A lei de Hubble e o universo homogêneo

Domingos Soares

14 de junho de 2020


Você sabia que uma gominha se estica obedecendo uma lei exatamente igual à lei de Hubble da cosmologia? É o que vamos mostrar a partir de agora. Primeiro, a lei de Hubble.

Os primeiros modelos relativistas da cosmologia surgiram logo após a publicação, em 1915, da formulação final da Teoria da Relatividade Geral (TRG). Em 1917, Albert Einstein e Willem de Sitter apresentaram os seus modelos e, no início dos anos 1920, Alexander Friedmann apresentou os seus. Todos estes modelos são soluções das equações de campo da TRG para universos idealizados, a saber, universos homogêneos. A homogeneidade simplifica enormemente a formulação das equações de campo. As soluções de de Sitter e de Friedmann representam universos em expansão (ou em contração, para um dos modelos de Friedmann).

A conexão da homogeneidade dos modelos relativistas com a lei de Hubble da expansão não é sempre apropriadamente apreciada nas apresentações da cosmologia relativista moderna. Em geral, destaca-se apenas a existência da própria expansão e da sua consequência mais imediata, qual seja, a necessidade da existência de um início para o universo, decorrente da extrapolação da expansão para o passado. O evento inicial é frequentemente chamado de singularidade inicial, Big Bang ou Estrondão.

Agora, a homogeneidade de qualquer corpo em expansão só é preservada se ela ocorrer de acordo com uma lei do tipo velocidade de expansão proporcional à distância. Em outras palavras, todos os pontos do corpo devem ter velocidades de expansão proporcionais às suas distâncias até um ponto de referência arbitrário, também localizado no corpo. A homogeneidade é decorrente do fato de que cada parte do corpo expande igualmente ao longo do corpo em expansão. O efeito cumulativo destes pequenos incrementos é que dá origem a uma lei de expansão do tipo velocidade proporcional à distância. A expansão uniforme das partes não destrói a homogeneidade do todo.

Ora, o corpo em questão aqui é o universo. Se ele se expande e permanece homogêneo, então a sua expansão deve obedecer a uma lei como descrita acima. E foi exatamente isto que Edwin Hubble apresentou de forma clara e objetiva no final da década de 1920. A Fig.1 é uma reprodução do diagrama apresentado por Hubble. Nele vemos duas retas que representam ajustes distintos para os dados de velocidades e distâncias para galáxias fora do Grupo Local de galáxias. O ajuste v=Hod é a lei de Hubble, onde Ho é chamado de “constante de Hubble”. As velocidades foram obtidas a partir dos desvios para o vermelho espectrais das galáxias, com a utilização do efeito Doppler v = cz, onde z é o desvio para o vermelho e c é a velocidade da luz no vácuo. As distâncias foram determinadas por vários métodos, todos eles envolvendo a dependência do fluxo luminoso com o inverso do quadrado da distância.

 


Fig. 1 - A “lei de Hubble” v=Hod na forma que foi apresentada em 1929. As retas contínua e tracejada representam ajustes aos dados segundo critérios distintos de amostragem. As distâncias, no eixo das abscissas, estão em parsec (1 pc = 3,26 ano-luz).

Uma lei deste tipo garante a homogeneidade dos modelos de universo em expansão ou em contração, conforme o caso. Os casos mais comuns, e que, portanto, nos interessam mais, são os modelos em expansão. Apresento a seguir um análogo unidimensional dos modelos tridimensionais em expansão, o qual ilustra, de forma prática e bastante simples, a manutenção da homogeneidade decorrente de uma lei do tipo v ∝ d.

A gominha esticada

O UGE, Universo da Gominha Esticada é um análogo mecânico unidimensional simples dos modelos de universo tridimensionais da cosmologia relativista moderna. O objetivo principal da proposta é a apreciação apropriada da relação intrínseca entre a lei da Hubble e a homogeneidade dos modelos relativistas em expansão.

A Fig. 2 mostra o UGE. O material utilizado na sua confecção é constituído por uma gominha e dois pedaços de barbante.

 


Fig. 2 - Os laços amarrados na gominha de borracha representam as “galáxias” A e B. Para efeito de discussão, o observador O está localizado na extremidade esquerda da gominha. Ele pode, no entanto, estar em qualquer ponto do UGE.

Fixando-se a extremidade esquerda O e esticando-se a extremidade direita nota-se que o laço A da esquerda desloca-se muito menos do que o laço B da direita. Este é um comportamento que segue a lei de Hubble do UGE: quanto mais distante do “observador”, neste caso a extremidade esquerda O, maior o deslocamento da “galáxia” e, portanto, maior a sua velocidade. Desta forma, v é proporcional à distância d. Fixando-se a extremidade direita, o comportamento dos laços é invertido. Em outras palavras, não há observador privilegiado.

Da mesma forma, nos modelos de universo em expansão, a lei de Hubble preserva a homogeneidade do universo e, também, não há observador privilegiado.

A “constante de Hubble” da gominha está claramente relacionada à sua constante de elasticidade. Por analogia, pode-se dizer que a constante de Hubble cosmológica está relacionada à elasticidade do tecido espacial. O espaço e o espaço-tempo na TRG são entes físicos e, consequentemente, dotados de propriedades físicas.

O UGE permite, portanto, uma verificação experimental da “lei de Hubble” para um análogo mecânico de um universo em expansão. Obviamente, isto não prova que vivemos em um universo em expansão, mas nos ajuda a entender tal classe de modelos.

Você pode encontrar mais detalhes sobre o universo da gominha, inclusive a demonstração da sua “lei de Hubble” em meu artigo intitulado “UGE, Universo da Gominha Esticada” disponível aqui.

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Domingos Soares
FLORESTA COSMOS
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