A escuridão do espaço profundo


Domingos Soares e Marcos Neves

22 de janeiro de 2016





Resumo

O Telescópio Espacial Hubble (HST) foi utilizado para observar algumas regiões do céu durante tempos de exposição extraordinariamente longos. As imagens obtidas mostram que os campos, escuros quando observados da Terra, apresentam milhares de galáxias em estágios distintos de evolução. Tais imagens nos levaram a indagar sobre os resultados das observações se o tempo de exposição fosse indeterminadamente aumentado. Apresentamos as observações do HST e discutimos o que esperar de um hipotético tempo de exposição infinito.



1. Introdução

O Telescópio Espacial Hubble (HST, de Hubble Space Telescope) é um projeto das agências espaciais norte-americana (NASA) e europeia (ESA). Em abril de 1990 elas colocaram em órbita da Terra um telescópio refletor com um espelho de 2,4 m de diâmetro, o HST, que revolucionou a astronomia desde então. O seu nome é uma homenagem ao pai da astrofísica extragaláctica, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble (1889-1953). Livre dos efeitos de degradação óptica da atmosfera terrestre, o HST atinge, em suas observações, uma resolução 10 vezes melhor do que os telescópios baseados no solo.

O HST foi empregado para inúmeras pesquisas astronômicas desde o seu lançamento, mas um objetivo extraordinário sempre esteve nas mentes dos astrônomos: o que obteríamos se deixássemos o HST observar uma região qualquer do céu, totalmente escura quando observada do solo, durante um tempo de exposição muito longo? Ela permaneceria escura ou nos revelaria segredos inimagináveis?

Esta aventura científica começou em dezembro de 1995, quando o chamado "Campo Profundo do Hubble Norte" ("Hubble Deep Field North", HDF-N) tornou-se o pioneiro das observações profundas do HST; a profundidade aqui refere-se à distância observada no campo. O HDF-N foi o pioneiro das observações profundas do HST. O campo escolhido situa-se na constelação boreal, circumpolar, da Ursa Maior. O campo do HDF-N apresenta cerca de 3.000 galáxias, em variados estágios de evolução.

Poucos anos depois, o mesmo tipo de observação foi realizado nos céus do hemisfério Sul. Trata-se do "Campo Profundo do Hubble Sul" ("Hubble Deep Field South", HDF-S). O HDF-S foi observado em outubro de 1998, e é o equivalente ao HDF-N para a região do céu próxima ao polo celeste Sul. O campo localiza-se na constelação do Tucano. Assim como no HDF-N, as galáxias mais distantes vistas estão à distância de aproximadamente 12 bilhões de anos-luz.



Figura 1

À esquerda, Campo Profundo do Hubble Norte, em inglês, "The Hubble Deep Field North" (HDF-N), imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble em 1995. Nesta imagem aparecem aproximadamente 3.000 galáxias numa área do céu equivalente a um centésimo da área aparente da Lua cheia, e está localizada na constelação boreal da Ursa Maior, próxima ao polo celeste Norte. A maioria das 3.000 galáxias que aparecem aqui são vistas como pequenas manchas deformadas contra o fundo do céu. À direita, Campo Profundo do Hubble Sul, em inglês, "The Hubble Deep Field South" (HDF-S), imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble em 1998. A área do céu é a mesma do HDF-N mas está localizada próxima ao polo celeste Sul, na constelação do Tucano.


Em setembro de 2003 a janeiro de 2004 O HST observou o chamado "Campo Ultra Profundo do Hubble", ou, em inglês, "Hubble Ultra Deep Field", HUDF. A região do céu que foi observada, ou seja, o campo, localiza-se na constelação da Fornalha, bastante próxima da nossa familiar constelação do Caçador (Órion), onde estão as famosas estrelas "Três Marias". Este campo é bastante pequeno, a sua área no céu corresponde, para efeitos de comparação, a cerca de um centésimo da área da Lua quando em sua fase cheia. Quando observada através de telescópios no solo, esta área é absolutamente escura! Não se vê nada nela, nem mesmo qualquer estrela de nossa própria galáxia, a Via Láctea. Mas o que o HST "viu" foi simplesmente assustador! Nada mais, nada menos que aproximadamente 10.000 galáxias, nas formas mais esquisitas.



