_____________________________________________01 de fevereiro de 2012
Caros Amigos da Cosmologia,
A cosmologia moderna é dominada por modelos de idade finita. Mas a idéia
oposta, ou seja, a de um universo infinito, ou cíclico, no espaço e no
tempo, foi defendida no passado e continua a sê-lo no presente, embora por
uma parcela minoritária de cientistas.
Esta é a discussão que o filósofo e historiador da ciência dinamarquês
Helge Kragh apresenta em seu artigo intitulado “Quasi-Steady-State and Related
Cosmological Models: A Historical Review”. Apresentarei aqui excertos
deste artigo, a saber, aqueles que me chamaram a atenção por sua peculiaridade.
Obviamente, uma visão bastante pessoal. Vamos lá.
1) Para alguns, o universo é o único e verdadeiro moto perpétuo, como um
relógio que funcionará por toda a eternidade. Outros, como Friedrich Engels,
Ernst Haeckel e Friedrich Nietzsche, acreditam que o universo está num estado
dinâmico estacionário e que isto é uma consequência da indestrutibilidade da matéria
e da eternidade do tempo. De acordo com Svante Arrhenius, Emil Wiechert,
Walther Nernst, Robert Millikan e William Macmillan, o universo é infinito tanto
no espaço quanto no tempo. Para refutar a previsão de morte térmica
— de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica —, eles propuseram
vários mecanismos. Um deles, de Nernst, previa a existência de uma radiação cósmica
de ponto-zero, semelhante à idéia atual de “radiação cósmica de
fundo” (pp. 3-4).
2) Friedmann tinha uma predileção especial por um de seus modelos, a saber, o
modelo fechado, que, em princípio, é cíclico. O modelo expande a partir de
uma singularidade, atinge um fator de escala máximo e colapsa para nova
singularidade, repetindo o ciclo. Friedmann calculou um período de 1010
anos para este modelo. O modelo, em princípio, é cíclico, porque a
singularidade (o Estrondão) é uma região espaço-temporal sem lei. Então, não
se pode afirmar nada sobre as imediações de tal evento. Einstein também propôs
um modelo cíclico mas fez a mesma objeção a respeito da singularidade. A sua
opinião era a de que a singularidade desapareceria se a hipótese de homogeneidade
— i.e., o Princípio Cosmológico — fosse abandonada. Eddington não
gostava da idéia de um universo cíclico: “Parece-me um tanto estúpido
insistir em fazer a mesma coisa repetidas vezes” (pp. 4-6). Curiosamente,
o físico teórico estadunidense John Archibald Wheeler, conhecido pelos seus
estudos de aplicações da Teoria da Relatividade Geral e por vários livros textos
sobre as teorias de relatividade, prefere o modelo fechado de Friedmann por
um motivo diametralmente oposto. Segundo ele, é o único modelo que possui condições
de contorno bem definidas no início e no fim, apesar de serem singularidades.
Está claro, portanto, que ele não se incomoda com as finitudes temporal e espacial
do universo, as quais decorrem deste modelo (ver o meu artigo sobre a
idade do universo para a referência bibliográfica).
3) A seção 2 faz um resumo da Teoria do Estado Estacionário (TEE) de Hoyle,
Bondi e Gold, desde o seu surgimento como oposição ao modelo de idade finita
do Estrondão até o seu abandono definitivo em 1965. Em 1965 Penzias e Wilson
descobriram uma radiação isotrópica e homogênea em microondas, no comprimento de
onda de 7,3 cm, que foi imediatamente interpretada como uma reminiscência do Estrondão
Quente (EQ). A bola de fogo primordial esfriara até chegar ao “brilho”
detectado em radiofrequência. Esta suposição não podia ser acomodada na TEE (pp. 6-9).
