Redemoinhos e cata-ventos no céu

Domingos Sávio de Lima Soares

21 de novembro de 2008

As galáxias existem nas mais variadas formas e se contam em, pelo menos, centenas de bilhões, de acordo com estimativas feitas a partir das observações do Telescópio Espacial Hubble. Dentre todas elas, não restam dúvidas de que as mais espetaculares são as chamadas "galáxias espirais". A nossa própria galáxia, a galáxia da Via Láctea, é um membro dessa família.

As galáxias espirais recebem este nome por causa do aspecto característico que apresentam ao observador, qual seja, o de uma estrutura espiralada semelhante a um redemoinho ou a um cata-vento. Elas também são chamadas de "galáxias de disco", porque o material galáctico -- estrelas, gás e poeira interestelares -- está distribuído na forma de um disco "grosso". As estrelas constituem os principais membros das galáxias, pelo menos no que se refere à sua aparência visual. São elas que emitem a maior parte da luz visível de uma galáxia, seja ela uma espiral ou não. O aspecto visual típico das galáxias espirais é devido a estruturas, as quais os astrônomos denominam de "braços espirais". As estrelas mais brilhantes de uma galáxia espiral são aquelas que delineiam os braços. Estas, no entanto, contribuem pouco para a massa total da galáxia, mas devido ao seu extraordinário brilho são as que mais aparecem numa observação visual.

O disco das galáxias espirais está em rotação. E isto é típico destas galáxias: o material galáctico gira ao redor do centro do disco, o qual recebe o nome de "centro galáctico". Mas este giro não é como o giro de um disco rígido, como, por exemplo, um CD, no qual todos os pontos completam uma volta no mesmo intervalo de tempo. No disco galáctico, a cada distância do centro galáctico corresponde uma velocidade de rotação diferente. Este tipo de rotação recebe o nome de "rotação diferencial". Como veremos abaixo, a rotação diferencial do disco galáctico está intimamente relacionada com a existência dos braços espirais.

O nosso Sol move-se à extraordinária velocidade de 900.000 km/h em torno do centro da Via Láctea. Ele completa uma volta completa a cada 250 milhões de anos! Como o Sol já tem uma idade de 5 bilhões de anos, é fácil calcular que ele já fez esta viagem 20 vezes! Desta maneira, poderíamos dizer que o Sol é um "jovem" de 20 anos... galácticos.

As galáxias espirais apresentam-se aos observadores de variadas maneiras, dependendo do ângulo sob o qual elas são vistas. Em outras palavras, a aparência delas é uma questão de perspectiva geométrica. Podemos vê-las com o disco galáctico "de perfil", "de frente" ou em todas as perspectivas intermediárias possíveis. Os braços espirais são vistos mais espetacularmente quando os vemos de frente. É isto que veremos a seguir em três galáxias espirais "famosas". Elas são as preferidas, por razões diversas, tanto entre os astrônomos profissionais quanto entre os amadores. As três são exemplares belíssimos de galáxias espirais vistas de frente. Os seus braços espirais podem ser vistos em todo o seu esplendor.

A primeira delas é M51, como aparece no catálogo de Charles Messier (1730-1817), também conhecida como NGC 5194, conforme o seu número de entrada no "New General Catalog", de John L.E. Dreyer (1852-1926). Ela está localizada na constelação dos "Cães de Caça", e é popularmente conhecida como a galáxia do Redemoinho. M51 foi descoberta pelo próprio Messier, em 13 de outubro de 1773, quando observava um cometa. Ele a descreveu como uma "nebulosa muito fraca, sem estrelas", muito difícil de ser vista. A distância de M51, de acordo com medidas modernas, é de 31 milhões de anos luz, ou cerca de 15 vezes mais distante do que a nossa companheira mais próxima, M31, a Grande Nebulosa de Andrômeda, pertencente ao Grupo Local de Galáxias, o grupo de galáxias ao qual a nossa Via Láctea pertence.