Figura 2

Campo Ultra Profundo do Hubble, em inglês, "The Hubble Ultra Deep Field" (HUDF), imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble em 2003 e 2004. A área do céu que aparece na imagem é equivalente a 1% da área aparente da Lua cheia, e está localizada na constelação da Fornalha, próxima da conhecida constelação de Órion. Estima-se que HUDF contenha mais de 10.000 galáxias. As galáxias maiores são as mais próximas. A maioria das galáxias aparecem como pequenas manchas disformes.


A Tabela I apresenta as características dos Campos Profundos do Hubble. Todos eles apresentam uma área do céu equivalente a aproximadamente 1% da área que a Lua Cheia nos apresenta no céu. O tempo de exposição do Campo Ultra Profundo do Hubble foi o dobro dos tempos de exposição dos Campos Profundos do Hubble Norte e Sul.



Tabela I – Campos Profundos do Telescópio Espacial Hubble

Campo Área
(arcmin2)
Exposição
(hora)
galáxias
HDF-N 6,6 >100 ∼3.000
HDF-S 5,3 >100 ∼3.000
HUDF 5,8 >200 ∼10.000


Os Campos Profundos Norte e Sul apresentam, aproximadamente, o mesmo número de galáxias. Isto é razoável já que o universo deve ser homogêneo, i.e., deve apresentar, aproximadamente, a mesma distribuição de galáxias em grande escala em todas as regiões do céu. Esta constatação é também uma confirmação do chamado Princípio Cosmológico (PC), sempre invocado na construção de teorias cosmológicas (e.g., Soares 2013). O PC afirma que o universo é, em grande escala, homogêneo e isotrópico.

Podemos adotar o PC para estimar o número de galáxias que seriam observadas caso o HST fizesse um mapeamento de toda a esfera celeste com o mesmo tempo de exposição adotado para o Campo Ultra Profundo (HUDF). A esfera celeste possui uma área de 4π rad2, ou 148.510.661 arcmin2. Podemos inferir, a partir dos dados da Tabela I, que o Hubble observaria cerca de 250 bilhões de galáxias em toda a esfera celeste, se a observasse continuamente por 200 horas. Este é, portanto, o limite observável atual: o universo possui pelo menos 250 bilhões de galáxias.

E se aumentássemos este tempo de exposição de forma indiscriminada, sem limites? O que esperar neste caso daquilo que poderíamos chamar de Campo Infinitamente Profundo do Hubble (HIDF)? Esta é questão que pretendemos discutir. Na próxima seção apresentamos o problema da escuridão do céu noturno, muitas vezes referido na literatura como “paradoxo de Olbers”, problema intimamente relacionado à questão que pretendemos abordar. Na seção 3, respondemos à questão acima dentro das limitações do conhecimento científico atual. Concluímos, na seção 4, com algumas ponderações adicionais.

2. A escuridão do céu noturno

Por que o céu é escuro à noite? O que este simples fato nos ensina sobre o universo em que vivemos?

"-- Ora, o céu é escuro à noite porque o Sol está iluminando o outro lado da Terra! O que isto tem a ver com a totalidade do universo em que vivemos?", alguém poderia muito apropriadamente argumentar.

Mas, se o universo é infinito e possui infinitas estrelas e galáxias, haverá certamente uma estrela em qualquer direção para a qual olharmos. A área que o Sol ocupa no céu é 180.000 vezes menor que a área de todo o céu. Desta forma deveríamos esperar que o céu brilhasse com a intensidade de 180.000 sóis, mesmo à noite! Seria impossível a nossa vida no interior de tão extraordinária fornalha!

Sendo assim torna-se perfeitamente razoável a questão: "-- Por que o céu, num universo infinito em extensão e com infinitas estrelas, é escuro à noite?".