4) A seção 3 apresenta vários modelos contemporâneos da TEE, mas que não
alcançaram a popularidade deste. Quase todos evitam a singularidade inicial,
são compatíveis com a Teoria da Relatividade Geral, mas têm o defeito
de não ter suporte observacional convincente. O modelo de McVittie (1952) é infinito,
contrai em t<0, tem um fator de escala não nulo em t=0 e expande para t>0, época
em que estamos. Existe uma tensão de ponto-zero p=ρc2, que se
transforma em matéria na contração. O oposto ocorre na fase de expansão. Bonnor
(1954-57) propõe um modelo fechado de Friedmann modificado. Próximo à singularidade,
a radiação transforma-se em matéria gerando uma pressão negativa que impede
o colapso para uma singularidade, seguindo-se uma fase de expansão; o modelo é
cíclico (variações deste tipo de modelo são defendidas por cosmólogos contemporâneos,
dentre eles o brasileiro Mário Novello). O físico português
António Gião (1963) substitui a hipótese de densidade de matéria constante da TEE
pela densidade de matéria mais energia de pressão constante. Gião obtém uma espécie
de TEE generalizada, modelo cíclico, que oscila entre fatores de escala mínimo
e máximo. Em 1960-61, o tchecoslovaco Jaroslav Pachner propõe um modelo oscilante
sem singularidade, com uma peculiaridade. Ele define a “massa de Hubble”
que é a energia cinética da expansão. Nesta fase, a massa de Hubble é convertida em
massa de repouso de estrelas, etc. Na fase de contração, a massa de Hubble é
recuperada com a aniquilição de estrelas, galáxias, etc. O seu universo fechado e
cíclico é uma célula de um conjunto muito maior de células incomunicáveis (pp. 9-13).
5) Fred Hoyle e Jayant Narlikar propõem uma nova versão da TEE que já não é
mais TEE, pois abandona o Princípio Cosmológico Perfeito (o universo apresenta-se
da mesma forma visto de qualquer ponto e em qualquer época, uma característica
básica da TEE). O modelo de Hoyle e Narlikar é oscilante, sobreposto a uma expansão
global, ou seja, oscila em torno de um fator de escala que aumenta com o tempo
cósmico. Um certo R.G. Giovanelli abandona a homogeneidade e conclui que o universo
pode ter algumas partes em expansão e outras em contração. Tudo isto ocorreu entre
1960 e pouco depois de 1965, pois a partir de 1965 todos os modelos tinham que
explicar a recém descoberta Radiação de Fundo de Microondas (RFM). Hoyle, Narlikar e
Chandra Wickramasinghe começam a desenvolver a idéia de que a RFM é apenas a
radiação estelar com roupagem térmica causada pela absorção e reemissão por
bastonetes de grafite e de ferro espalhados pelo espaço interestelar. Os bastonetes
(whiskers) são estruturas alongadas, como agulhas grossas. Hoyle e
companheiros acham esta explicação muito mais natural do que a provida pelo
paradigma do EQ. Como eles diriam mais tarde, em 1990, num artigo de crítica ao
EQ — declaração autenticamente hoyleana: “Um homem que adormece no
topo de uma montanha e acorda num nevoeiro não pensa que está olhando para o início
do universo. Ele pensa que está num nevoeiro.” Nesta época (1990) eles
ainda não apresentam um modelo alternativo ao EQ (e à TEE). Isto seria feito
a seguir por Hoyle, Geoffrey Burbidge e Narlikar com a Teoria do Estado
Quase Estacionário (TEQE), a qual continha aspectos da TEE e da teoria de Hoyle e
Narlikar (pp. 13-18).
