Microcosmologia: Sol


Domingos Soares

09 de outubro de 2015



A Lua é um buraco no céu
através do qual eu olho o Sol.


D. Soares, Poemas Astrocósmicos





Resumo

A cosmologia é a ciência das maiores escalas de espaço e de tempo, quais sejam, as de todo o universo. A incorporação conceitual destas escalas se beneficia da apreensão das grandes escalas locais. Neste sentido, discuto aqui a escala de tamanho do Sol.



1. Introdução

Quais são as dimensões do universo? Como incorporar em nossas mentes as dimensões espaciais e temporais existentes na perspectiva cosmológica?

Uma maneira de chegar ás escalas cosmológicas é agir como os astrônomos agem na determinação das distâncias no universo, a saber, subir degrau por degrau uma escada de distâncias. Começar das menores escalas e ir aos poucos, apoiados nos degraus anteriores, subindo para maiores distâncias ou degraus mais altos. O estudo dos degraus mais baixos desta escada cósmica é que denomino “microcosmologia”. De qualquer forma, rigorosamente, podemos dizer que o universo inteiro habita o interior de nossas mentes. A microcosmologia é a base conceitual da cosmologia propriamente dita.

Vamos começar pelas dimensões de nosso Sol. Que tamanho tem o Sol? Como apreender conceitualmente este tamanho ao invés de apenas citar um enorme número expresso em algumas unidades de comprimento, área ou volume?

Para obter uma noção mais concreta do tamanho do Sol, inspiro-me no Passeio Planetário Carl Sagan, um sistema solar reduzido na escala de 1/5.000.000.000, situado na cidade de Ithaca, estado de Nova Iorque, EUA (Soares 2011). Lá situa-se também a Universidade Cornell, onde o astrônomo Carl Sagan (1934-1996) trabalhou até a sua morte em dezembro de 1996 (Soares 2015). Na escala reduzida do Passeio Planetário a Terra está a 30 m do Sol.

Resumidamente, o Passeio Planetário Carl Sagan constitui-se de 11 estações, uma para o Sol, 9 para os planetas, incluindo Plutão, e uma para o cinturão de asteroides (localizado entre Marte e Júpiter). Cada estação é uma escultura em cimento e contém diversas informações e fotos sobre o objeto em questão. Apresenta na parte superior um orifício circular representando a circunferência do disco solar. As dimensões dos planetas aparecem em escala no centro deste disco. A figura 1 mostra a estação do Sol e a estação da Terra.



Figura 1

À esquerda, a estação do Sol, o início do Passeio Planetário Carl Sagan em Ithaca, Nova Iorque. À direita, o autor deste artigo ao lado da estação da Terra. Estas estações estão localizadas no Commons, o coração do centro de Ithaca. As fotos foram feitas em 28/08/2015, na reabertura do Commons após os trabalhos de sua renovação. Compare com as fotos tomadas no dia 08/11/1997, data da inauguração do Passeio Planetário, no artigo Carl Sagan, o elogio do ceticismo. As aberturas circulares no alto das estações representam a circunferência solar e servem para uma comparação com as circunferências planetárias (foto da direita: Lu Soares).


O Passeio Planetário foi inaugurado no dia 08/11/1997, quase um ano após o falecimento do astrônomo. As fotos da figura 1 foram feitas no dia 28/08/2015, ocasião em que o Commons, o local onde se inicia o Passeio, era reaberto após obras de renovação. A posição da estação do Sol foi modificada como pode ser verificado ao se comparar a foto acima com a foto que apareceu em Soares (2011).

Na seção 2 utilizo a estação da Terra para a apresentação concreta do tamanho do Sol. Termino com algumas considerações adicionais na seção 3.

2. O tamanho do Sol

O disco solar é apresentado na estação da Terra com o disco terrestre colocado no centro do Sol, em escala. Aparece também a Lua em uma posição arbitrária de sua órbita, estando as dimensões de ambas — a Lua e a sua órbita — na mesma escala do disco solar. Vejamos a seguir as dimensões relevantes: o raio do disco solar (RSol), a distância média Terra-Lua, da órbita lunar (dTL), o raio do disco terrestre (RT) e o raio do disco lunar (RL).

Veja agora as figuras 2 e 3, onde todas estas dimensões aparecem em escala.


Figura 2

A Terra, representada pelo disco terrestre em escala no centro do Sol, e a Lua a aproximadamente metade do raio solar. Para localizar o disco lunar, trace uma circunferência centrada no centro do disco solar, com raio igual à metade do raio solar e encontre um pontinho luminoso, a Lua. Confira na figura 3. A legenda em inglês diz “Na janela do tamanho do Sol acima está um modelo da Terra e da Lua”.


Figura 3

O esquema representativo do disco amarelo mostrado na figura 2. Este disco é o da estação da Terra, figura 1 à direita.

De agora em diante, quando olharmos para o céu e admirarmos uma brilhante Lua, coloquemo-nos, ao menos por um instante, no centro do Sol. Façamos então a seguinte reflexão: o Sol, esta grande bola de plasma energético, estende-se para quase o dobro de minha distância a esta bela Lua que descortino no alto. Já será um ótimo começo para iniciarmos o nosso aprendizado sobre as verdadeiras dimensões do universo.

3. Considerações finais

O Sol e a Lua aparecem no céu com o mesmo tamanho, mas isto é só aparente pois o Sol está muito mais distante da Terra do que a Lua. Ambos possuem a dimensão aparente de cerca de 30 minutos de arco, ou seja, a metade de 1 grau. Mas o que é um grau? Faça a seguinte experiência: estique o seu braço direito e observe o seu dedo polegar. Meça a largura de seu dedo e a distância de seu olho até o dedo. No meu caso, encontrei aproximadamente 2,2 cm e 62 cm, respectivamente. De acordo com a definição de ângulo — que é uma representação do tamanho aparente —, o meu polegar apresenta à minha vista um tamanho aparente de 2,2/62 = 0,0355 radiano = 2 graus. Em outras palavras, se você apontar o seu braço para a Lua Cheia com o polegar levantado, este certamente cobrirá com folga o disco lunar aparente (e também o disco solar, mas esta experiência não deve ser feita pois o Sol não pode ser olhado diretamente sem proteção apropriada nos olhos). Calcule o ângulo de seu dedo e veja se consegue obstruir a visão da Lua Cheia. Obstrução semelhante ocorre por ocasião de um eclipse solar. A Lua obstrui a visão do disco solar para um observador na Terra — quase que completamente, nos eclipses totais.

Na seção anterior mostramos que RLRSol/400. De acordo com a discussão feita no parágrafo anterior podemos concluir que deve existir a mesma razão entre a distância da Terra ao Sol (dTS) e dTL. Só assim o Sol e a Lua teriam aproximadamente os mesmos tamanhos aparentes. E isto ocorre de fato pois dTS = 150.000.000 km e portanto dTLdTS/400.

O universo é grande. Mas quão grande é o universo? O Sol é grande. Mas quão grande é o Sol? Como vimos, tentando responder à última pergunta podemos chegar à resposta da primeira. Esta é a ideia: começar do microcosmos para chegar ao cosmos.


Agradecimento – A figura 3 foi confeccionada em um dos computadores do Instituto Astronômico Kapteyn, Groningen, Holanda, sob os auspícios do Prof. Reynier Peletier.


Referências

D. Soares, COSMOS:06jul15 (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/cosmos/15/cosmos12.htm, 2015).

D. Soares, Carl Sagan, o elogio do ceticismo (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/sagan/sagan.htm, 2011).

 


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