A escuridão do céu noturno, nos termos do parágrafo anterior, é conhecida na literatura científica como o "paradoxo de Olbers". Este nome deve-se ao médico e astrônomo alemão Heinrich Olbers (1758-1840), que em 1823 chamou a atenção para a questão, e apresentou uma possível solução -- que logo se revelou falha.

Olbers argumentou que a luz das estrelas distantes era absorvida pela matéria interestelar e que, portanto, o céu noturno não deveria brilhar tão intensamente como o disco solar. Esta interpretação é falha porque o meio interestelar, com o passar do tempo, tornar-se-ia tão quente que passaria a brilhar tão intensamente quanto um disco estelar! Toda a radiação que sobre o meio interestelar incidisse seria reemitida.

O problema é mais antigo, no entanto. Não foi Olbers o primeiro a levantar a questão. Merece menção o grande astrônomo Johannes Kepler (1571-1630), provavelmente o primeiro a propor este problema. Galileu Galilei (1564-1642), o grande astrônomo italiano, apontou, pela primeira vez, a recém-inventada luneta para o céu, em 1609. Entre outras grandes descobertas, ele logo verificou que a Via Láctea era na verdade constituída por um grande número de estrelas. Kepler, que acreditava num universo finito, argumentou, então, que a escuridão do céu noturno era uma evidência de que ele estava com a razão, isto é, o universo era de fato finito. O número de estrelas visíveis na Via Láctea não era suficiente para tornar o céu noturno brilhante como a superfície do Sol. Veremos a seguir que também Kepler estava enganado. A solução do "paradoxo de Olbers" não exclui a possibilidade de um universo infinito.



Figura 3

Imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble de uma região do aglomerado globular Messier 4. O céu não é totalmente recoberto por estrelas, mesmo nesta região tão densamente povoada.
(NASA e H. Richer/Universidade da Colúmbia Britânica, Canadá)


Neste ponto da discussão é bastante útil a utilização de uma analogia. Suponhamos um observador no meio de uma extensa floresta (Soares 2016). Existem muitas árvores, distribuídas mais ou menos uniformemente, por todo o lado. Suponhamos ainda que cada árvore possui um diâmetro médio igual a "d" -- 20 cm por exemplo. E que as árvores estejam separadas umas das outras por uma distância média "L" -- 2 metros, por exemplo. Cada árvore ocupará, portanto, uma área média total "A", igual a L vezes L, o que no nosso exemplo corresponderá a 4 metros quadrados. É relativamente fácil mostrar, teoricamente, que o observador não conseguirá enxergar nada além de uma distância "D" igual a A/d. A sua linha de visão sempre encontrará um tronco de árvore, se a floresta possuir uma extensão maior do que D.

Teremos, portanto, em nosso exemplo acima, que, além de uma distância de 4/0,20=20 metros, a nossa visão será obstruída pelo que poderemos chamar de um "muro" de troncos de árvores. Esta distância é chamada de "distância de recobrimento", ou, "limite de fundo". A previsão teórica pode facilmente ser verificada numa floresta de verdade! E funciona!

O resultado D=A/d é fisicamente bastante razoável: se a área média ocupada por uma árvore é pequena, intuitivamente, percebemos que a distância de recobrimento deve ser pequena também -- a floresta é muito densa; intuitivamente, também, percebemos que, se os troncos das árvores forem muito grossos, será menor a distância de recobrimento. Em linguagem matemática, dizemos que a distância D é diretamente proporcional à área ocupada por uma árvore e inversamente proporcional ao diâmetro da árvore.



Figura 4

Esta floresta não é grande o suficiente para que vejamos um "muro" de troncos ao fundo. Podemos discernir claramente faixas do céu. Se a floresta fosse mais densamente povoada de árvores e se os troncos fossem mais largos, a visão do céu de fundo poderia, eventualmente, ficar completamente bloqueada.


O que isto tem a ver com a solução de nosso problema? Vamos ver.

No caso do cosmos, temos ao invés de uma área "A", um volume "V" médio ocupado por uma estrela -- ou, uma galáxia, o que não faz diferença para o argumento. Cada estrela apresenta para o observador um disco de área média "s". Podemos então calcular a "distância de recobrimento" para este caso também. E que representará a distância na qual veríamos um céu recoberto, com a intensidade luminosa do disco solar. Esta distância vale, de forma análoga ao exemplo da floresta, V/s. Em números, o que significa isto?

