09 de maio de 2013
As coordenadas espaciais constituem uma seção tridimensional do espaço-tempo tetradimensional das teorias relativistas. Discuto algumas características do espaço-tempo e da seção espacial — i.e., do espaço — nestas teorias.
A seção espacial deste espaço-tempo é o trivial espaço euclidiano, cuja característica mais típica é a de ser geometricamente plano, ou seja, a de obedecer aos postulados e corolários da geometria euclidiana (por exemplo, a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180 graus, o perímetro de um círculo dividido pelo seu diâmetro é igual ao número irracional π, por um ponto fora de uma reta passa uma e somente uma reta paralela, etc).
O espaço tetradimensional da TRR é denominado, por razões óbvias, espaço-tempo de Minkowski. Na verdade, ele nada mais é do que uma extensão do espaço euclidiano tridimensional para quatro dimensões e é também, portanto, geometricamente plano. A propósito, o espaço euclidiano pode ser estendido para qualquer número de dimensões n.
A métrica de um espaço n-dimensional qualquer é a expressão matemática que permite o cálculo de distâncias neste espaço. Assim, a métrica do espaço euclidiano tridimensional, em coordenadas cartesianas, é dada pela expressão da distância infinitesimal ds entre os pontos (x, y, z) e (x+dx, y+dy, z+dz):
. (1) |
A métrica dada pela Eq. (1) é também uma característica de um espaço plano e, como veremos, aparecerá com uma forma análoga na métrica do espaço-tempo da TRR (espaço-tempo de Minkowski).
, (2) |
onde c é a velocidade da luz no vácuo e o sinal negativo no termo temporal é adotado por convenção e conveniência. No caso de um intervalo nulo ds = 0, teremos c=±dl/dt, com (dl)² = (dx)² + (dy)² + (dz)², ou seja, somente a luz poderia viajar entre os dois eventos. Por extensão, definimos a geodésica nula, ou geodésica tipo luz, como o caminho entre dois eventos quaisquer, para os quais Δs=0. Para o espaço-tempo de Minkowski, a geodésica nula é um segmento de linha reta.
A seção espacial do espaço-tempo de Minkowski — e de qualquer outro espaço-tempo — é obtida “congelando-se” o tempo, i.e., fazendo-se t = constante, ou dt = 0, na Eq. 2. Obtemos, neste caso, o espaço plano euclidiano tridimensional, cuja métrica é dada pela Eq. 1.
Então, podemos dizer que na TRR o espaço-tempo e o espaço são planos. Isto não será verdadeiro para as soluções da Teoria da Relatividade Geral (TRG) discutidas a seguir. Para elas, o espaço-tempo será sempre curvo e o espaço será, geralmente, também curvo. Veremos apenas um caso em que a seção espacial de uma solução da TRG será plana.
Devido à simetria do problema — um corpo central esférico — a métrica de Schwarzschild é convenientemente expressa em coordenadas esféricas. O intervalo espácio-temporal ds será dado por:
, (3) |
onde r, θ e ϕ são as coordenadas esféricas usuais. Note que a geodésica nula é curva e não um segmento de reta como na métrica de Minkowski. Para se certificar disto, compare a parte espacial da métrica da Eq. 3 com a parte espacial da métrica de Minkowski em coordenadas esféricas, (dl)² = (dr)² + (rdθ)² + (rsenθdϕ)², e veja que elas são diferentes.
Para a visualização da seção espacial do espaço-tempo de Schwarzschild farei como Edwin Taylor e John A. Wheeler em seu livro Exploring black holes – Introduction to General Relativity de 2000. No capítulo 2, seção 10, pág. 2-24, intitulada Picturing the space part of Schwarzschild geometry, os autores restringem-se a duas dimensões espaciais (r e θ, fixando ϕ, dϕ = 0), para uma visualização 2D imersa no espaço 3D. Desta forma, o resultado é um paraboloide de revolução em torno da massa central M (veja Fig. 1). A representação espacial bidimensional dá apenas uma ideia de como seria o equivalente tridimensional, cuja representação é impossível pois exigiria uma figura 3D imersa num espaço 4D.
Uma característica interessante da métrica de Schwarzschild é que, sendo a geodésica nula curva, podemos ter a ocorrência de dois fenômenos inéditos, em relação à física clássica: a deflexão da luz ao passar próxima a uma massa M e a lente gravitacional — também uma consequência da deflexão da luz. O fenômeno das lentes gravitacionais origina efeitos ainda mais esdrúxulos tais como miragens, amplificação da intensidade luminosa, etc.
