O prêmio Nobel de Física de 2011

Domingos Sávio de Lima Soares

20 de outubro de 2011


Recebi uma consulta do estudante Guilherme Nunes sobre o prêmio Nobel
de Física deste ano. Guilherme cursa jornalismo na UFMS e pretende
produzir uma matéria jornalística sobre o prêmio.

Ele me enviou três perguntas, as quais respondí logo abaixo.

(Por favor, leia antes o texto que escrevi no dia da concessão do prêmio,
em COSMOS:04out11)




Caro Guilherme,

Obrigado pela sua mensagem e pelas perguntas sobre o prêmio Nobel de
Física de 2011. Elas serão também bastante úteis para que eu faça uma
reflexão pessoal a respeito de mais este prêmio Nobel em Cosmologia,
no presente século.

Claro que você poderá utilizar os meus comentários em sua matéria,
obviamente -- e não precisaria dizer --, desde que mencionando a sua
fonte. Desde já agradeço pela atenção.

Os prêmios Nobel têm tido nos últimos anos uma mudança radical de
caráter, e isto não só em Física. Em 2006, o prêmio de Física foi dado
a cosmólogos, e eu fiz várias críticas à atribuição. As críticas de
natureza geral também se aplicam a este prêmio de 2011. Você poderá
ler estas críticas em

O Nobel de 2006.

O ano passado, participei de um evento na Universidade Estadual de
Maringá, PR, onde apresentei uma palestra intitulada "Uma nova visão
do universo", sobre a cosmologia moderna. As transparências desta
conferência estão em

Uma nova visão do universo

Finalmente, mantenho uma lista de discussão de cosmologia intitulada
COSMOS, que encontra-se à disposição em

COSMOS – Notícias e tópicos de cosmologia

Vamos então às suas perguntas.

1º Qual a importância desta descoberta? (Em relação a aceleração da
Expansão do Universo)?


Em primeiro lugar é altamente questionável o termo "descoberta"
utilizado aqui. A pretensa descoberta depende de confirmação
científica pois ela se baseia em um método de determinação de
distância ainda não definitivamente estabelecido. Este método é
baseado na determinação do brilho de supernovas, estrelas
que explodiram, no final de sua evolução. A aceleração do universo
é portanto uma afirmação científica provisória e não deveria ser
objeto de um prêmio Nobel, se fosse mantida a antiga metodologia
de atribuição dos prêmios.

A importância da aceleração da expansão no Modelo Padrão da
Cosmologia (MPC) é permitir que a idade cosmológica do modelo
seja consistente com a idade das estrelas mais velhas de nossa
galáxia. Um modelo acelerado pode, em princípio, ser ajustado
para ter qualquer idade. O grande problema do MPC pré-expansão
acelerada era a inconsistência da idade cosmológica e a idade
de uma classe de objetos do universo. Isto é, os modelos
cosmológicos relativístas desacelerados são todos mais novos
do que as estrelas mais velhas de nossa galáxia.

Veja mais alguns detalhes em

O dilema da idade do universo

2º O que é a matéria escura, e a energia escura?

Ambas são escuras por não serem observados por nossos equipamentos
de deteção conhecidos (telescópios e detetores especiais).

Existem dois tipos de matéria escura, no contexto do MPC. A matéria
"convencional", chamada de matéria bariônica. Esta é aquela constituída
preponderantemente de bárions -- prótons e nêutrons -- e que é a matéria
usual a que estamos acostumados. Observa-se apenas 10% desta matéria.
Os 90% restantes são escuros, ainda não foram detectados. No cômputo
geral do MPC a matéria bariônica constitui cerca de 5%, sendo 0,5%
detectada nas estrelas, galáxias, seres humanos, etc, e 4,5% ainda
por serem descobertos. Estes 4,5% devem existir, de acordo com as
prescrições do MPC, e os defensores do MPC esperam encontrá-los um dia.

O estudo do movimento e da distribuição das galáxias no universo leva
à conclusão, pelo MPC, de que deve existir mais matéria, para que os
sistemas de galáxias sejam mantidos em equilíbrio, coesos em suas
estruturas. Mas a matéria bariônica não é suficiente para isto e ela
não pode ser aumentada, pois ultrapassaria o máximo de 5% permitido
pelo MPC. Então, se ela não pode ser bariônica, façamo-la não bariônica.
E assim é: 25% do conteúdo geral do universo precisa ser matéria
não bariônica, isto é, matéria exótica, ainda não conhecida -- e
até hoje não detectada.

Temos então 30% do conteúdo do universo em matéria. A matéria é
atrativa do ponto de vista gravitacional. Mas o MPC precisa de uma
expansão acelerada, pois ela foi supostamente descoberta. Então,
façamos uma parte do universo, cuja ação gravitacional seja repulsiva,  
e que cause uma aceleração na expansão. Ela não pode ser matéria, seja
então energia. Mas ela nunca foi detectada, pois nem se sabe o que
poderá ser. Façamo-la escura. Está aí a energia escura, que constituirá
70% de todo o universo. Importante: esta energia não tem absolutamente
nada a ver com a conhecida e trivial energia eletromagnética. Os
efeitos gravitacionais da energia eletromagnética também são atrativos
e não serviriam para provocar a aceleração. Esta energia escura é algo
totalmente exótico.

A matéria e a energia escura são algumas das peças deste quebra-cabeça
científico extraordinário que é o MPC. Nele, os seus proponentes
conseguem fazer com que todas as peças se encaixem. Mas o resultado
é um monstro horrível, um Frankenstein cósmico.  
   
Este assunto é discutido mais extensamente em

A idade do universo
Cosmologia moderna
Matéria escura
Um Estrondão no espaço e no tempo

3º Qual o próximo passo da ciência em relação a este assunto? O que vem
agora?


Dois grandes caminhos de pesquisa estão em andamento, e eles poderão,
especialmente, mostrar que o MPC é inviável.

O primeiro é o estudo da radiação de fundo de microondas, cujo
principal projeto é o do observatório orbital Planck. Esta radiação
é considerada pelo MPC como sendo um remanescente frio da enorme
quentura que existia no início do modelo, o chamado "Big Bang",
ou Estrondão Quente.

O segundo é o estudo do movimento e da distribuição das galáxias no
universo. Existem vários projetos em andamento, e o objetivo é
decifrar, dentro do MPC, os enigmas das matéria e energia escura.

Dificilmente estas pesquisas comprovarão o MPC. O início desta
comprovação só ocorreria com a detecção das matéria e energia
escuras. O que parece bastante remoto pois não se sabe nem mesmo o
que elas são.





==================================
Domingos Sávio de Lima Soares
Página Pessoal

==================================



Leia outros Textos & Notícias.