Podemos fazer um cálculo tentativo utilizando a Via Láctea como representante de todo o universo. Uma estrela, na vizinhança do Sol, ocupa um volume médio de 100 anos-luz cúbicos, que é a grandeza "V" em nossa equação. Consideremos o disco solar, para o qual conhecemos "s", como representante de todos os discos estelares, e obteremos, então, para a distância de recobrimento, a imensa distância de 6.000 trilhões de anos-luz! A Via Láctea possui um diâmetro de 100.000 anos-luz. Isto significa que, considerando apenas a Via Láctea, não existem estrelas suficientes para o recobrimento do céu com radiação estelar.

E se considerarmos todo o universo? A distância de recobrimento será muito maior pois as galáxias -- o "lar" das estrelas -- estão separadas por distâncias imensas.

O inglês Edward Harrison (1919-2007), que foi professor emérito de Física e Astronomia da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, foi o responsável pela apresentação da solução definitiva do enigma da escuridão do céu noturno.

Em um notável livro, intitulado "A escuridão da noite: um enigma do universo" (Harrison 1995), ele apresenta todos os detalhes históricos do problema, e discute as soluções propostas -- um total de 15! A décima quinta é a solução que ele apresenta, e, a definitiva. A sua solução representa uma síntese do que há de correto em algumas das soluções apresentadas.

Harrison fez o cálculo do limite de fundo, para todo o universo, utilizando dados astronômicos atualizados, e encontrou, ao invés dos 6.000 trilhões mencionados acima, uma distância de 100 bilhões de trilhões de anos-luz! Mesmo sendo esta distância tão grande, o universo pode ser maior, e poderíamos ter um céu "infernalmente" recoberto de luz. Por que, afinal de contas, isto não acontece? Como a idade média das estrelas é da ordem de 10 bilhões de anos -- que, incidentemente, é a duração de "vida" prevista para o Sol -- conclui-se que antes da sua luz nos atingir, ou seja, após percorrerem 10 bilhões de anos-luz, elas simplesmente deixam de emitir luz, por chegarem ao final de seu ciclo evolutivo. Outras estrelas são formadas mas a energia total disponível em cada instante não é suficiente para que o céu seja tão brilhante como o disco solar.

A conclusão final de Harrison é de que não há energia suficiente no universo para que o céu se apresente excessivamente brilhante, como afirma o paradoxo de Olbers. O universo pode não ser infinitamente grande, mas é grande o suficiente para não ser totalmente preenchido por uma radiação tão intensa quanto aquela que observamos diretamente no Sol.

Quer dizer, o universo é realmente muito grande mas a disponibilidade de energia não é suficientemente grande para que o céu noturno brilhe com a intensidade do disco solar.

A escuridão do céu deve ser bem contextualizada, para evitarmos erros. Se considerarmos outros comprimentos de onda da luz, fora da faixa visível, o céu poderá não ser escuro. Por exemplo, na faixa de micro-ondas há um brilho uniforme em todo o céu, conhecido como “Radiação de Fundo de Micro-ondas” (RFM). Os cientistas partidários da teoria cosmológica padrão consideram-na como um indício atual de um estágio anterior do universo, muito quente; uma explicação alternativa é dada pelo físico canadense P. Marmet (1932-2005), que a atribui ao brilho térmico do meio interestelar (Marmet 2011). Este brilho uniforme de micro-ondas pode ser trivialmente observado: de acordo com um dos descobridores da RFM, o físico Robert Wilson, 10% do “chiado” que aparece numa tela de TV, ligada a uma antena, fora de sintonia, é devido à RFM; ver seu depoimento no documentário “The Cosmology Quest” (Meyers 2004).

3. Espaço profundo

Pelo que vimos na seção anterior, a solução do paradoxo de Olbers implica em que o HIDF, o Campo Infinitamente Profundo do Hubble, não será recoberto de galáxias, pelo menos na faixa de comprimentos de onda do visível. Mas e em outros comprimentos de onda? Haverá o recobrimento?