Concluindo, o espaço-tempo de Schwarzschild e a sua seção espacial são ambos curvos.
. (4) |
S(t) é o chamado fator de escala do universo e k é a constante de curvatura da seção espacial. Esta métrica descreve os modelos em expansão típicos do MPC e também admite modelos particulares em contração (cf. Observações sobre as soluções clássicas da equação de Friedmann). Os valores de k podem ser: +1, correspondendo a um universo finito, ilimitado e fechado, −1, a um universo infinito e aberto, e 0, a um universo infinito e plano (ou crítico). A geodésica nula é em geral curva, sendo reta apenas para o modelo crítico. Estas três possibilidades estão ilustradas na Fig. 2, como visualizações 2D imersas no espaço 3D. Como dito acima, a representação geométrica 3D é impossível, pois a quarta dimensão espacial não existe ou não é observável. As representações das várias configurações 3D só são possíveis através de relações matemáticas e geométricas características de cada espaço específico.
O universo — ou modelo — de Friedmann fechado possui densidade de matéria-energia maior do que a chamada densidade crítica, o universo aberto possui densidade menor do que a densidade crítica, e o universo plano é o modelo cuja densidade é a densidade crítica, e desta forma, a define. Todos estes modelos clássicos de Friedmann estão em expansão desacelerada, sendo que o modelo fechado é cíclico, alternando fases de expansão e contração. O leitor está convidado a ler o artigo Observações sobre as soluções clássicas da equação de Friedmann, onde algumas características dos universos clássicos de Friedmann são discutidas.
Como vimos, então, o espaço-tempo de Friedmann-Robertson-Walker, dado pela métrica da Eq. 4, é obviamente curvo pois representa uma solução da TRG, e as suas seções espaciais podem ou não ser curvas, dependendo do valor da constante de curvatura k.
TRR | ||||||
Espaço | ||||||
Espaço-tempo |
É importante notar que, devido ao fato de a TRG ser uma teoria de gravitação e a gravidade ser descrita pela curvatura do espaço-tempo, o espaço-tempo de todas as soluções da TRG é curvo. Na TRR não existe gravitação e o espaço-tempo é consequentemente plano. Note também que a única geometria plana nas soluções da TRG é a do espaço do modelo de Friedmann crítico, muitas vezes chamado, por isto, de “Friedmann plano”.
A TRG é uma teoria de gravitação e admite inúmeras soluções, cada uma delas referente a uma situação física diferente. Os dois exemplos que mencionamos acima, a saber, a solução de Schwarzschild e a solução de Friedmann são qualitativamente bastante diferentes. A solução de Schwarzschild têm sido comprovada exemplarmente pelas experiências e observações astronômicas e é responsável pelo enorme prestígio de que goza a TRG. Já as soluções cosmológicas de Friedmann ainda não foram comprovadas nem por experiências nem por observações astronômicas, ao contrário do que muitas vezes é apregoado. Uma discussão mais detalhada desta questão qualitativa é apresentada no artigo Uma pedra no caminho da Teoria da Relatividade Geral. Muitas vezes, o sucesso da solução de Schwarzschild é inconscientemente transferido para as cosmologias modificadas de Friedmann, como se elas próprias fossem um sucesso de comprovação observacional. O que não é de forma alguma verdadeiro.
Uma curiosidade: a deflexão gravitacional da luz, uma característica original da métrica de Schwarzschild, pode também ser calculada dentro dos preceitos conceituais da mecânica newtoniana. Isto está feito em Newtonian gravitational deflection of light revisited. O resultado para a deflexão da luz originária de uma estrela distante, em incidência rasante à superfície do Sol é, no entanto, duas vezes menor do que o resultado obtido através da solução de Schwarzschild, o qual tem sido brilhantemente comprovado, especialmente pela deflexão de ondas de radiofrequência emitidas por quasares.
A geodésica nula curva no modelo de Friedmann fechado leva à previsão da existência de múltiplas imagens (miragens) de galáxias devido a repetidas “viagens” da luz emitida por elas em trajetórias fechadas, por todo o universo. Este efeito foi bastante explorado em um modelo alternativo ao MPC, formulado pelo cosmólogo francês Jean-Pierre Luminet e colaboradores em 2002 (veja mais detalhes na seção 4 do artigo Espectro de potência da Radiação de Fundo de Micro-ondas).
Uma descrição bem simples da cosmologia dos modelos de Friedmann pode ser vista em O Big Bang, um “Estrondão” no espaço e no tempo. Como foi dito anteriormente, o atual Modelo Padrão da Cosmologia é a modificação de um dos modelos de Friedmann.