_____________________________________________05 de agosto de 2011
Caros Amigos da Cosmologia,
Milton Humason (1891-1972), “Milt” para os mais chegados,
notabilizou-se por ter sido o assistente noturno e colaborador de Edwin
Hubble (1889-1953), tanto no Observatório de Monte Wilson (telescópio
de 100 pol=2,5 m de abertura) quanto no Palomar (telescópio de 200 pol=
5 m). A história de Milt constitui um interessante capítulo da história universal
da astronomia, e, a propósito, foi objeto do episódio 10 de Cosmos,
de nosso grande Carl Sagan, e que tem o título de “Limite da
Eternidade”, e em inglês, “The Edge of Forever”. Este
é o episódio de astronomia extragaláctica e cosmologia e, em tempo, vale
a pena ser assistido.
Milt começou como condutor de mulas, durante a construção do Observatório
de Monte Wilson e por sua persistência e interesse em astronomia chegou
a ser um dos maiores espectroscopistas da astronomia, e recebeu em 1950 o
título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade de Lund, na Suécia.
O artigo do astrônomo canadense Sidney van den Bergh, intitulado
“Discovery of the Expansion of the Universe”
(
arxiv.org/abs/1108.0709), um dos que mencionei em
COSMOS:01jul11, contém uma referência bastante interessante.
Trata-se da transcrição de uma entrevista dada por Milton Humason por volta de
1965. Milt já havia se aposentado, em 1957. A entrevista é bastante informal e
traz revelações muito interessantes sobre as atividades de Hubble relacionadas à
descoberta do chamado — por mim —
“efeito Hubble”, qual seja, relação linear existente entre
os logarítmos dos desvios para o vermelho de objetos celestes distantes e as suas
magnitudes aparentes — a, de outra forma popular,
“lei de Hubble”.
A transcrição está em
www.aip.org/history/ohilist/4686.html e, a seguir, listo algumas
passagens que me chamaram a atenção.
1) Por volta de 1928, Hubble pede a Milt para obter espectros de galáxias,
no Monte Wilson. Milt reclama do espectrógrafo, que utilizava prismas de vidro
amarelado, e demandava muito tempo de exposição à luz da galáxia. Mesmo
assim ele faz a medida do desvio para o vermelho de uma galáxia ainda não
medida e, após duas noites de exposição obtém a velocidade
correspondente de pouco mais que 3.000 km/s.
2) Um novo espectrógrafo, mais rápido, foi desenvolvido para o Monte
Wilson, e o que demandava 2 a 3 noites passou a demandar 4 a 6 horas de
exposição. Um notável avanço.
3) As placas fotográficas de vidro utilizadas para a obtenção dos espectros
eram minúsculas. No Monte Wilson, elas eram de 8 mm por 8 mm. Ou 10 por
10. Elas eram muito difíceis de manusear no laboratório de revelação.
4) O problema em Monte Wilson era o desconforto e o frio. A plataforma Cassegrain
era desconfortável, e você permanecia a noite inteira com os pés sobre o ferro gelado,
e ao fim da exposição poderia estar na posição mais estranha, devido à movimentação
do telescópio para o acompanhamento da galáxia no céu.
5) Hubble estava ansioso para obter espectros — para Milt obter —
de galáxias cada vez mais distantes de modo a verificar se a linearidade da relação
desvio para o vermelho–distância mantinha-se, mesmo às maiores
distâncias.
6) Milt não se preocupava com a interpretação de seus resultados observacionais.
Quaisquer que eles fossem, o valor de seu trabalho nunca poderia ser diminuído.
7) Não havia dificuldade em se identificar as linhas espectrais pois eles utilizavam duas
linhas espectrais bastante comuns, as chamadas linhas H e K do elemento cálcio uma
vez ionizado. O cálcio está presente em estrelas do tipo do Sol, que existem aos bilhões
em todas as galáxias. Assim as linhas de absorção H e K são bastante perceptíveis, ou,
conspícuas.
8) A maior velocidade no Monte Wilson foi de 46.000 km/s e no Palomar foi
de 72.000 km/s. Milt tem uma ligeira dúvida sobre este último número. (Talvez seja 61.000
km/s — vejam a Figura 1 de O efeito Hubble, meu artigo mencionado acima.)
9) As observações nào mostraram desvio da linearidade, ou como Hubble gostava
de dizer, um sinal do “horizonte”. Provavelmente não haja horizonte, pelo
menos até onde vai o 200 polegadas, o Palomar.
10) Não ter encontrado o horizonte não foi desapontador. Para Milt, nada em
astronomia pode ser desapontador. Às vezes você explica as observações de uma
maneira ou de outra, mas muitas vezes o real progresso científico ocorre quando
nada ocorre da maneira que você esperava.
11) Recentemente (por volta de 1965) seu filho quis lhe dar um telescópio de
presente. Mas ele foi sincero: “— Ó não, eu passei a minha vida inteira
com os olhos pregados numa ocular, agora eu quero mesmo é pescar!”
É sempre bom lembrar que o pioneiro na espectroscopia de galáxias foi o astrônomo
americano Vesto Slipher (1875-1969). Os interessados podem ler uma breve história
da contribuição de Slipher para a astronomia observacional de galáxias em
arxiv.org/abs/1108.4864. Trata-se de um texto curto e bastante interessante,
especialmente para aqueles que gostam de observações astronômicas.
Para terminar, uma curiosidade pessoal. Em fevereiro de 1998, eu e meu aluno de mestrado,
Paulo Márcio Vilaça Veiga (que recebe COSMOS) tivemos uma noite de observação
no Observatório Palomar. Observamos de 18 horas às 6 da manhã e obtivemos espectros de
galáxias em interação, que haviam sido estudadas por Paulo em sua dissertação. Os espectros
obtidos naquela noite foram estudados — um sistema — por minha aluna
de mestrado Natália Rezende Landin, e — todos os sistemas — por meu
aluno David Balparda de Carvalho (também recebe COSMOS), em sua dissertação
de mestrado. Foi bastante emocionante para mim e Paulo estar nos mesmos ambientes onde
Hubble, Humason e outros gigantes da astronomia extragaláctica estiveram. O Paulo
documentou tudo com sua nova filmadora e é sempre bom rever aqueles memoráveis dias
(e noite).
Um abraço a todos.
Saudações Cosmológicas,
Domingos
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Domingos Sávio de Lima Soares
Página Pessoal
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