M51, chamada "galáxia do Redemoinho". Dois braços espirais são claramente visíveis. Note-se a pequena galáxia companheira localizada na parte superior da imagem, próxima à extremidade de um dos braços.
(Crédito: Todd Boroson, Observatório Nacional de Kitt Peak, Estados Unidos)

M51 foi a primeira galáxia em que uma estrutura espiral foi claramente identificada. Os seus braços espirais constituem provavelmente o mais belo exemplo entre as galáxias espirais próximas de nós. Os braços também exibem emissão em ondas de rádio, o que indica que existe um campo magnético ao longo dos mesmos. Ondas eletromagnéticas na faixa de rádio são emitidas por elétrons que se movem em torno das linhas de força do campo magnético. A forte emissão em rádio-freqüência, ao longo dos braços espirais, indica que houve ali uma compressão, não só da matéria, mas também do campo magnético.

A segunda é M83, ou NGC 5236, localizada na constelação de Hydra (Cobra Fêmea), conhecida como "Cata-vento Austral". Ela é facilmente visível nos céus do hemisfério sul, daí o seu nome. M83 foi descoberta em 23 de fevereiro de 1752, pelo astrônomo francês Nicholas Louis de la Caille, no Cabo da Boa Esperança. Ela foi, portanto, descoberta antes de M51. Messier a incluiu em seu catálogo em 1781. Ela foi a primeira galáxia descoberta fora dos limites do Grupo Local. M83 oferece grandes dificuldades para ser observada por observadores situados no hemisfério norte, devido à sua localização no céu.

M83, o "Cata-vento Austral". Apesar de um tanto irregulares, os braços espirais podem ser vistos dando a impressão de um cata-vento. Esta imagem foi obtida com um instrumento denominado "Wide Field Imager", ou, "Imageador de Campo Amplo", montado num telescópio de 2,2 m de abertura, localizado no Chile, no Observatório Europeu Austral (ESO, na sigla em inglês).
(Crédito: Davide De Martin, ESO - Observatório Europeu Austral)

M83 está a aproximadamente 15 milhões de anos luz de distância. Existem "caroços" vermelhos e azuis distribuídos ao longo de seus braços espirais. Os caroços vermelhos são nebulosas gasosas difusas, nas quais ocorre a formação de estrelas. As estrelas recém-formadas brilham intensamente em luz ultravioleta e "excitam" a nebulosa -- constituída principalmente do gás hidrogênio --, fazendo-a brilhar com a cor vermelha. Excitar uma nebulosa significa, neste caso, ionizar o seu gás, isto é, "arrancar" os elétrons dos átomos neutros de hidrogênio. A energia necessária para a excitação provêm da radiação ultravioleta das estrelas recém-nascidas.

Os caroços azuis esbranquiçados são aglomerados de estrelas que se formaram recentemente -- há algumas dezenas de milhões de anos. Estes caroços coloridos e brilhantes estão presentes em todos os braços espirais, e são uma característica das galáxias espirais. Por causa dos inumeráveis caroços brilhantes -- especialmente os vermelhos --, M83 é muitas vezes chamada de "a galáxia dos Mil Rubis".

Apesar de ser quase três vezes menor que a Via Láctea, M83 é muito parecida com a visão que os astrônomos imaginam para a nossa galáxia, se ela pudesse ser vista de frente. Inclusive, pode-se perceber na imagem mostrada aqui, uma estrutura estelar na forma de uma barra, cruzando o núcleo da galáxia. Desta barra estelar emergem os braços espirais. Isto também é o que parece ocorrer em nossa galáxia, quer dizer, a Via Láctea, como M83, é, quase certamente, uma galáxia barrada.

As observações do núcleo de M83 em raios X mostram que ali ocorre violenta formação de estrelas. O núcleo está no interior de uma nuvem de gás super-aquecido, com temperaturas em torno de 7 milhões de graus centígrados.

