Ernst Mach

                                                      

 Escrito por: Tuiã A. Linhares

 

 

Introdução

 

Ernst Mach (1838-1916) foi um físico e filósofo austríaco. Seus trabalhos tiveram grande influência nas idéias do século XX, tanto no âmbito da ciência quanto na filosofia. Mach defendia o positivismo, afirmando que nenhuma proposição científica podia ser aceita se não pudesse ter uma comprovação empírica. Em Física, Mach trabalhou com assuntos como a interferência, refração, difração e polarização da luz, o efeito Doppler e velocidades supersônicas. Nas áreas de mecânica e cosmologia, formulou um conjunto de idéias que atualmente são conhecidas como “Princípio de Mach”, que teve uma participação muito importante na formulação da relatividade geral de Einstein.

Mostrarei, neste texto, como Mach construiu uma nova formulação da Mecânica a partir de suas críticas a algumas afirmações da mecânica newtoniana.

 

1. Newton e o espaço absoluto

 

No livro dos Principia, Newton defendeu a idéia de que existe um espaço absoluto único e imutável, que serviria como base para qualquer referencial inercial. Dessa forma, um certo referencial poderia ser considerado inercial se estivesse em repouso ou em movimento retilíneo uniforme em relação ao espaço absoluto. Newton apresentou argumentos que reforçavam esse conceito:

a) Consideremos dois globos conectados por uma corda e girando ao redor do centro de massa comum com velocidade angular constante. A única força que atua em cada globo é a tensão, que faz o papel de força centrípeta. Quanto maior for a velocidade angular, maior será a tensão. Por essa experiência, é possível saber se esse sistema está ou não em rotação em relação ao espaço absoluto. Se os globos estiverem girando em relação às estrelas fixas do universo e for medida uma tensão na corda, eles estarão girando em relação ao espaço absoluto. Se, por outro lado, não for medida nenhuma tensão, isso significa que os globos estão em repouso em relação ao espaço absoluto, e as estrelas fixas estão girando em relação a este.

b) O balde de Newton. Se tivermos um balde com água em repouso em relação à Terra, a superfície da água estará plana. A experiência mostra que, se o balde for posto a girar em relação à Terra, então, gradativamente, a água também entrará em rotação e passará se afastar do meio do recipiente e subir pelos seus lados, assumindo uma forma côncava (ação de uma aparente força centrífuga). De acordo com Newton, esse efeito só é possível devido à rotação da água em relação ao espaço absoluto, e não em relação ao balde, à Terra ou às estrelas fixas. Dessa maneira, se o balde com água estivesse em repouso em relação ao espaço absoluto e todo o restante do universo estivesse em rotação em relação a este, a superfície da água continuaria plana.

 

Forças fictícias: consideremos um sistema que está em acelerado em relação ao espaço absoluto. Se tomarmos um referencial no qual esse sistema encontra-se em repouso, verificaremos a presença de forças fictícias (a mais comum delas é a força centrífuga, no caso da rotação). Newton nunca conseguiu descobrir a origem dessas forças, nem atribuí-la a nenhum agente causador.

Alguns contemporâneos de Newton, como Leibniz e Berkeley, não aceitavam a idéia de um espaço absoluto. Mas foi Mach, vários anos depois, que lançou argumentos mais consistentes contra essa concepção.

 

2. Mach e a reformulação da Mecânica

 

Mach considerava o espaço absoluto uma “obscuridade metafísica”, por ser inacessível a nós. Para ele, toda a mecânica deveria ser baseada em grandezas relacionais, isto é, relativas umas às outras. Para substituir o espaço absoluto, propôs, como base de referencial inercial, o restante da matéria do universo. Dessa forma, observações de fenômenos que não duram muito tempo (menos do que uma hora) e não envolvem dimensões muito grandes, comparáveis ao raio da Terra, podem ter a própria Terra como sistema inercial. Para fenômenos mais demorados e/ou com grande extensão espacial, o sistema inercial utilizado poderia ser o das estrelas distantes, que são aparentemente fixas (na época de Mach ainda não se sabia da existência de galáxias).

Realmente, o universo como um todo constitui um excelente sistema inercial, devido ao fato de não estar em rotação (se a rotação é relativa, em relação a que ele estaria girando?). Na teoria de Newton, seria bastante provável que o universo estivesse em rotação em relação ao espaço absoluto. No entanto, observações astronômicas de grande precisão não indicam nenhuma evidência de que essa rotação exista, o que reforça grandemente as idéias de Mach.

Uma outra crítica de Mach às idéias de Newton está no fato de este não ter apresentado uma explicação satisfatória para o que seria a massa inercial de um corpo. Newton havia definido massa como sendo o produto da densidade de um corpo pelo seu volume. Pensar dessa forma nos leva a um círculo vicioso, uma vez que a própria densidade é definida como sendo a massa dividida pelo volume.

A proposta de Mach é que a massa deve ser baseada em relações dinâmicas entre os corpos. Uma interação entre dois corpos, A e B, provocaria neles acelerações de módulo, respectivamente, +a e –a’. A razão entre essas duas acelerações seria igual à razão entre as massas de B e A. Assumindo uma das massas como sendo unitária, encontraríamos a proporção entre as duas. Dessa forma, o único dado que seria necessário para se determinar a massa seria a aceleração de cada corpo em relação ao sistema inercial das estrelas fixas.

E quanto às experiências que Newton propunha que evidenciavam a existência de um espaço absoluto? De acordo com Mach, os corpos celestes não podem ser desprezados na análise dessas experiências.

a) Os dois globos. A tensão na corda aparece como conseqüência do fato de o sistema girar em relação às estrelas fixas, e não ao espaço absoluto. Dessa forma, sempre que houver uma rotação relativa, deverá ser medida uma tensão.

b) A experiência do balde. Como a rotação da água e do balde em relação à Terra é muito mais rápida do que a da Terra em relação às estrelas fixas, podemos considerar que a Terra é um corpo praticamente sem rotação. Se o balde estiver fixo sobre a Terra e o céu de estrelas fixas começar a girar, o que acontecerá com a água? Newton afirmava que a superfície da água continuaria plana. Mas, para Mach, a forma parabólica que a água assume é devido justamente ao seu movimento relativo em relação às estrelas.

Mach propôs uma origem dinâmica para a força centrífuga. Essa força é real, e só aparece em um sistema de referência em relação ao qual o céu de estrelas fixas está girando.

 

3. O princípio de Mach

 

Como vimos, a massa de um corpo depende da sua aceleração em relação ao sistema inercial determinado pelo restante do universo. A disposição dos corpos no universo, então, exerce um papel fundamental na determinação da massa.

Mach nunca escreveu algo que intitulou “princípio de Mach”. No entanto, vários autores se referiram a este princípio, apresentando definições parecidas. Podemos enunciá-lo da seguinte maneira: “O movimento, e, conseqüentemente, a massa de cada corpo é determinada pelos outros corpos do universo e por sua distribuição”.

 

 

 

Bibliografia

        

ASSIS, André Koch Torres. Mecânica Relacional. Campinas: UNICAMP, Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, 1998 (Coleção CLE: v. 22).

 

ASSIS, André K. T. e ZYLBERSZTAJN, Arden. A Influência de Ernst Mach no Ensino da Mecânica. http://www.fsc.ufsc.br/~arden/assiszylb.doc

 

DAVIES, Paul. Inertia Theory – Paul Davies on the Meaning of Mach’s Principle. http://www.padrak.com/ine/INERTIA.html