Edwin Powell Hubble



O PRÊMIO NOBEL DE HUBBLE

 

Prof. Domingos Sávio de Lima Soares (27/09/99)



 



Introdução

 

O astrônomo Edwin Powell Hubble nunca ganhou o prêmio Nobel porque ele morreu inesperadamente em 28 de setembro de 1953. Quase dois meses antes de completar os 64 anos de idade, ele foi vitimado por uma trombose cerebral, que o matou "instantaneamente e sem dor", como garantiu(!) à sua esposa, Grace Hubble, o antigo médico da família (ver Christianson 1995 -- daqui para a frente referido apenas como CHR --, p. 358).

Em todo o caso, existe realmente um prêmio Nobel para a Astronomia? Não, não há! Hubble teria sido o primeiro a provocar uma mudança na ordem estabelecida, como eu mostrarei de forma resumida logo abaixo. Conseqüentemente, a partir desta possibilidade, surge logo a pergunta: "- Se isto tivesse ocorrido, a qual, dentre as inúmeras grandes realizações de Hubble, seria associado o prêmio?".

Antes de me dedicar a essas duas questões, eu aproveito a oportunidade para fazer uma breve descrição, na seção seguinte, do prêmio realmente destinado à Astronomia, e que goza de status semelhante ao do prêmio Nobel, qual seja, o prêmio Crafoord. Em seguida, dedicar-me-ei à história em torno das tentativas de eminentes cientistas, durante as décadas de 30 a 50, de tornar possível a premiação de Hubble com o Nobel, e especularei a respeito da dedicação correspondente.

 

O prêmio Crafoord

 

O Fundo Anna-Greta e Holger Crafoord foi estabelecido em 1980 com o objetivo de promover a pesquisa científica básica, através de doações anuais à Academia Real de Ciências da Suécia, a mesma que tem sobre si as responsabilidades do prêmio Nobel.

Holger Crafoord (1908-1982) foi uma personalidade bastante ativa no setor industrial sueco. A partir de 1964, ele desenvolveu e fabricou um dispositivo de aplicação médica conhecido como rim artificial. Trata-se de um dialisador biológico que se tornaria de importância vital em todo o mundo. A sua companhia, além disso, desenvolveu uma série de instrumentos médicos, os quais lhe proporcionaram uma enorme fortuna. Em 1976 ele tornou-se doutor honorário em medicina pela Universidade de Lund, na Suécia, sendo seguido na mesma honraria, em 1987, por Anna-Greta Crafoord (1914-1994), sua esposa.

Especificamente, o propósito do Fundo é promover e premiar a pesquisa nos campos não cobertos pelos prêmios Nobel em ciências naturais, a saber, Matemática, Geociências, Ciências Biológicas (com ênfase destacada em ecologia e artrite reumatóide) e Astronomia. Os prêmios são atribuídos anualmente segundo um ciclo fechado, baseado na seguinte seqüência:

1.      Matemática

2.      Geociências

3.      Ciências Biológicas

4.      Astronomia

5.      Geociências

6.      Ciências Biológicas

7.      Matemática

 

A premiação consiste numa quantia em dinheiro equivalente a aproximadamente US$500.000, uma medalha de ouro e um diploma. O primeiro prêmio Crafoord foi concedido ao matemático V.I.Arnold, da Universidade de Moscou, por sua contribuição à teoria de equações diferenciais não-lineares.

Como se vê na seqüência acima, o prêmio Crafoord é atribuído aos autores de desenvolvimentos científicos importantes em Astronomia, uma vez a cada seis anos. O primeiro astrônomo a ser contemplado foi Lyman Spitze, Jr. em 1985, a seguir foi a vez de Allan R. Sandage, em 1991, e em 1997 houve dois ganhadores, Fred Hoyle e Edwin E. Salpeter.

 

O Astrônomo em dois momentos de sua vida

 

O Nobel de Hubble

 

Já na década de 30 (CHR, p. 249), Fred Hoyle, um freqüentador assíduo da residência dos Hubbles,em Pasadena, comunicou a Hubble que havia uma movimentação na Inglaterra, por parte do Comitê do prêmio Nobel, em direção a uma possível emenda nos estatutos que regulam a premiação para possibilitar a Hubble a condição legal de ser distinguido com a honraria maior em ciências naturais. Este mesmo rumor ouviu-se do premiado Nobel, e celebrado físico, Robert Millikan, que estava em atividades no Caltech, instituto próximo às instalações administrativas dos Observatórios de Monte Wilson, onde Hubble atuava.

É claro que, por aquela época, Hubble já havia sido agraciado com inúmeras distinções, sendo a maior delas a medalha Barnard, patrocinada pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, e concedida a ele, em junho de 1935, na Universidade de Colúmbia. Esta medalha foi instituída em 1895, e desde então concedida a cada cinco anos. Todos os predecessores de Hubble foram também recebedores do prêmio Nobel, entre eles Röentgen, Rutherford, Einstein, Bohr e Heisenberg (CHR,p. 250). Neste caso, Hubble distinguiu-se tanto por ser o primeiro americano quanto por ser o primeiro astrônomo a ganhar a medalha. A citação em sua premiação foi por seus "estudos importantes das nebulosas, particularmente das nebulosas extragalácticas, os quais forneceram a maior contribuição feita nos últimos anos para a compreensão observacional do comportamento do Universo em grande escala".

