14 de maio de 2021
A radiação detectada de uma galáxia pode ser decomposta em seus comprimentos de onda constituintes através de um instrumento denominado espectrógrafo. O desvio para o vermelho z do objeto é definido como z = Δλ/λ, em que Δλ = λo - λ, λo é o comprimento de onda observado de determinada componente da radiação e λ é o comprimento de onda desta componente no referencial do objeto, ou seja, o comprimento de onda na emissão. A lei de Hubble diz que z ∝ d ou z = kd, em que k é a constante de proporcionalidade e d a distância da fonte.
O modelo do Estrondão afirma que o universo está em expansão. Assim, durante a viagem da radiação desde uma fonte remota até o detector na Terra, o espaço aumenta de tamanho e consequentemente o comprimento de onda da radiação emitida. Desta forma teremos λo > λ. O comprimento de onda observado será maior do que o emitido, i.e., estará deslocado para o vermelho, pois no espectro visível o vermelho possui o maior comprimento de onda.
Agora, a expansão do espaço ocorre com uma certa velocidade. Para o universo local, ou seja, para pequenas distâncias, o Estrondão estabelece uma relação entre z e a velocidade de expansão v, a saber, z = v/c ou v = cz, onde c é a velocidade da luz no vácuo. Se levarmos a expressão da lei de Hubble na fórmula v = cz, encontraremos v = ckd. A constante composta ck é denominada constante de Hubble, representada pelo símbolo Ho. Temos então a expressão usual da lei de Hubble no Estrondão v = Hod, a qual é escrita às vezes como z = (Ho/c)d.
Curiosamente, a expressão v = cz = cΔλ/λ é a expressão que descreve o efeito Doppler para a luz. A luz de uma fonte que se afasta com velocidade v é detectada com maior comprimento de onda — desviada para o vermelho — e a luz de uma fonte que se aproxima é detectada com menor comprimento de onda — desviada para o azul. Devido a esta coincidência, podemos tratar a expansão do universo do Estrondão como se fosse um efeito do movimento de afastamento das galáxias. Mas isto é válido apenas do ponto de vista matemático. Além do mais a coincidência só ocorre para distâncias pequenas. Para grandes distâncias, a dependência do desvio z com a velocidade de expansão é bem mais complicada.
O importante aqui é que, para o Estrondão, se várias fontes estão à mesma distância, elas devem ter aproximadamente o mesmo desvio z.
A figura 1 mostra um exemplo clássico, pois foram observações feitas pelo próprio Hubble. Os espectros das galáxias foram registrados em placas fotográficas, como era comum antes do advento dos detectores eletrônicos. Os desvios Δλ são medidos relativamente a um espectro de comparação, neste caso o espectro de emissão do gás hélio obtido no referencial do observatório. Os desvios para o vermelho z = Δλ/λ são indicados abaixo de cada espectro como velocidades, calculadas a partir da expressão v = cz.
Para entender a anomalia do Estrondão precisamos voltar a nossa atenção para os sistemas de galáxias.
O primeiro deles é o da galáxia NGC 3819 e seus satélites, mostrados na figura 2. As observações foram feitas por mim: a imagem em 1991 no Observatório do Pico dos Dias, Brazópolis, MG, pertencente ao Laboratório Nacional de Astrofísica, e o espectro em 1998 no Observatório Palomar. O espectro foi registrado em um detector CCD, determinado e analisado por Natália R. Landin em sua dissertação de mestrado na UFMG, apresentada em 2002. O espectro de HGC 3819 está representado por uma curva do fluxo em função do comprimento de onda.
Os desvios para o vermelho da galáxia NGC 3819 e dos satélites são semelhantes, o que é de se esperar, pois as três galáxias estão à mesma distância.
A anomalia aparece quando os objetos de um sistema estão à mesma distância do observador, mas os seus desvios para o vermelho são bastante diferentes. Isto não pode ocorrer no contexto do Estrondão, que só consegue explicar pequeníssimas diferenças. A figura 3 mostra o sistema da galáxia NGC 7603, onde esta situação é encontrada. Este sistema foi estudado pelos astrônomos espanhóis M. López-Corredoira e C. M. Gutiérrez no início dos anos 2000.
Existem inúmeros outros casos de sistemas com desvios para o vermelho discordantes. O astrônomo americano Halton Arp (1927-2013) foi o principal investigador e descobridor destes casos. Modelos cosmológicos alternativos ao Estrondão devem ser invocados para se explicar estes casos.
É importante lembrar que a lei de Hubble é a representação de um fato observacional, independente de modelos cosmológicos. Desta forma, as galáxias situadas a distâncias comparáveis devem apresentar desvios para o vermelho comparáveis. Os modelos cosmológicos alternativos consideram que parte dos desvios discordantes são intrínsecos — relacionadas a propriedades internas dos objetos — e parte cosmológicos, estes, sim, relacionados à lei de Hubble. O Estrondão não consegue explicar diferenças tão grandes nos desvios observados.
Toda esta questão ainda não está completamente estabelecida e é motivo de grande controvérsia. A maioria dos cosmólogos do Estrondão negam a realidade dos desvios para o vermelho discordantes. Eles argumentam que as galáxias nos sistemas discordantes não estão à mesma distância, apesar de inúmeras evidências em contrário.
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Domingos Soares
FLORESTA COSMOS
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