4.  RESULTADOS

4.1  Paråmetros absolutos

Os paråmetros absolutos de V906 Sco foram obtidos a partir dos elementos espectroscópicos e fotométricos finais calculados no capítulo 3 (tabelas 3.7 e 3.8), e estão apresentados na tabela 4.1. A precisão de 1-2% alcançada nesta determinação e o fato das componentes estarem bem destacadas de suas superfícies equipotenciais críticas (seção 3.7.2) tornam V906 Sco um sistema confiável para testes de modelos de estrutura estelar. Outros sistemas binários, com componentes cujas massas são próximas às de V906 Sco, c2 Hya (Andersen 1975; Clausen & Norsdtröm 1978), IQ Per (Lacy & Frueh 1985), V451 Oph (Clausen et al. 1986) e PV Cas (Popper 1987), também possuem suas dimensões absolutas calculadas com a mesma precisão. Os três últimos sistemas têm órbitas ligeiramente excêntricas e com a presença de movimento de ápsides como V906 Sco, mas são menos evoluídos do que este. A componente primária de c2 Hya, apesar de mais massiva do que ambas as componentes de V906 Sco, possui um valor intermediário de logg, sendo a estrela mais próxima das componentes de V906 Sco em um diagrama evolutivo logg ×logM. Felizmente, ambas as componentes de V906 Sco são evoluídas na sequência principal, a secundária já estando perto da idade terminal da sequência principal, situando-se, assim, em uma região onde existem poucos dados na literatura, propícia para testes mais conclusivos dos modelos de evolução.

Tabela 4.1: Paråmetros físicos de V906 Sco.

   Comp. A   Comp. B
Massa (Msol)   3.256±0.069   3.381±0.071
Raio (Rsol)3.512±0.0394.617±0.034
logg (c.g.s)3.860±0.0133.638±0.011
Vsincr (km s-1)63.0±0.784.7±0.6
Taxa de rotação0.98±0.120.94±0.06
Te (K)10700±50010402±500
Mbol-0.71±0.20-1.18±0.21
logL/Lsol2.161±0.0822.350±0.084
MV-0.31±0.20-0.86±0.21
Diståncia (pc)292 ±20

4.2  Diståncia

O módulo de diståncia de um objeto astronômico é dado por

V0-M = 5 logd - 5
(18)

sendo V0 a magnitude aparente corrigida do avermelhamento interestelar, M a magnitude absoluta e d a diståncia em parsecs.

V906 Sco pertence ao algomerado NGC 6475 (M7) situado na constelação de Scorpius ao sul das nuvens de Sagittarius (Buscombe, 1968). Muitos estudos foram realizados sobre este aglomerado desde a década de 30, e seu módulo de diståncia foi determinado por vários autores e métodos (tab. 4.2).

Tabela 4.2: Módulos de diståncia.

Autor (ano) Método Módulo de diståncia
Wallenquist (1931) fotometria fotográfica6.m5
Rieke (1935) espectrofotometria Hg7.m0
Koelbloed (1959)fotometria UBV6.m84
Hoag e Applequist (1965)fotometria UBV7.m0
fotometria Hg6.m0
Hyland (1965)perfis das linhas de H7.m0
Snowden (1976)fotometria uvbyb7.m06
Eggen (1981)fotometria uvbyb7.m23
Nissen (1988)fotometria uvbyb7.m01
Alencar et al. (1996,análise de curvas de luz uvbyb e7.m33
presente trabalho)de curvas de velocidade radial

V906 Sco foi considerada membro do aglomerado em todos os estudos de M7 em que ela foi incluída (Koelbloed, 1959; Abt, 1975; Snowden, 1976; Eggen, 1981). É interessante notar que nos estudos realizados até 1980, os autores, como Snowden (1976), ao descontarem o efeito do avermelhamento, obtiveram valores mais incorretos para a diståncia do sistema do que se eles não o tivessem descontado. Isto porque o avermelhamento é praticamente cancelado pela contribuição da terceira componente à magnitude aparente (sec. 3.6) e como até 1979 o sistema era considerado duplo, essa contribuição não era incluída. Eggen (1981), utilizando algumas observações de Snowden, obteve um módulo de diståncia do aglomerado um pouco maior do que o calculado por este (tabela 4.2), e considerando a contribuição da terceira luz como sendo igual à contribuição das duas outras componentes, obteve V0-M=7.m3 para V906 Sco, em contraste com o valor obtido com as mesmas observações por Snowden, V0-M=5.m10. Essa difereça tão grande foi causada principalmente por uma estimativa exagerada da contribuição da terceira luz (1/3 do valor total, enquanto que nossa estimativa corresponde a 1/5) feita por Eggen.

