14 de outubro de 2021
A floresta é muito utilizada na discussão da questão da escuridão do céu noturno,
conhecida como “paradoxo de Olbers”.
As árvores representam estrelas ou galáxias e a floresta é o universo ou um aglomerado de estrelas.
Uma floresta encoberta representa o sistema, de estrelas ou de galáxias, encoberto de luz para o observador em seu
interior. As condições para a floresta encoberta são semelhantes às condições para os sistemas cósmicos encobertos.
A figura 1 mostra uma floresta de eucaliptos na qual a densidade de árvores e a grossura dos troncos não é suficiente para que a mesma seja encoberta, em outras palavras, para que a visão na direção de visada seja bloqueada por um “muro” de árvores. A grandeza fundamental para a análise do encobrimento é o chamado “limite de fundo” LF. Se a dimensão da floresta na direção da linha de visada for maior do que LF, então a visão será encoberta pelo mencionado muro de troncos.
Considere a “floresta” mostrada na figura 2. A floresta é vista de cima e cada ponto representa o tronco de uma árvore. Suponha que à altura dos olhos todos os troncos apresentam a largura l e cada árvore ocupa uma área igual à área total da floresta dividida pelo número de árvores lá existentes. Se o número de árvores na área circular de raio L vale N, então a área média ocupada por uma árvore será A = πL2/N. Note que a densidade de árvores na floresta — o número de árvores por unidade de área — pode ser calculado como n = N/πL2, portanto, n = 1/A.
A área recoberta dentro do anel de largura Δr mostrado na figura 2 será dada pelo número de troncos
dentro do anel (n2πrΔr) multiplicado pela largura dos troncos l:
A fração recoberta até a distância L é obtida somando-se as contribuições de todos os Δr de O até L:
onde λ = 1/nl é o livre caminho médio na floresta, mencionado acima.
Ora, o recobrimento total da floresta observado a partir de O ocorrerá para a fração f = 100%, ou seja,
onde LF é a distância L para qual f = 100%.
Substituindo a densidade de árvores n por 1/A obtemos a expressão final para o “limite de fundo” ou “distância de recobrimento” LF:
Existem N troncos na floresta. O valor de N não pode ser muito pequeno, de forma a garantir a validade das expressões médias utilizadas no cálculo de LF. É sempre bom lembrar que, grosso modo, a representatividade estatística de uma amostra com N elementos aumenta com N1/2 [lembrar que o desvio padrão de uma grandeza é ∝ 1/(N-1)1/2].
Os troncos podem ser confeccionados serrando-se cabos de vassoura descartados e o “terreno” da floresta pode ser uma placa de papelão duro ou de madeira, sobre o qual os troncos serão colados segundo uma distribuição aleatória.
Este é o experimento: distribuir os troncos na área total Dd. Calcular A = Dd/N, e medir l no tronco. Sugere-se medir a circunferência do tronco, em caso de troncos cilíndricos, e calcular l = circunferência/π. Calcular LF = A/l. O limite de fundo deve ser tal que seja d < LF < D. A floresta será encoberta segundo a linha de visada ao longo de D, mas não ao longo de d. Ajuste N, D e d para que isto ocorra.
As florestas de brinquedo devem servir de motivação também para as medições de campo. Escolhe-se um bosque, uma mata, mesmo uma floresta, e mede-se A — através da contagem de árvores numa área pré-estabelecida — e mede-se l médio, medindo-se a circunferência de cada tronco nesta mesma área. O valor do limite de fundo LF pode ser confrontado com a situação real. Se a mata for encoberta, LF será menor que a sua dimensão na direção da linha de visada.
O fato é que há dois pontos fundamentais e uma constatação inevitável, os quais impedem que o céu noturno seja brilhantemente insuportável. Os dois pontos:
E a constatação inevitável: não há energia suficiente, em todo o universo, para que o céu noturno seja mais brilhante do que ele já é.
Curiosamente, o paradoxo de Olbers não é um paradoxo nem é de Olbers. O inglês William Thomson (1824-1907) — o lorde Kelvin —, um dos mais sagazes estudiosos da questão da escuridão do céu, afirmou em 1887, num discurso acadêmico, que em ciência não existem paradoxos; para ele, os paradoxos eram resultados de mal-entendidos, em outras palavras, do uso equivocado do conhecimento científico, dos fatos experimentais e das evidências observacionais exibidas pela Natureza. E a tal questão já era discutida muito antes de o médico e astrônomo alemão Heinrich Olbers (1758-1840) ter chamado a atenção para ela em 1823. O grande astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) foi provavelmente o primeiro a propor este problema.
A escuridão do céu deve ser bem contextualizada, para evitarmos erros. Se considerarmos outros comprimentos de onda da luz, fora da faixa visível, o céu poderá não ser escuro. Por exemplo, na faixa de micro-ondas há um brilho uniforme em todo o céu, conhecido como “Radiação de Fundo de Micro-ondas” (RFM). Este brilho uniforme de micro-ondas pode ser trivialmente observado: de acordo com um dos descobridores da RFM — o físico Robert Wilson —, 10% do “chiado” que aparece numa tela de TV, ligada a uma antena, fora de sintonia, é devido à RFM; ver seu depoimento no vídeo The Cosmology Quest, parte 2, a partir do minuto 33:00.
Um pouco mais:
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Domingos Soares
FLORESTA COSMOS
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