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_____________________________________________10 de abril de 2012

Caros Amigos da Cosmologia,

Volto mais uma vez ao tema da matéria escura, por causa de um artigo recente intitulado “The case for primordial black holes as dark matter” (arxiv.org/abs/1106.3875), de autoria de M.R.S. Hawkins. Este artigo foi aceito para publicação na revista científica, do Reino Unido, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, que é bastante bem conceituada pela comunidade.

Volto ao tema apenas por uma razão puramente acadêmica, qual seja, para um melhor entendimento do Modelo Padrão da Cosmologia (MPC) e das peculiaridades a ele relacionadas.

É muito comum a pergunta: “Pode a matéria escura estar na forma de buracos negros?”

Antes de mais nada devemos ressaltar que existem dois problemas de matéria escura no MPC:

Eu tentei explicar estes dois pontos no meu texto “Matéria escura não bariônica: o caso dos áxions”, disponível em naobarionica.htm. De acordo com o MPC, existem cerca de 4,5%, do conteúdo total de matéria e energia do universo, de matéria escura bariônica e 25% de matéria escura não bariônica. Os nossos telescópios, em todos os comprimentos de onda possíveis, só conseguem “ver” 0,5% de matéria bariônica radiante — que incluem você, que me lê, eu, que escrevi estas mal traçadas linhas, e estas mal traçadas linhas também. Para fechar a contabilidade temos 70% de “energia escura”, sobre a qual não falaremos agora. Estes números estão interessantemente ilustrados na pirâmide de Joel Primack e Nancy Abrams (sobre Primack e Abrams, vejam COSMOS:22out08).

Vamos agora a Hawkins e aos buracos negros primordiais, i.e., formados nos primórdios do universo do MPC.

O objetivo do artigo de Hawkins é apresentar a hipótese e as evidências observacionais de que buracos negros primordiais, de massas da ordem de massas estelares, podem ser responsáveis pela matéria escura do universo. Como vimos acima, existem dois tipos de matéria escura no MPC. De qual deles fala Hawkins? Matéria escura bariônica ou não bariônica? Resposta: não bariônica, pois os buracos negros primordiais dos quais fala Hawkins são aqueles formados na chamada época da QCD (sigla para Quantum Chromodynamics, ou, Cromodinâmica Quântica, que é a teoria física moderna para a explicação da formação dos bárions — de forma mais geral, dos hádrons — a partir dos quarks). A época da QCD corresponde à idade do universo de alguns microsegundos (∼ 10-5 s). Nesta época, os bárions ainda não haviam sido formados e existe uma previsão teórica de que buracos negros de massas de aproximadamente 1 (uma) massa solar tenham sido formados copiosamente a partir da matéria não bariônica existente.

Hawkins apresenta várias evidências da existência de tais objetos, especialmente relacionadas à sua atuação como lentes gravitacionais. A sua conclusão é a de que existe a possibilidade de que a matéria escura não bariônica possa ser atribuída a estes buracos negros. No MPC, como dito acima, a matéria escura não bariônica é tradicionalmente atribuída a partículas elementares — não bariônicas, obviamente — cujas existências são previstas às dezenas, no Modelo Padrão das Partículas Elementares, mas que ainda não foram detectadas (por exemplo, áxions, neutralinos, fotinos, neutrinos estéreis, etc). A propósito, Joel Primack é um dos principais responsáveis por esta idéia.

E os buracos negros existentes após a formação dos bárions? Eles, é claro, entram no cômputo da matéria escura bariônica, mas não conseguem explicar os 4,5% necessários.

Mas lembrem-se: o buraco negro é apenas uma entidade hipotética, o nome de “não-sei-o-que-é-isto” (cf. seção 2 de meu artigo Uma pedra no caminho da Teoria da Relatividade Geral). Então, o importante aqui é só a necessidade formal, acadêmica, de se chamar a atenção para a existência de “não-sei-o-que-é-isto” bariônico e para a possível existência de “não-sei-o-que-é-isto” não bariônico.

Como vemos, nada de novo no MPC. Continua a velha tendência de se utilizar “não-sei-o-que-é-isto” para se explicar um outro “não-sei-o-que-é-isto”... Ou, como já escrevi em outro local:

“Cosmologia moderna, o encadeamento incerto de especulação a especulação com o objetivo de demonstrar especulação.”

Um abraço a todos.

Saudações Cosmológicas,

Domingos

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Domingos Sávio de Lima Soares
Página Pessoal
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