As galáxias elípticas: abóboras e pepinos estelares

Domingos Sávio de Lima Soares

18 de maio de 2009

As estrelas não existem isoladas no universo. Elas se agrupam nas galáxias. E as galáxias se apresentam em formas bastante variadas. O astrônomo norte-americano Edwin Hubble (1889-1953) propôs em 1936 uma classificação das galáxias com relação às formas que elas exibiam no céu. As formas mais comuns observadas por ele foram as galáxias elípticas e as galáxias espirais. As galáxias espirais são espetaculares à visão, devido à presença dos braços espirais. Já as galáxias elípticas representam exatamente o oposto. À primeira vista elas não chamam a atenção. Mas são bastante importantes se quisermos entender a constituição do universo, e como as galáxias se formaram. O que sem dúvida nenhuma é algo bastante importante pois vivemos em uma galáxia -- uma espiral --, e as questões relativas às nossas origens são fundamentais.

Para começo de conversa, entre as galáxias elípticas estão as maiores e as menores galáxias do universo! Aqui, falaremos sobre as galáxias elípticas normais, ou seja, não examinaremos os exemplos de galáxias elípticas extraordinariamente grandes nem as galáxias elípticas extraordinariamente pequenas -- as galáxias elípticas anãs.

As galáxias elípticas possuem a forma de um elipsóide, uma figura tridimensional semelhante a uma esfera deformada. As estrelas das galáxias elípticas se distribuem neste volume. Os elipsóides estão presentes também em nossas hortas, por exemplo, nos formatos de algumas abóboras e de pepinos. Assim, não é exagero dizer que as galáxias elípticas são "abóboras e pepinos estelares"! Mas vemos as galáxias elípticas, no céu, como "sombras", semelhantes às sombras de uma abóbora e de um pepino, num dia de Sol, projetadas no chão.

Ao classificar as galáxias elípticas, Hubble identificou-as pela letra "E" seguida de um número inteiro "n". Este número estava relacionado à aparência da galáxia no plano do céu. As galáxias elípticas possuem um contorno elíptico. Uma elipse possui um eixo maior "a" e um eixo menor "b". Note que se a=b, teremos um círculo. Então podemos definir uma grandeza chamada "elipticidade", representada pela letra "e", com e=1-b/a. Hubble mediu a e b, para cada galáxia elíptica, e definiu o número inteiro n=10e. Assim, as galáxias elípticas foram classificadas de E0 a E7. Uma galáxia E0 possui um contorno circular (a=b) e uma galáxia E7 possui o contorno elíptico mais achatado possível. Hubble não encontrou galáxias elípticas acima de E7. Na verdade, posteriormente provou-se que não haviam elipsóides dinamicamente estáveis o suficiente para produzir uma galáxia elíptica E8 ou superior. Nestes casos, entramos no domínio das galáxias de disco vistas de perfil.

A nossa primeira ilustração é uma galáxia E0. Trata-se da galáxia elíptica gigante cujo nome de catálogo é M87, ou, NGC 4486. Ela está localizada na região central do aglomerado de galáxias de Virgem. M87 é uma galáxia gigante, muito maior do que a maioria das galáxias elípticas. Na imagem de M87, note as duas manchinhas luminosas localizadas no quadrante inferior direito. Elas são duas galáxias espirais, vistas através do halo externo de M87, estando muito mais longe de nós do que M87, a saber, cerca de 20 vezes mais distantes. Trata-se de um par de galáxias -- uma galáxia binária -- localizado fora do aglomerado de galáxias ao qual M87 pertence. Este é mais um exemplo do fato corriqueiro, em astronomia observacional, de que a proximidade no plano do céu não implica necessariamente proximidade espacial, isto é, tridimensional. A proximidade de dois astros na esfera celeste é apenas bidimensional, não envolvendo a distância até o observador. Devemos sempre nos lembrar disto!