Considerando somente os estudos mais recentes de M7, realizados por Snowden (1976), por Eggen (1981) e por Nissen (1988), têm-se respectivamente os seguintes valores de diståncia para o aglomerado: d=251 ±45  pc, d=249 ±41 pc e d=252 ±23 pc. Comparando esses valores com o obtido no presente trabalho para V906 Sco, d=292 ±20 pc, vê-se que o sistema pode estatisticamente ser considerado membro do aglomerado.

4.3  Sincronização, circularização e idade

De posse dos paråmetros absolutos de V906 Sco, podemos estudar aspectos da circularização orbital e da sincronização das componentes, usando os cálculos de Claret et al. (1995). Cunha (1995) gentilmente calculou, utilizando nossas determinações para V906 Sco, a idade e os tempos de circularização e sincronização do sistema para várias composições químicas e modelos. As trilhas evolutivas utilizadas foram interpoladas de modelos evolutivos teóricos (Claret, 1995; Claret e Giménez, 1995), com composição química solar (X=0.700, Z=0.02) sem ``overshooting'' (modelo 1) e com ``overshooting'' (modelo 2) e com composição um pouco abaixo da solar (X=0.723, Z=0.01) e ``overshooting'' (modelo 3). Os resultados estão na tabela 4.3. Estes modelos diferem dos que foram publicados anteriormente (Claret e Gimenéz, 1992) por terem novas opacidades, novas equações de produção de energia e incluirem novos isótopos. Devido às modificações, as idades previstas pelos modelos novos e antigos são um pouco diferentes. Assim, enquanto o modelo 2 de 1995 prevê para o sistema logidade= 8.39 ±0.05, o modelo 2 de 1992 com mesma composição química e ``overshooting'' prevê logidade=8.45±0.08, como pode ser estimado da figura 4.1, traçada com dados do modelo de 1992.

Tabela 4.3: Idade, tempo de circularização e sincronização de V906 Sco.

modelo 1modelo 2modelo 3
logidade A8.35 ±0.028.36 ±0.028.47 ±0.02
logidade B8.40 ±0.028.41 ±0.028.50 ±0.02
logidade (sistema)8.37 ±0.048.39 ±0.058.49 ±0.03
Circularização:
Tcri8.01+0.30-0.138.14+0.22-0.118.13+0.28-0.12
Sincronização:
Tcri A5.70+0.52-0.176.55+0.12-0.086.45+0.25-0.00
Tcri B5.70+0.52-0.296.55+0.12-0.106.45+0.25-0.00

A previsão teórica de sincronização (tab. 4.3) é confirmada pelos dados observacionais, como pode ser visto na tabela 4.1, onde estão listadas as taxas de rotação das componentes.

A circularização prevista da órbita, entretanto, não concorda com os resultados obtidos a partir das observações. No capítulo 3, mostrou-se que o sistema é excêntrico, ainda que a excentricidade seja muito pequena (e=0.0054+0.0020-0.0010), mas da tabela 4.3 vê-se que o tempo de circularização é menor do que a idade do sistema para todos os modelos usados. Porém, os cálculos da tabela 4.3 foram feitos supondo que V906 Sco fosse um sistema duplo. Sendo este, entretanto, triplo, é razoável supor que a evolução da circularização seja afetada pela terceira componente. Segundo Mazeh (1990), uma terceira componente pode modular levemente a excentricidade do par binário, tornando possível a existência de órbitas excêntricas mesmo após o tempo de circularização previsto do sistema. Mazeh e Shaham (1979) determinaram que a modulação da excentricidade da binária é periódica com um período (Pmod) da ordem de:

