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IV. Corvinas (Sciænoidei)




Reinhardt já havia anteriormente169 esclarecido que dois Sciænoidei ocorrem no Rio das Velhas: Pachyurus corvina Rhdt. e P. Lundii Rhdt., ambos, tanto quanto se possa julgar, não descritos anteriormente; e além do Pachyurus Francisci (Cuv.), ocorre provavelmente ainda uma quarta espécie, P. squamipennis (Cuv.), no Rio São Francisco. P. corvina (Rhdt.) já foi descrita detalhadamente há muito tempo; sobre P. Lundii foi, de fato, comunicada somente uma diagnose, entretanto penso poder me limitar a relatar os pontos importantes nos quais estas espécies concordam entre si e onde não é tão evidente que elas pertençam ao mesmo gênero - tal como, por exemplo, a dupla cobertura de escamas descrita por Reinhardt -, juntamente com aqueles em que elas discrepam entre si e de outras espécies do gênero.

No que toca às concordâncias entre estas duas espécies, mencionarei em primeiro lugar que nossos exemplares são aproximadamente do mesmo tamanho; nosso maior exemplar de P. Lundii tem 15 1/2 polegadas de comprimento, o maior P. corvina somente 1 polegada a menos. A última espécie mencionada atinge um tamanho significativamente maior; ela fica, de acordo com dados do Prof. Reinhardt, aproximadamente com um pé e meio de tamanho. Em seguida, que há uma grande concordância nas proporções gerais; a maior altura do corpo é contida em P. Lundii quatro vezes e meia no comprimento total (calculado até a ponta da nadadeira caudal em forma de losango); nos exemplares jovens de P. corvina, do mesmo modo, a altura é contida mais de quatro vezes no comprimento total (4 1/3 ou 4 1/2) e no nosso maior exemplar, por outro lado, não chega a quatro vezes. Dessa forma, em geral, a altura é um pouco maior em P. corvina que em P. Lundii. O tamanho da cabeça (medido da ponta do focinho até a ponta do opérculo) em P. Lundii é um pouco maior (6-9mm) que a maior altura do corpo e não chega a um quarto do comprimento total; em jovens de P. corvina ela é, do mesmo modo, menor que um quarto do comprimento total, nos mais velhos, porém, algo acima de um quarto deste, mas, em ambos os casos, igual ou somente uma insignificância (1-2mm) maior ou menor que a maior altura do corpo. Nos exemplares adultos, o diâmetro do olho é aproximadamente um sexto do tamanho da cabeça, nos jovens, por outro lado, está entre um quarto e um quinto deste. A cobertura de escamas prolonga-se em ambas as espécies pela segunda nadadeira dorsal e pela nadadeira caudal, mas deixa uma estreita margem livre em ambas; nas nadadeiras ventrais a cobertura avança um pouco ao longo dos raios das nadadeiras, e na nadadeira anal e primeira nadadeira dorsal podem, em ambos os casos, aparecer algumas poucas escamas entre os raios das nadadeiras, mais próximo de suas raízes. O número de raios é também aproximadamente o mesmo, mais especificamente:

P. Lundii : D1: 10; D2: 1.34-35; P: 2.14-15; V: 1.5; A: 2.8; C: 1.15.1.
P. corvina : D1: 10; D2: 1.32-33; P: 2.14-15; V: 1.5; A: 2.7-8; C: 1.15.1170.

Tanto quanto se pode julgar dos não muito numerosos exemplares disponíveis (2 de uma espécie e 3 da outra), aparece uma pequena diferença no número de raios bifurcados da segunda nadadeira dorsal. O segundo raio duro da nadadeira anal é em P. Lundii mais longo que a metade da cabeça; em P. corvina isto ocorre somente no menor dos três exemplares disponíveis, nos outros ele é ou a metade do comprimento da cabeça ou (no maior deles) não chega à metade deste. Finalmente, pode-se ainda acrescentar que a nadadeira caudal possui a mesma forma de losango inclinado, arredondado no canto de baixo em ambos, e que os 5 poros na parte de baixo da maxila inferior (mento) é, igualmente para ambos, uma característica distintiva. Deve-se ainda adicionar que uma brânquia dupla ou uma brânquia do opérculo está presente, pois este, até agora, somente foi mencionado em P. Schomburgkii e P. corvina. (Com relação à bexiga natatória e ao intestino, ver descrição de Reinhardt de P. corvina na obra mencionada em primeiro lugar.) O desenho é, em tudo, igual em ambos, pois ambas as nadadeiras dorsais em ambas as espécies são adornadas com pequenas manchas escuras, e linhas transversais escuras correm da linha mediana dorsal para baixo em direção à linha lateral, paralelamente à direção das séries de escamas; e em ambos podem-se encontrar ainda, ao longo dos lados do corpo, algumas manchas escuras pouco nítidas, que possuem uma direção vertical ou um pouco inclinada tanto de cima para baixo como da frente para baixo171.

