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_____________________________________________15 de janeiro de 2013

Caros Amigos da Cosmologia,

Em COSMOS:10dez12 discutimos o trabalho do astrônomo sueco Knut Lundmark (1889-1958), que teria precedido Hubble na sugestão observacional da expansão do universo. O artigo de Lundmark intitula-se “The determination of the curvature of space-time in de Sitter's world” e está aqui.

Lundmark utiliza amostras de diferentes objetos astronômicos para o seu objetivo. No estudo que nos interessa, qual seja, o das nebulosas espirais — as nossas galáxias atuais —, Lundmark utiliza o diagrama velocidade–distância para determinar o raio de curvatura do universo. Teoricamente, o raio de curvatura é a inclinação de uma relação linear v = constante×d, a qual deve ser ajustada aos dados observacionais. As velocidades são principalmente as velocidades medidas pelo espectroscopista americano Vesto Slipher (1875-1969) e as distâncias foram obtidas pela comparação das nebulosas espirais com a nebulosa de Andromeda (M31) e “derived from the supposition that the apparent angular dimensions and the total magnitudes of the spiral nebulae are only dependent on the distance” (pág. 767, logo abaixo da Tabela III, que contém todos os dados). Quer dizer, Lundmark media o tamanho angular aparente da galáxia, seja θ, e comparava com o tamanho angular de M31, seja Θ. Se a distância até M31 é dM31, então a distância até a galáxia será d = (Θ/θ)dM31. E para as magnitudes — i.e., os fluxos luminosos aparentes — Lundmark usava a diminuição dos mesmos com o quadrado da distância. Assim ele tinha duas medidas de distância para cada galáxia.

É claro que estava subjacente a suposição de que todas as nebulosas espirais tinham a mesma dimensão linear e o mesmo brilho intrínseco. Isto não é verdade, como hoje sabemos. Inclusive nem todas as nebulosas espirais de Lundmark eram de fato nebulosas espirais: uma análise rápida da Tabela III mostra que dos 44 objetos, 6 são galáxias elípticas, 3 são galáxias anãs, 1 é galáxia irregular, 1 é galáxia lenticular e 1 é nebulosa de reflexão, i.e., simples nuvem de gás de nossa Via Láctea que brilha devido à reflexão da luz de estrelas. Em suma, as distâncias são bem precárias. (Neste quadro, vemos o valor do trabalho de Hubble que utilizou distâncias muito mais consistentes.)

A seguir mostro um diagrama com as nebulosas de Lundmark, excluídas as de velocidades negativas, exatamente como ele fez. Adicionei ao diagrama as relações correspondentes a vários valores da constante de Hubble. Um deles, o valor menor, é resultado do ajuste forçado, de uma reta passando pela origem, aos dados de Lundmark. Vemos que apesar de todas as incertezas quanto às distâncias, há uma aglomeração razoável de pontos próximo à reta de Hₒ=50 (km/s)/Mpc. Note que uso o valor moderno para a distância até M31, qual seja, dM31=784 kpc ( arxiv.org/abs/astro-ph/9802121). As retas mostradas na figura são apenas ilustrativas, i.e., não representam ajustes confiáveis, pois as velocidades de Lundmark não estão corrigidas pelos efeitos do movimento solar e do movimento do Grupo Local.


Relação entre velocidade radial e distância, em termos da distância até M31, para
as nebulosas espirais (Figura 5 de Lundmark). As retas indicam as relações
lineares (v=Hₒd) para inclinações, i.e., “constantes de Hubble”, diferentes. A
inclinação Hₒ=12 (km/s)/Mpc corresponde ao ajuste para os dados de Lundmark
(a sua Tabela III, sem as velocidades negativas). As velocidades de Lundmark não
estão corrigidas pelo movimento solar.


Mas é importante lembrar: Lundmark em nenhum momento de seu artigo fala sobre expansão das nebulosas espirais. Ele quer calcular o raio de curvatura do universo a partir da relação entre os desvios para o vermelho — considerados como velocidades Doppler — e as distâncias. E como afirma Bertrand Russell em seu “ABC da Relatividade”, “Podemos atribuir esse deslocamento para o vermelho à expansão, ou à curvatura, ou em parte à expansão e em parte à curvatura” (veja a citação completa em Uma pedra no caminho da Teoria da Relatividade Geral, seção 3). Lundmark, de acordo com o modelo de de Sitter, atribuía os desvios para o vermelho à curvatura do espaço-tempo e, podemos dizer, nem pensava a respeito da expansão cósmica.

Um abraço a todos.

Saudações Cosmológicas,

Domingos

PS (25 de março de 2015): A discussão quantitativa da correção do movimento solar nos dados de Lundmark foi feita com a colaboração de meu colega do Depto. de Física/UFMG, Luiz Paulo Ribeiro Vaz. A versão em português está aqui e a versão em inglês, publicada pelo Journal of the Royal Astronomical Society of Canada está aqui.

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Domingos Sávio de Lima Soares
Página Pessoal
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