Pmod » P3 P3
P
(MA+MB)
M3
(19)

onde P3 é o período orbital da terceira estrela e M3 sua massa. No presente caso P é da ordem de dias e como a terceira componente tem tipo espectral estimado próximo a B9 (sec. 2.5), sua massa é da ordem da massa das componentes do par binário. P3 pode ser estimado da ordem de centenas de anos, pois em 1950 o sistema foi observado como uma dupla visual de separação de 1'', enquanto hoje não se resolvem as três componentes visualmente. Assim, o período de modulação será aproximadamente um milhão de anos, o que implica que o sistema pode ser observado com uma excentricidade constante ao longo de centenas de anos. A amplitude da modulação, por sua vez, foi estimada por Mazeh e Shaham (1979) em torno de alguns centésimos nos casos descritos por eles, o que estaria de acordo com o resultado obtido para V906 Sco.

Por pertencer ao aglomerado M7, a determinação da idade de V906 Sco torna-se mais uma estimativa independente de idade do próprio aglomerado. A idade obtida depende bastante do modelo de evolução utilizado, assim como da composição química como pode ser visto na tabela 4.3. Assim, comparar estimativas diferentes de idades obtidas com modelos com e sem ``overshooting'' e com diferentes composições é algo que deve ser feito com cuidado. Snowden (1976), utilizando o modelo de Kelsall e Strömgren (1969) sem ``overshooting'' e com X=0.70, Y=0.27 e Z=0.03, obteve logidade=8.415. Essa composição é mais metálica do que a do modelo 1 que também é sem ``overshooting'', além disto não se tem a medida do erro desta determinação. Supondo que seu erro seja o mesmo que o nosso (±0.04), o que certamente é uma estimativa muito otimista por se tratar de um modelo antigo, os resultados obtidos concordam entre si.

Não havendo evidências na literatura de que a composição química do aglomerado seja mais baixa do que a solar, o resultado obtido com o modelo 3 foi descartado. A posição de V906 Sco em um diagrama evolutivo logg ×logTeff é distinta nos modelos publicados sem ``overshooting'' (Claret & Gimenéz, 1989) e com ``overshooting'' (Claret & Gimenéz, 1992) como pode ser visto na figura 4.1. O primeiro prevê a componente secundária na região do ``gap'' de Hertzprung, onde deveria ser extremamente improvável observar uma estrela, pois esta região corresponde a uma fase muito rápida da evolução estelar. De acordo com o segundo, ambas as componentes do sistema, apesar de evoluídas, ainda se encontram na sequência principal, por isso este foi o modelo adotado. Assim, V906 Sco é mais um sistema que vem confirmar a necessidade de modelos que prevêem uma duração maior para a sequência principal, como aqueles que levam em consideração o efeito de ``overshooting''.

Figura
Figura 4.1: As linhas sólidas representam as trilhas evolutivas do modelo 2 e as tracejadas as isocronas. A linha traço ponto representa trilha evolutiva do modelo 1, sem overshooting, para 3.2Msol.

O ajuste das trilhas evolutivas e isocronas do modelo novo com os nossos dados está apresentado da figura 4.2. Para cada componente foram traçadas três trilhas, a do meio correspondendo ao valor determinado para as massas e as externas sendo equivalentes aos erros calculados das massas. A componente secundária concorda perfeitamente com o modelo e o ajuste da primária, apesar de pior, se encontra dentro das margens de erro previstas.

Figura
Figura 4.2: As linhas sólidas representam as trilhas evolutivas calculadas para a massa da componente secundária (na nomenclatura de curvas de luz, porém a componente mais massiva), as linhas pontilhadas as trilhas calculadas para a massa da primária (de menor massa) e as tracejadas representam as isocronas correspondentes a cada estrela.

Uma determinação recente da idade de M7 foi feita por Meynet et al. (1993), através do ajuste de uma isocrona no diagrama cor-magnitude do aglomerado. Os modelos usados para calcular as isocronas são os de Schaller et al. (1992) com ``overshooting'' e composição X=0.68, Y=0.30 e Z=0.02. Apesar desta composição ser um pouco mais rica em hélio do que a do modelo 2, a diferença é bem pequena e os resultados obtidos com os dois modelos podem ser comparados. O valor obtido por Meynet et al. (1993), logidade=8.350 ±0.020, concorda com o calculado com o modelo 2 novo, logidade=8.388 ±0.047, confirmando, com métodos distintos e totalmente independentes, a idade de M7.