Discutiremos dois modelos de universo, o primeiro, considerando o paradigma cosmológico atual, o Modelo Padrão da Cosmologia (MPC), que afirma que o universo teve uma origem num evento singular no passado, muitas vezes referido como Big Bang, e que aqui denominaremos de Estrondão (cf. Soares 2002); este modelo será chamado de “Universo do MPC” (UMPC). O segundo, considerando um modelo de universo infinito no tempo e no espaço, que será chamado de “Universo Infinito no Tempo e no Espaço” (UITE).

3.1. Universo do MPC

As observações do HUDF estão esquematizadas na figura 5, preparada pela NASA. Notamos que as galáxias mais distantes, e que fazem parte da imagem do HUDF, são aquelas que acabaram de “nascer”. Então, o aumento do tempo de exposição não modificará substancialmente a visão do HST, pois não haverá mais galáxias para serem vistas.



Figura 5

HIDF no UMPC coincide com a visão do HUDF, pois neste as primeiras galáxias já apareceram; não há mais galáxias a serem observadas mesmo aumentando-se o tempo de exposição (NASA).


A figura 5 mostra o Estrondão há 13,7 bilhões de anos, a região espaço-temporal vista pelos HDFs norte e sul e a região correspondente do HUDF. O céu noturno do HUDF (figura 2) confirma a falta de energia no visível para o preenchimento com luz visível de toda a abóbada celeste.

Um detalhe importante relativo à figura da NASA: ela representa o universo que um observador perceberia se ele possuísse ferramentas observacionais adequadas, porque além da faixa do HUDF não se consegue observar. No presente estágio de nosso desenvolvimento tecnológico conseguimos obter a imagem das primeiras galáxias, que surgiram entre 400 e 700 milhões de anos após o Estrondão, i.e., a imagem do HUDF. Isto é o mais antigo que conseguimos observar em termos de luz visível. A radiação de fundo observada hoje na faixa de micro-ondas, a RFM, é um retrato “envelhecido” da radiação que começou a se propagar pelo universo cerca de 300.000 anos após o Estrondão, no final da era da radiação, que está mostrada na figura 5.

A seguir, veremos a situação segundo a perspectiva do modelo do UITE, sob o ponto de vista de um teórico, ou seja, como se o observador estivesse do lado de fora do universo.

3.2. Universo Infinito no Tempo e no Espaço

A figura 6 apresenta um esquema do UITE. As galáxias se formam e desaparecem, mas o universo nos apresenta sempre a mesma aparência. O observador está fora do universo, e neste sentido, a imagem é, de fato, a visão que um teórico tem do universo. A questão importante então é saber como um observador na Terra perceberia o HIDF e o universo como um todo neste modelo, em outras palavras, queremos saber qual é para o UITE o equivalente à figura 5, que mostra a visão do observador na Terra para o UMPC.



Figura 6

Representação teórica do UITE. O HIDF não está representado pois é a visão observacional do UITE. Esta visão será limitada pelo avermelhamento da luz das galáxias por causa do efeito Hubble e o céu não será recoberto de luz visível.


Será o céu encoberto de luz para o HIDF no UITE? Mesmo se a quantidade de energia no visível for suficientemente grande teremos uma limitação intransponível, a saber, o avermelhamento da luz das galáxias distantes, o efeito Hubble (Soares 2009). Este efeito manifesta-se na região local do universo como a lei de Hubble. Rigorosamente a lei de Hubble estabelece a relação linear entre o desvio para o vermelho observado na luz de uma galáxia e a sua distância até o observador. Para regiões remotas do universo, como as que necessariamente teremos no universo infinito, a relação não será linear mas ainda assim há um aumento do avermelhamento da luz das galáxias. Então o céu não será recoberto de luz visível, mas sim de luz de maiores comprimentos de onda, micro-ondas e até ondas de rádio.