Aproximou-se o fim dos anos 40 e nada de concreto havia acontecido ainda. Em virtude das atividades com o telescópio de 5 metros do Monte Palomar, que acabara de entrar em operação, Hubble ganhou bastante publicidade, o que poderia deflagrar a tomada de posição do Comitê do Nobel em considerar astrônomos juntamente com físicos na premiação em física (CHR, p. 317). A decisão final veio pouco mais tarde quando Enrico Fermi e Subrahmanyan Chandrasekhar aderiram aos seus colegas do Comitê para a votação unânime da concessão do prêmio Nobel em física para Hubble. Mas tudo acabou acontecendo muito tarde pois a morte de Hubble chegou primeiro. A propósito, deve-se lembrar que o prêmio não é concedido postumamente.

Até aqui o resumo dos fatos. Vamos agora especular em torno de um Universo alternativo, qual seja, aquele em que Hubble sobreviveu à fatídica tarde de setembro de 1953.

Então, qual seria a realização científica que teria sido destacada na concessão do prêmio? É bem conhecida a característica conservadora, e conseqüentemente precavida, geralmente adotada pelo Comitê em suas citações. O exemplo clássico é o de Einstein. Premiado em 1921, ele foi citado especialmente pela sua descoberta da lei do efeito fotoelétrico. É desnecessário dizer que naquela época tanto a Teoria Especial quanto a Teoria Generalizada da Relatividade já haviam sido criadas e não foram mencionadas de forma explícita.

Allan Sandage, o maior dos seguidores de Hubble, em um artigo comemorativo do centenário do nascimento de Hubble (Sandage 1989) enumera os quatro maiores empreendimentos científicos de Hubble. Acrescenta Sandage que cada um deles garante a Hubble um lugar de destaque na história da ciência moderna. Eles são:

(a) o esquema de classificação morfológica de galáxias,

(b) a descoberta de estrelas cefeidas em NGC6822, e trabalho similar em M31 e M33, estabelecendo definitivamente a natureza das galáxias,

(c) a determinação da homogeneidade da distribuição das galáxias, tomadas em média sob vários ângulos sólidos, e

(d) a relação linear velocidade-distância.

 

Galáxia de Andrômeda

 

Todos os quatro exceto um são passíveis de controvérsias, naquela época e ainda hoje. Sabe-se que o esquema de classificação morfológica é de grande sucesso quando aplicado a galáxias próximas e brilhantes, mas encontra grande dificuldade ao ser aplicado para galáxias distantes e galáxias próximas de baixa luminosidade. A distribuição de galáxias em grande escala apresenta estruturas enormes - denominadas "paredes", "correntes" e "vazios" - e só pode ser considerada homogênea sob condições de aproximação restritivas. A relação linear velocidade-distância nunca foi explicitamente formulada por Hubble. A relação realmente descoberta foi uma relação linear entre desvio espectral para o vermelho e distância. O próprio Hubble em seu The Realm of the Nebulae (Hubble 1936) em nenhum momento declara a sua adesão à idéia de uma relação linear entre velocidade (associada ao efeito Doppler, suposto mecanismo causador do desvio espectral) e distância. Até hoje nenhum astrônomo pode dizer honestamente que existe uma concordância generalizada em relação a qualquer das teorias cosmológicas disponíveis, que se fundamentam na chamada expansão do Universo, como ficou conhecida a interpretação mais famosa da grande descoberta observacional de Hubble.

Estas três contribuições, não deixam de ser fundamentais, mas também todas as três parecem colidir frontalmente com o espírito das citações do Nobel, ou seja, elas não constituem afirmações sólidas o suficiente a respeito da Natureza.

Com relação ao ponto (b) acima, a história é bem outra. Trata-se do coroamento de uma série de pesquisas e debates que vinham se desenrolando naquele tempo, a saber, a respeito da verdadeira natureza das nebulosas, objetos difusos e extensos. Seriam eles pertencentes ao nosso sistema estelar, ou seriam objetos distantes e exteriores? Pesquisas de outros astrônomos apontavam para uma ou outra direção, mas nenhuma delas era conclusiva o suficiente. Hubble demonstrou observacionalmente, de forma brilhante e definitiva, que as chamadas "nebulosas espirais" eram objetos extragalácticos. Quer dizer, Hubble mostrou que estes objetos - hoje denominados "galáxias"- estavam localizados a distâncias muito maiores do que as dimensões do nosso sistema estelar, a galáxia da Via Láctea, e portanto não poderiam fazer parte dela, daí serem "extragalácticos". Constituiu-se também na confirmação científica de uma das mais famosas especulações filosóficas, a da existência dos chamados "universos-ilhas", concepção desenvolvida pelo filósofo alemão Immanuel Kant no século XVIII.

Entre as nebulosas espirais estudadas por Hubble, para demonstrar observacionalmente a sua natureza extragaláctica, encontra-se M31, conhecida como "nebulosa de Andrômeda", a majestosa galáxia espiral vizinha mais proxima de nós.

Este grande feito inaugura uma nova era na história da Astronomia, e um novo campo de pesquisa, qual seja, a Astronomia Extragaláctica, com os seus vários desdobramentos. Todos os outros três pontos mencionados por Sandage, e que foram objetos de interesse científico de Hubble, são conseqüências imediatas decorrentes da realização principal, as quais o gênio de Hubble soube imediatamente reconhecer.
      
Concluindo, então, o prêmio Nobel para Edwin Powell Hubble vai pela sua contribuição para o entendimento definitivo da verdadeira natureza das nebulosas e pela inauguração de uma nova era de investigação científica.


Referências

 

Christianson G.E. 1995, Edwin Hubble Mariner of the Nebulae, The University of Chicago Press, Chicago

 

Hubble E.P. 1936, The Realm of the Nebulae, Yale University Press, New Haven

 

Sandage A. 1989, The Journal of the Royal Astronomical Society of Canada 83, 351

 

 

 

 


Leia mais sobre:

 

História da Ciência                              Galáxias