Sobre o valor da aceleração da gravidade
medido no Departamento de Física



Domingos Soares


 
A aceleração da gravidade foi medida no Departamento de Física, no dia 29 de julho de 1981, uma quarta-feira, no local onde hoje se situa o Auditorio 4, e que na época era parte de um grande espaço destinado a aulas práticas de Física Geral.

A medição foi realizada pelo técnico João Gualda, da Coordenadoria de Geofísica do Observatório Nacional (ON), RJ, dentro do programa de estabelecimento da Rede Gravimétrica Fundamental Brasileira. Acompanharam a operação o Prof. Luiz Muniz Barreto, então Diretor do ON, o Prof. Rodrigo Dias Társia do Departamento de Física e o Prof. Domingos S.L. Soares, que na ocasião ministrava uma aula prática de Termodinâmica.

O ponto gravimétrico está assinalado por uma placa de latão de aproximadamente 10 cm de diâmetro, afixada no chão. Os interessados poderão localizá-la aos pés da coluna central da parede oposta às janelas do Auditório 4. A placa é protegida por lei federal, não podendo ser danificada ou removida.

Auditório 4. Vê-se, em profundidade, a coluna lateral com a placa indicativa
do local onde se realizou a medição. (Crédito desta fotografia e das seguintes:
Marcos Geraldo Rodrigues Maria)


Placa informativa colocada por iniciativa da Profa. Regina Pinto de Carvalho. Ao pé da coluna, protegida por uma placa de vidro, o marco da estação gravimétrica no Departamento de Física.


O marco da estação gravimétrica sob a placa de vidro. O marco.


O valor encontrado foi

g = 9,78 38 163 ± 4×10-7 m/s2

Para comparação, o valor medido no Aeroporto da Pampulha foi

g = 9,78 38 550 ± 4×10-7 m/s2

Os valores obtidos foram corrigidos dos efeitos de marés continentais, segundo informação fornecida pelo técnico que realizou a medida. Semelhantemente aos oceanos, a crosta terrestre sofre deformações, especialmente devido à influência da Lua. As correções obviamente são feitas para o instante da realização da medida.

O instrumento utilizado à época pela equipe de gravimetria do ON foi um gravímetro relativo de mola LaCoste & Romberg modelo G, que mede intervalos de gravidade, daí o termo relativo ou diferencial. Sua precisão (repetibilidade) é de 1×10-7 m/s2 e a exatidão é melhor do que 4×10-7 m/s2. Os geofísicos utilizam, de preferência, a unidade 1 Gal = 1 cm/s2 (em homenagem a Galileu Galilei, 1564-1642), para expressar a aceleração da gravidade, e como a precisão alcançada nas medições é muito grande, utilizam na prática um submúltiplo, o miliGal = 1/1000 Gal = 1 mGal. Os instrumentos LaCoste & Romberg têm um alcance de aproximadamente 7000 mGals (= 0,07 m/s2 ), o qual representa a variação máxima de aceleração possível de ser medida na superfície da Terra. Para se chegar a um valor absoluto da aceleração no local, deve-se fazer uma leitura com o gravímetro num local onde se conheça o valor absoluto.

A Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein (1879-1955) estabelece que não há meios de se distinguir uma aceleração produzida por atração gravitacional e outra produzida pelo movimento do referencial onde se faz a medição. Conseqüentemente, o gravímetro mede a componente vertical total da aceleração da gravidade. Além da rotação da Terra, vários fatores entram no cômputo deste valor, a saber, as marés, já mencionadas, a forma não esferoidal da Terra, e outros. Os efeitos combinados da rotação e dos desvios da forma esferoidal constituem o chamado efeito de latitude. A rotação da Terra introduz no valor medido de "g" um termo denominado centrífugo.

Segundo o Dr. Mauro Andrade de Sousa, da Coordenadoria de Geofísica do ON, ``os valores de "g" medidos pelo ON incluem o termo centrífugo e são descartados apenas os efeitos da maré lunissolar e da deriva instrumental1. Tudo que é terrestre -- interação gravitacional gravímetro/Terra mais o efeito de rotação -- é preservado, daí o termo gravidade e não simplesmente gravitacional. O efeito da rotação da Terra é descartado quando calculam-se as anomalias gravimétricas, empregadas na geofísica, e que nada mais são do que as discrepâncias entre os valores observados (medidos) da gravidade e os valores teóricos de "g", preditos a partir de um modelo de elipsóide de revolução com as mesmas massa e velocidade angular do planeta.''

Mais informações sobre o instrumento podem ser encontradas na página eletrônica do fabricante:

www.lacosteromberg.com

O valor da aceleração da gravidade local é parte das fórmulas constitutivas de padrões metrológicos de força, pressão e viscosidade e, além disso, sua medida é uma das mais precisas que podem ser feitas pelo Homem (algumas partes em 108). Seu valor é tomado como uma constante metrológica local.

Em Belo Horizonte há outros pontos onde foram determinados os valores da aceleração da gravidade local, e que são utilizados como pontos de referência na região para mapeamentos geofísicos, transporte de "g" para laboratórios metrológicos e trabalhos em geodésia.

Uma alternativa à geodésia clássica, que utiliza a medição local de "g", é o monitoramento ultra-preciso das órbitas de satélites. A detecção de pequenas mudanças em suas órbitas permite o cálculo de variações no campo gravitacional terrestre. Veja detalhes da missão GRACE (Gravity Recovery and Climate Experiment).
 


Agradecimento: As informações técnicas sobre a medição de "g" no Departamento de Física, especialmente sobre o instrumento utilizado, foram gentilmente fornecidas por

Mauro Andrade de Sousa
Pesquisador Associado
Observatório Nacional - Coordenadoria de Geofísica
Rua Gal. José Cristino, 77 - São Cristóvão
20921-400 Rio de Janeiro (RJ)
Tel: 21-2580-7081
FAX: 21-2580-3782
mauro@on.br

Agradeço aos colegas Profs. Nivaldo Lúcio Speziali e Regina Pinto de Carvalho as sugestões que aprimoraram o presente texto.

Agradeço à nossa bibliotecária, Shirley Maciel, e ao Prof. Marcos Geraldo Rodrigues Maria pela iniciativa em registrar fotograficamente, de forma clara e precisa, a estação gravimétrica localizada em nosso Departamento.


 

1 Durante os levantamentos gravimétricos, nota-se que leituras feitas numa mesma estação em diferentes momentos não são iguais. Esta mudança gradual nas leituras de um gravímetro é denominada deriva e sua causa reside no fato de não terem elasticidade perfeita as molas que constituem os sistemas dos gravímetros. As curvas de deriva fornecem a variação da gravidade numa mesma estação em função do tempo.

O Leitor interessado em outras informações, de natureza geral, sobre gravimetria, pode consultar inicialmente uma boa enciclopédia, sob o verbete Gravimetria. O esclarecimento sobre deriva, aqui apresentado, foi retirado da Enciclopédia Mirador Internacional, 1981. Volta.


Atualização: 11Ago2011