As diferenças mais importantes entre P. corvina e P. Lundii são (além das já mencionadas relativas às proporções e ao número de raios na segunda nadadeira dorsal):

  1. O focinho, como já citado por Reinhardt, em P. corvina avança à frente da maxila inferior, de tal forma que a boca chega a situar-se completamente na superfície inferior da cabeça, e a maxila inferior, quando a boca se fecha, é coberta pelos ossos intermaxilares. Em P. Lundii a maxila inferior, ao contrário, avança à frente do focinho, de tal forma que a boca se volta para frente e para cima; é, pois, uma conseqüência natural que o intermaxilar não possa cobrir a maior parte da maxila inferior quando a boca está fechada.
  2. O focinho é comprimido em P. Lundii, em P. corvina mais grosso e arredondado e a testa mais estreita na primeira espécie, na qual a cabeça, no geral, é mais comprimida; portanto, naquela o diâmetro dos olhos é igual à largura da testa ou insignificantemente maior que esta, mas em P. corvina é visivelmente menor que a largura da testa. Sua posição também é outra, devido às diferentes disposições da boca, de tal modo que, traçando uma linha do final da linha lateral até a ponta do focinho, em P. corvina ela passará completamente abaixo do olho, enquanto em P. Lundii ela cortará o olho não longe de sua metade.
  3. As escamas são menores e mais numerosas em P. Lundii, na qual se contam 120-130 ao longo da linha lateral da abertura branquial até a raiz da nadadeira caudal, ao passo que em P. corvina somente se contam algo em torno de 90.
  4. O início da nadadeira dorsal situa-se em P. corvina na mesma linha vertical que passa pelo suporte do primeiro (mais externo) raio da nadadeira ventral ou, ainda, um pouco à frente deste ponto; em P. Lundii, ao contrário, está alinhado com o ponto de origem dos raios de trás (mais internos) da nadadeira ventral. Em P. corvina, o comprimento da segunda nadadeira dorsal é contido aproximadamente três vezes (um pouco acima ou abaixo disso) no comprimento total, em P. Lundii, 3 1/3 ou 3 1/2 vezes.
  5. Nos indivíduos mais jovens de P. Lundii, o perfil deprimido da testa é muito discrepante do perfil da testa quase reto de P. corvina; a diferença ainda existe nos exemplares mais velhos (adultos), mas é um pouco menos nítida.