Galáxia elíptica E0, denominada M87 e NGC 4486, seus dois nomes em catálogos distintos de galáxias. Ela possui uma cor amarelada por ser constituída predominantemente de estrelas velhas e frias.
(Crédito: David Malin)

As galáxias elípticas possuem pouca poeira ou gás interestelares, e, portanto, não existe mais formação de estrelas. As estrelas que as constituem são estrelas velhas e frias. Este é um dos principais contrastes entre elas e as galáxias espirais, as quais possuem intensa formação estelar, nos braços espirais, que resultam em estrelas de massa muito grande e de altas temperaturas, resultando nas cores azuladas características das espirais.

O nosso segundo exemplo é a galáxia M59 (NGC 4621), uma E5. O seu eixo maior é aproximadamente o dobro de seu eixo menor. Ela também se localiza no aglomerado de galáxias de Virgem.

Galáxia elíptica M59, classificada como E5. Como pode ser notado, a distribuição da luz da galáxia é suave, sem detalhes que chamem a atenção. Esta é uma característica geral das galáxias elípticas.
(Crédito: NOAO, National Optical Astronomy Observatories, Estados Unidos)

Para finalizar, mostramos a elíptica NGC 3819, uma E2. A imagem foi obtida por mim no Observatório do Pico dos Dias, localizado no município mineiro de Brazópolis. O observatório é uma instalação de pesquisa astronômica, vinculada ao Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. A sede do LNA está situada no Sul de Minas Gerais, na cidade de Itajubá, próxima ao observatório.

No caso de NGC 3819 ocorre uma situação semelhante ao que vimos em M87. Há duas galáxias pequenas próximas de NGC 3819. Veja a imagem, acima e um pouco à direita. Mas aqui, estas pequenas galáxias são realmente pequenas, pois elas estão localizadas à mesma distância de NGC 3819. Então, elas são galáxias anãs e satélites, isto é, ligadas pela força gravitacional a NGC 3819. O que não era o caso, como vimos, das duas pequenas galáxias próximas de M87. Naquele caso, elas eram pequenas apenas porque estavam muito distantes.

Galáxia elíptica, E2, NGC 3819. As cores da galáxia são artificiais, e representam a variação da intensidade luminosa na galáxia. Note as duas galáxias acima e ligeiramente à direita de NGC 3819. Elas são, de fato, galáxias anãs, pois estão situadas à mesma distância de NGC 3819. Estas duas galáxias são satélites de NGC 3819.
(Crédito: Domingos Soares, Observatório do Pico dos Dias, LNA)

Agora que já examinamos algumas galáxias elípticas, veremos de que maneira as abóboras e os pepinos podem nos auxiliar na compreensão de sua estrutura.

Os primeiros modelos teóricos, propostos pelos astrofísicos, para as galáxias elípticas, consideravam que elas eram esferóides, que são elipsóides especiais denominados "elipsóides de revolução". Os esferóides são mais ou menos como esferas achatadas. Tome uma esfera e, a partir de seu centro desenhe três eixos perpendiculares entre si. Você verificará que estes eixos interceptarão a superfície da esfera a distâncias iguais de seu centro. Dizemos que a esfera possui três eixos iguais. Os esferóides são um pouco mais complicados do que a esfera, pois eles possuem apenas dois eixos iguais. O terceiro eixo é o eixo de simetria do esferóide.

E é aqui que entram em cena, novamente, as abóboras e os pepinos. As abóboras representam um tipo de esferóide denominado "oblato", no qual os dois eixos iguais são maiores que o terceiro eixo. Tente identificar, em sua vida diária, outros corpos que sejam, mesmo aproximadamente, esferóides oblatos. Você ficará surpreso da quantidade deles que encontrará. Os pepinos representam outro tipo de esferóides, os "prolatos", aqueles nos quais os dois eixos iguais são menores que o terceiro eixo. Novamente, faça o exercício anterior e tente identificar outros esferóides prolatos presentes em seu cotidiano. Não são muitos? Faça uma lista para cada um dos dois casos, e compare-a com as de seus amigos.