6) A seção 5 é dedicada inteiramente à TEQE. Hoyle, Burbidge e Narlikar
apresentam a teoria numa série de artigos publicados em 1993-95. No livro
A Different Approach to Cosmology publicado em 2000 (temos um exemplar
na Biblioteca do Depto. de Física, UFMG) eles contrastam as observações, sob os
pontos de vistas do EQ e da TEQE. Além de fazer
várias críticas, eles classificam o EQ como um modelo essencialmente
sobrenatural. É neste livro que vemos a interessante fotografia
de um bando de gansos — um gansaral —, interpretada
cosmologicamente (ver The Last Goose, de minha
autoria). Como na teoria de Hoyle e Narlikar, existe um campo escalar C —
que entra na equação de campo de Einstein, no lugar da constante cosmológica —
que possui densidade de energia negativa. Este campo é responsável pela
expansão global acelerada do modelo e pela criação de matéria sem violação da lei da
conservação da energia, pois energia positiva — a matéria — aparece
devido ao desaparecimento de energia negativa. O campo C exerce uma pressão
negativa, como os modelos de energia escura de hoje. Na TEQE, o campo C
aparece de início na teoria e não é como a energia escura, que é introduzida
a posteriori para salvar o modelo do EQ. O fator de escala aumenta
exponencialmente como na TEE mas há uma oscilação sobreposta a esta expansão, com
uma escala temporal muito menor. No presente modelo, o período de oscilação Q
é 20 vezes menor que a escala de tempo P da expansão exponencial [do tipo
R(t) ∝ et/P]. Um valor típico do período de oscilação Q
é 40×109 anos, e a nossa época é to=0,85Q, após
o último máximo de oscilação (ver figura 3 na pág. 20). A matéria é quase totalmente
bariônica; não há necessidade de grande quantidade de matéria escura não bariônica como
no EQ. Outra característica interessante, decorrente da ausência de uma singularidade
— que no modelo do EQ, como sabemos, corresponde a um desvio para o vermelho
z infinito —, é que existe um zmax=5. A RFM é
explicada com o mecanismo dos bastonetes de grafite e de ferro. Estas estruturas
microscópicas ainda não foram detectadas no espaço mas as suas propriedades
radiativas têm sido estudadas em laboratório. Um bom ajuste ao espectro de Planck
da RFM é obtido. Ele é obtido em duas etapas: os bastonetes de carbono convertem a
luz estelar em radiação infravermelha e os bastonetes de ferro a termalizam, i.e.,
a transformam num espectro planckiano. A TEQE prevê uma
expansão acelerada, mas a aceleração é causada pela força repulsiva do campo C
de energia negativa. O autor menciona um artigo do falecido astrofísico teórico Ed
Salpeter (com quem trabalhei em 1997-98, na Universidade Cornell), escrito em 2005
— ele faleceu em 2008 —, onde Salpeter discute, de maneira lúcida e
não preconceituosa, as possibilidades da TEQE. O artigo pode ser obtido em
iopscience.iop.org/0034-4885/68/12/R02/, para quem assina a revista, ou
pelo Portal de Periódicos da CAPES (quem não se enquadrar nestas condições, escreva-me
que darei outras orientações para se ler o artigo). É um complemento interessante
para o artigo de Helge Kragh (pp. 18-25).
7) A seção 6 apresenta outros modelos de universos eternos. Mencionarei apenas
duas curiosidades: um modelo que possui um Estrondo — um soft
bang —, em oposição ao modelo do Estrondão. O Estrondo não se origina de
uma singularidade, e esta é sua virtude. O autor do modelo argumenta que o
modelo é eterno, pois o estado característico, anterior ao Estrondo, teria
uma idade indeterminada. O modelo é semelhante ao modelo do “Ovo Cósmico”
(ou “Átomo Primordial”) do Padre Lemaître, de 1931. Em segundo lugar,
Kragh menciona a possibilidade de uma cosmologia de cordas, fundamentada
na Teoria de Cordas, que é a mais famosa alternativa à Teoria da Relatividade Geral
e à Mecânica Quântica. Os elementos básicos da teoria são as supercordas e as
branas, que possuem dimensões próximas da escala de Planck, e não podem colapsar
para singularidades. Assim, em princípio, tal cosmologia não teria as famigeradas
entidades não físicas (pp. 25-28).
A TEQE é a representante principal de uma classe de modelos alternativos ao EQ.
Mas existe uma outra forte classe de modelos alternativos ao EQ: são os modelos
de cosmologia de plasma. Existem muitos cosmólogos que defendem esta
alternativa. Não devemos nunca nos esquecer que o universo é constituído por
99,999% de plasma — o nosso Sol é uma bola de plasma — e de que
os processos eletromagnetohidrodinâmicos devem ser fundamentais para a
evolução do mesmo.
Um abraço a todos.
Saudações Cosmológicas,
Domingos
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Domingos Sávio de Lima Soares
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