É importante salientar que o UITE não está em expansão. A lei de Hubble representa um fenômeno físico para o qual uma das explicações possíveis é a expansão do universo, mas não é a única. O UITE mesmo sem expansão deve obedecer a esta lei, pois ela representa um fenômeno físico observado. A explicação do efeito Hubble no UITE, no entanto, está fora do escopo do presente trabalho, mas uma delas foi discutida por Assis (1992). Ele utiliza um modelo de “luz cansada” (e.g. Soares 2014a) para explicar o efeito Hubble. O fóton é emitido da galáxia à distância r, com energia Eo e chega ao observador com energia E(r) < Eo de acordo com (Assis 1992, eq. 1):

, (1)

onde Ho é a constante de Hubble e c é a velocidade da luz no vácuo. A luz perde energia em sua trajetória da fonte até o observador, ou seja, tudo se passa como se a luz se “cansasse” nesta viagem. O mecanismo físico responsável pela perda de energia do fóton é ainda desconhecido. O fluxo luminoso será atenuado da mesma forma:

, (2)

onde Lo é a luminosidade (dE/dt) da fonte. Se tivermos n galáxias por unidade de volume, o fluxo total recebido de todo o universo será (Assis 1992, eq. 3):

. (3)

A eq. 3 mostra que o brilho do céu será finito, mesmo em um universo infinito.

4. Considerações finais

O espaço profundo, o espaço do Campo infinitamente Profundo do Hubble será irremediavelmente escuro, tanto no UMPC quanto no UITE. Poderá estar preenchido de fótons mas não na faixa do visível.

Como vimos, o UMPC e o UITE representam visões distintas do universo. Desta forma, eles são propícios também para a discussão de dois interessantes conceitos cosmológicos introduzidos pelo físico, matemático e cosmólogo inglês Edward Milne (1896-1950). Trata-se do “mapa do universo” e da “imagem do universo”. O mapa do universo é percebido por observadores cósmicos externos ao universo (godlike spectators, cf. Harrison 2000, p. 279). Este espectador tipo deus vê todo o cosmos como ele é em determinado instante de tempo. Em nosso caso, trata-se do UITE. Já o UMPC mostrado na figura 5, representa segundo Milne, a “imagem do universo”. Este tipo de observador é “habitante tipo verme” (wormlike denizen) do universo e vê corpos distantes no espaço e remotos no tempo; ele é incapaz de perceber todo o cosmos como ele é em um determinado instante de tempo — i.e., o mapa do universo —, exatamente como nós no universo em que habitamos. No universo real, o mapa e a imagem seriam coincidentes se a velocidade da luz fosse infinita. O mapa é a percepção instantânea do universo e a imagem é a percepção histórica. Uma situação semelhante, onde as duas visões — o mapa e a imagem do universo — aparecem, é discutida em Soares (2014b).

Referências

A.K.T. Assis, On Hubble's Law of Redshift, Olbers' Paradox and the Cosmic Background Radiation, Apeiron, 12, 10 (1992).

E. Harrison, A escuridão da noite: um enigma do universo (Zahar, Rio de Janeiro, 1995).

E. Harrison, Cosmology, The Science of the Universe (Cambridge University Press, Cambridge, 2000).

P. Marmet, The 3 K Microwave Background and the Olbers Paradox (www.newtonphysics.on.ca/olbers/index.html, 2011, espólio de P. Marmet).

R. Meyers, The Cosmology Quest (youtube.com/watch?v=V4BPxQMUaAM, parte 2, 2004).

D. Soares, A tradução de Big Bang, (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/aap/bgbg.htm, 2002).

D. Soares, O efeito Hubble (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/ensino/efhub.pdf, 2009).

D. Soares, Os fundamentos físico-matemáticos da cosmologia relativista, Revista Brasileira de Ensino de Física, 35, 3302 (2013).

D. Soares, O paradigma da luz cansada (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/ensino/luzcans/luzcans.htm, 2014a).

D. Soares, UGE, Universo da Gominha Esticada, Revista Brasileira de Ensino de Física, 36, 4301 (2014b).

D. Soares, A floresta encoberta (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/extn/flrst/flrst.htm, 2016).

 


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