14 de novembro de 2018
Mencionei na coluna do mês passado que Hubble “descobriu” as galáxias ao determinar as distâncias até três delas, e verificar que elas eram significativamente maiores que as dimensões da Via Láctea. Elas não poderiam então fazer parte do nosso sistema galáctico. A propósito, uma delas era a grande nebulosa de Andrômeda, a galáxia número 31 do catálogo do astrônomo francês Charles Joseph Messier (1730–1817), conhecida como M31. Esta galáxia goza da peculiaridade extraordinária de ser o objeto extragaláctico mais distante visível a olho nu.
O que é importante ressaltar é que Hubble, estando no meio de um acalorado debate sobre a natureza das nebulosas, deveria encontrar um modo inequívoco de obter as distâncias até elas. E ele o fez, usando a própria arma do inimigo, i.e., de seu concorrente imediato. Vejamos como isto se deu.
Harlow Shapley havia mostrado que os aglomerados estelares globulares —
conjuntos de centenas de milhares de estrelas distribuídas esfericamente, como
uma bola — se espalhavam aleatoriamente ao redor de um ponto
da Via Láctea, o seu centro. Ele fez isto determinando observacionalmente as
distâncias até os aglomerados, utilizando o método recém descoberto por
Henrietta Leavitt, das estrelas variáveis Cefeidas. Em resumo, ele identificava
Cefeidas nos aglomerados — como, por exemplo, Ômega de Centauro mostrado
abaixo —, media os seus períodos de variação de brilho, e daí chegava às
distâncias (o método das variáveis Cefeidas para a determinação de distâncias está
descrito no Através do Universo do mês de outubro de 2017).
O aglomerado globular Ômega de Centauro (ω Cen ou NGC 5139), de nossa galáxia, possui cerca de 10 milhões de estrelas, a maioria delas muito mais velhas do que o Sol. As estrelas se distribuem no formato de uma bola ou glóbulo; ω Cen possui um diâmetro de 150 anos-luz. A Via Láctea possui mais de 150 aglomerados globulares espalhados em um halo esférico em volta do disco galáctico (APOD:15jun11). |
A galáxia espiral M104, mostrada na figura a seguir, possui também um sistema
de aglomerados globulares — como em geral todas as galáxias de grande
porte —, os quais servem, exatamente como na Via Láctea, para indicar a
posição do centro galáctico. A enorme vantagem da Via Láctea é que nela as estrelas
dos aglomerados podem ser observadas individualmente, e entre elas pode-se
identificar estrelas variáveis Cefeidas, bastante úteis para a determinação de
distâncias.
A galáxia M104 (NGC 4594) é uma espiral vista de perfil, conhecida como
“galáxia do Sombreiro” em virtude do formato peculiar de um
chapéu mexicano. A faixa escura que atravessa a imagem é formada por nuvens de poeira e gás que obscurecem a luz das estrelas. Os pontos luminosos espalhados em volta do disco galáctico — delineado pela faixa de poeira — são aglomerados globulares semelhantes a ω Cen. Em virtude da distância de M104, as estrelas dos aglomerados não podem ser vistas individualmente, i.e., os aglomerados não podem ser resolvidos. Note que os aglomerados se distribuem aleatoriamente em torno do centro galáctico (APOD:15may11). |
Shapley verificou que os seus aglomerados se distribuíam numa esfera de 300.000
anos-luz de diâmetro, cujo centro estava localizado na constelação austral de
Sagitário. Shapley acreditava, e defendia com unhas e dentes, que este sistema era
todo o universo. Desta maneira, entendemos a sua posição no
“Grande Debate” (cf. coluna do mês passado):
ele defendia que as nebulosas espirais eram objetos de sua Galáxia e,
consequentemente, defendia um universo de dimensões bem mais modestas do que o
de seus opositores. O que Hubble fez foi identificar
variáveis Cefeidas em três galáxias do Grupo Local, determinar as suas distâncias e verificar
que elas eram muito maiores que os 300.000 anos-luz do universo de Shapley. Como
poderia Harlow Shapley discordar dos resultados de Hubble? As curvas de luz
de variáveis Cefeidas não deixam margem para dúvidas.
Hubble aumentou o tamanho do universo para dimensões inefáveis, desbancou a arrogância individualista de seu rival, e nunca utilizou de forma regular o termo “galáxia”, por ser este o termo preferido por Shapley para se referir às nebulosa extragalácticas. Ele usou até a morte a expressão “nebulosa extragaláctica”, conforme o historiador da ciência Gale Christianson (1942-2010) nos revela em sua biografia do gênio desbravador do reino extragaláctico.
=========================
Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
=========================