Veja agora a ilustração, onde uma abóbora e alguns pepinos aparecem, para ilustrar os conceitos de esferóides oblatos e prolatos.

A abóbora é aproximadamente um esferóide oblato. O eixo de revolução está representado pela linha preta. O pepino é, também aproximadamente, um esferóide prolato. O seu eixo de revolução também está representado pela linha preta. Os esferóides são gerados pela rotação de uma elipse em torno de seu eixo de simetria, ou de revolução. São, por isto, também chamados "elipsóides de revolução".
(Crédito: Domingos Soares)

Agora, a aparência de uma galáxia elíptica no céu não nos permite decidir, de imediato, se estamos vendo a projeção de um esferóide oblato ou prolato no plano do céu. Por exemplo, considere uma E0. Ela nos apresenta um contorno circular. Mas este contorno circular pode vir da visão projetada, tanto de um esferóide oblato quanto de um prolato, desde que eles estejam sendo vistos ao longo de seus eixos de simetria. Veja a ilustração da abóbora e dos pepinos. Se você olhar para ambos, ao longo dos eixos mostrados nas figuras, você verá um contorno circular, correspondente aos dois eixos iguais. Outro exemplo: veja o pepino cortado na figura. Cada pedaço do pepino está numa posição diferente, e correspondem a ângulos de visão diferentes. Uma das secções é vista mais achatada do que a outra, devido à perspectiva sob a qual ela é vista. Ela corresponde a uma galáxia elíptica E4, como você poderá verificar, simplesmente medindo os eixos maior e menor desta secção, na figura, e efetuando as operações matemáticas apropriadas, para obter o número "n" da classificação de Hubble. O outro pedaço corresponde claramente a uma E0, pois os eixos maior e menor são iguais. Neste caso, então, temos uma E4 e uma E0, que sabemos ser as projeções de um esferóide prolato. Com relação às galáxias elípticas a situação é muito mais complicada, pois só temos acesso à sua projeção no plano do céu. Temos que encontrar meios de, a partir de uma "sombra", descobrir qual é o corpo tridimensional que a projeta. Esta é a tarefa a que se propõem os astrônomos.

Portanto, é necessário um estudo muito detalhado da distribuição de luz nas galáxias elípticas para se decidir se estamos na presença de uma galáxia oblata ou prolata. Além da luz da galáxia, os astrônomos também medem as velocidades das estrelas da galáxia. A distribuição destas velocidades, ou seja, os seus valores em diferentes partes das galáxias, será uma, se as estrelas se distribuem em um modelo oblato, e outra, para um modelo prolato.

Mas a situação pode ser mais complicada ainda. Os astrônomos têm verificado que a maioria das galáxias elípticas não é nem oblata nem prolata. Elas possuem, em geral, três eixos diferentes! São os chamados "elipsóides triaxiais". Os modelos de esferóides de revolução implicam em que as galáxias possuem uma pequena rotação, em torno do eixo de simetria dos esferóides. Enquanto nos modelos triaxiais não existe rotação, as estrelas se movimentam na galáxia de maneira completamente desordenada. Os astrônomos relacionam a forma tridimensional da galáxia com a maneira com que ela foi formada. Por isto é tão importante o estudo das formas das galáxias. Mas, como foram formadas as galáxias elípticas? Não há uma resposta definitiva, como veremos a seguir.

As galáxias elípticas são encontradas nas regiões mais densamente povoadas dos aglomerados de galáxias. Já as galáxias espirais aparecem preferencialmente nas regiões menos densas. Como dissemos, ainda não existe uma explicação definitiva e geral para a maneira como as galáxias elípticas se formam. Elas podem se formar a partir de uma única nuvem de gás inicial, ou podem ter se formado a partir do "ajuntamento", pela atração gravitacional, de estrelas formadas no aglomerado de galáxias onde elas estão. Ou ainda, algumas galáxias elípticas podem ter se formado a partir da fusão de duas galáxias espirais. Todas estas possibilidades são investigadas pelos astrônomos.

O autor agradece o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).