Se o P. squamipennis (Cuv.) Ag.172 (descrito a partir de um exemplar empalhado, em mau estado, de 17 polegadas de comprimento, dado como sendo ``do oceano Atlântico'', mas que, de acordo com a conjectura provavelmente acertada do Prof. Reinhardt, seria, na realidade, do Rio São Francisco173) tiver de ser comparado com uma das espécies aqui descritas, deverá ser com P. Lundii, da qual se aproxima pelo seu perfil de testa deprimido, sua boca voltada para cima, maxila inferior maior e pela posição da nadadeira dorsal em relação às nadadeiras ventrais. Na especificação do número de raios (D1.: 10; D2.: 1.36; P.: 15; V.: 7; A.: 2.9) considero que se introduziu um erro com relação às nadadeiras ventrais; nas nadadeiras anal e dorsais a diferença de P. Lundii é somente de um raio. Na realidade podem ser apontadas algumas outras discordâncias menores (por exemplo, que a segunda nadadeira dorsal e a nadadeira caudal seriam cobertas de escamas até sua borda - caso isto seja interpretado literalmente - e que os raios da última são muito pouco visíveis e que a cauda é muito grossa e quase cilíndrica), as quais, entretanto, poderiam ser convenientemente explicadas, sem maiores dificuldades, pelas más condições em que se encontravam os exemplares do Museu de Munique; diz-se ainda que os ramos da maxila inferior, quando a boca está fechada, posicionam-se entre os ramos da maxila superior, e se isto for interpretado como se a inclusão fosse completa, não é certo nem para P. Lundii. Aqui deve-se ainda mencionar que Günther174 (que teve em mãos um exemplar empalhado de 19 polegadas de comprimento, infelizmente em más condições e sem indicação de localidade de origem) atribui a ele um raio a menos na nadadeira dorsal e na nadadeira ventral, mas, no geral, o mesmo número de raios (D.: 10.36; V.: 1.5; A.: 2.9) e somente 96 escamas na linha lateral; também de acordo com esse autor, a segunda nadadeira dorsal e a nadadeira caudal são densamente cobertas com escamas até a sua borda, característica que não se pode mencionar para nenhuma das espécies do Rio das Velhas; o comprimento da cabeça é dado, assim como por Agassiz, como um quarto do comprimento total, o que somente se ajusta mais ou menos a P. Lundii, quando se mede a cabeça até a ponta da maxila inferior; que o diâmetro do olho seja somente um sétimo do comprimento da cabeça poderia ser explicado satisfatoriamente pelo maior tamanho do exemplar; ao contrário, mais uma vez, não está de acordo com o nosso exemplar de P. Lundii o fato de o segundo raio da nadadeira anal não ser a metade do comprimento da cabeça - devendo-se lembrar que esse raio em P. corvina mostrou-se relativamente mais curto nos exemplares mais velhos que nos mais jovens, de modo que poderia ser bem provável que uma relação semelhante pudesse valer para P. Lundii, se esta espécie atingisse um tamanho significativamente maior que o do maior exemplar de que dispomos. Nesta situação - ou seja, tendo em conta as más condições de ambos os exemplares descritos de P. squamipennis - não acredito que se possa negar completamente a possibilidade de que P. squamipennis e P. Lundii sejam a mesma espécie, apesar de ser correto mantê-las separadas, até que as Pachyurus do Rio São Francisco possam ser submetidas a um novo estudo. Tal estudo trará também outras informações sobre P. (Lepipterus) Francisci, que estão faltando em alto grau; na realidade, no momento não se pode dizer muito mais sobre esta, além de que, de acordo com o posicionamento da nadadeira dorsal, concorda com P. corvina, mas discrepa daquela por sua forma muito mais alongada (a altura não chega a um sexto do comprimento total), fato que não pode ser conseqüência de ser mais jovem, pois o exemplar trazido do São Francisco por St. Hilaire possui de 19 a 20 polegadas de comprimento; mas talvez tenha sido deformado pelo empalhamento? O número de raios (D.: 10-1.33; A.: 2.7) concorda completamente com P. corvina; também sobre o P. Francisci se menciona que ambas as nadadeiras dorsal e caudal são completamente cobertas de escamas, o que talvez não deva ser tomado de forma completamente literal.

Que P. Nattereri Steind.175 (descrito de exemplares do Rio Negro e Rio Branco, de 9-12 1/2´´ de comprimento) não seja, de forma alguma, idêntica a P. Lundii, como Steindachner176 manifestou, transparece já pelo fato de ela pertencer, pela posição da boca e outras características, à mesma subdivisão de gênero de P. corvina; mas também discrepa desta por ter várias características óbvias, como o tamanho dos olhos (pois, aparentemente, este não é uma conseqüência da idade) e o fraco desenvolvimento do segundo raio da nadadeira anal; o número de raios (D1.: 10; D2.: 1.31; P.: 2.16; A.: 2.8) e de escamas na linha lateral (80-96) concorda, por outro lado, bastante precisamente com ela. Não alimento qualquer dúvida de que uma comparação imediata de exemplares igualmente desenvolvidos dessas duas espécies, que pertencem a diferentes sistemas fluviais, viria provar completamente a diferença entre elas. A espécie descrita e retratada por Steindachner lembra em vários aspectos o P. Schomburgkii Gthr.177 (9´´ 4´´´ de comprimento, do Pará), que do mesmo modo pertence ao mesmo grupo que P. corvina, mas é muito diferente desta por ter boca menor, olho maior (um quarto do comprimento da cabeça), pelo fato de a linha lateral não se estender até a nadadeira caudal, pelo número de fileiras de escamas (85) e pelo número de raios (D1.: 10; D2.: 1.26; A.: 3.7).

Se fosse necessário dividir o gênero Pachyurus de acordo com as diferentes posições da boca - o que parece ser razoável em analogia com outros gêneros da família das corvinas -, o grupo ao qual P. corvina, Nattereri e Schomburgkii deveriam pertencer, muito razoavelmente, poderia permanecer com o nome dado por Cuvier, Lepipterus; aquele que abrange P. squamipennis e P. Lundii seria, naturalmente, denominado Pachyurus Ag.178

Ambas as espécies que ocorrem no Rio das Velhas denominam-se ``curvina'', nome que os portugueses trouxeram consigo para o Brasil. P. corvina não é rara no Rio das Velhas e seus afluentes, mas está totalmente ausente nos numerosos pequenos lagos no vale do Rio das Velhas.


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Luiz Paulo Ribeiro Vaz 2002-06-20