um sistema de UHV com pressão máxima da ordem de
1 x 10-10 Torr. A criação da interface pode ser por deposição
controlada do material a ser adsorvido ou por
crescimento epitaxial utilizando-se um sistema MBE. A análise da
superfície ou interface pode ser realizada utilizando-se uma variedade de
técnicas, muitas das quais podem ser incorporadas numa única câmara de
UHV. Entre as técnicas apropriadas para tal análise, as mais usadas são
[14]: Espectroscopia de Elétrons Auger (``Auger Electron
Spectroscopy'' - AES) e Espectroscopia de Fotoelétrons Excitados por raios X
(``X-ray Photoelectron Spectroscopy'' - XPS) (incluindo radiação Sí
ncrotron) que fornecem informações sobre a composição química e a
estrutura
eletrônica da superfície; Difração de Elétrons de Baixa Energia
(``Low Energy Electron Diffraction'' - LEED), Difração de Fotoelétrons
(``Photoelectron Diffraction'' - PhD), Espectroscopia de Retroespalhamento de
Rutherford (``Rutherford Backscattering Spectroscopy'' - RBS) e Difração de Raios-x a Baixo Ângulo (``Grazing Incidence X-Ray Diffraction'' - GIXRD)
usadas na determinação da geometria atômica da superfície; Espectroscopia
de Perda de Energia de Elétrons (``Electron Energy Loss Spectroscopy'' - EELS)
útil na análise de reações químicas na interface e das excitações
atômicas na superfície; Microscopia Eletrônica de Transmissão
(``Transmission Electron Microscopy'' - TEM) para estudos da estrutura da rede
na interface. Mais recentemente, a Microscopia de Tunelamento (``Scanning
Tunneling Microscopy'' - STM) tem sido utilizada para estudar a topografia da
superfície, fornecendo importantes informações estruturais.
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13
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Phys. Rev. B, 59 (1999) R15605-R15608.
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D.P. Woodruff and T.A. Delchar, Modern Techniques of
Surface Science - Second Edition, Cambridge Solid State Science Series,
Cambridge University Press, (1994).
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