Finalmente, veremos M101, ou NGC 5457, na constelação boreal da Ursa Maior, também conhecida como a "galáxia do Cata-vento". Ela foi descoberta por outro astrônomo francês, Pierre Méchain, em 27 de março de 1781, e foi uma das últimas adições ao catálogo de Messier. Ela está localizada a 27 milhões de anos luz, segundo determinações recentes. Trata-se de uma galáxia muito grande, cerca de duas vezes maior que a Via Láctea. M101 é o membro mais brilhante de um grupo de pelo menos nove galáxias, que inclui M51, a galáxia do Redemoinho descrita anteriormente. Como pode ser visto na imagem de M101, o seu núcleo é ligeiramente deslocado do centro do disco galáctico. Isto foi causado, provavelmente, pela interação gravitacional com um dos membros mais próximos do grupo, ocorrida em tempos recentes -- do ponto de vista galáctico, ou seja, há algumas centenas de milhões de anos.

M101, ou "galáxia do Cata-vento". Imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble em 2006.
(Crédito: Telescópio Espacial Hubble, NASA/ESA)

M101 foi observada pelo Telescópio Espacial Spitzer, o qual é especializado em radiação infravermelha. As galáxias espirais possuem muita poeira, localizada principalmente nos braços espirais. Esta poeira é constituída de microscópicas partículas de grafite e de moléculas orgânicas gigantes, especialmente os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Estes últimos são encontrados também na Via Láctea e, na Terra, na prosaica fuligem. Esta poeira localiza-se em regiões de formação de estrelas e é aquecida pela radiação das mesmas. O Telescópio Espacial Spitzer detectou as nuvens de poeira aquecidas de M101, as quais emitem radiação infravermelha. Mas os astrônomos observaram um fato curioso. Nas regiões externas de M101 havia uma falta dos hidrocarbonetos. A explicação mais provável para isto é que a radiação das estrelas recém-formadas, localizadas nestas regiões, é tão energética que, ao invés de simplesmente aquecer as nuvens de poeira, destrói as macromoléculas orgânicas.

Como vimos, todas as três galáxias descritas acima, foram descobertas no século XVIII, quando a sua verdadeira natureza era ainda desconhecida. Eram, então, chamadas de "nebulosas espirais". Posteriormente, no século XX, descobriu-se que elas eram sistemas estelares independentes, semelhantes à Via Láctea.

Como se formam os braços espirais? Esta é uma questão atual pois ainda não existe uma resposta definitiva. Como é evidente nas imagens mostradas, com exceção de M51, a estrutura espiral pode ser bastante fragmentada. Galáxias espirais do tipo de M51 são denominadas de espirais de "Grande Desenho", devido à grande regularidade observada em seus braços. Estas são as preferidas para os testes das teorias de formação de estrutura espiral.

A teoria mais popular entre os astrônomos é a "teoria de ondas de densidade", de autoria dos astrônomos norte-americanos C.C. Lin e Frank H. Shu, que a propuseram em meados dos anos 1960. Ela tem sido aplicada a espirais de Grande Desenho, com bastante sucesso. Nesta teoria, os braços espirais representam as cristas de uma onda que se propaga no disco galáctico. A onda é gerada no disco e devido à sua rotação diferencial propaga-se na forma de uma espiral. Trata-se de uma onda de compressão que, ao passar pelo disco, força o gás e a poeira ali presentes a se aproximarem. Esta aproximação, ou compressão, deflagra o colapso gravitacional das grandes nuvens de gás e poeira, levando à formação de estrelas. O brilho destas estrelas e destas enormes nuvens de formação estelar evidenciam a forma espiral da onda de compressão. O processo de propagação da onda é semelhante ao que ocorre com uma onda no mar, com a grande diferença de que, aqui, as ondas são espirais, e não paralelas à uma linha, como ocorre com as ondas que quebram na praia. Como nos mares e oceanos, as ondas espirais são geradas por processos energéticos internos. No caso das galáxias espirais, a energia vem do campo gravitacional, isto é, da atração gravitacional existente entre os componentes da galáxia. Mas as ondas também podem ser estimuladas por uma força externa, como a força gravitacional de uma galáxia companheira. Este parece ser o caso de M51, que, como vimos, possui uma companheira bem próxima. Este tipo de excitação por uma força externa é muito comum na natureza. Um exemplo familiar são as marés oceânicas que são geradas pelas forças gravitacionais combinadas da Lua e do Sol sobre os oceanos.

O autor agradece o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).