05 de setembro de 2022
Apresento as funções de energia potencial de dois modelos newtonianos análogos aos modelos cosmológicos de Friedmann. O objetivo da analogia é a discussão didática dos modelos de Friedmann sem e com constante cosmológica.
Estendo aqui o que foi feito para o modelo estático de Einstein, apresentando modelos newtonianos simplificados para uma discussão dos modelos cosmológicos obtidos pelo matemático e cosmólogo russo Alexander Friedmann (1888-1925), a saber, modelos sem e com constante cosmológica. Entre os últimos, discuto o modelo do Estrondão (cf. Soares 2016). As soluções clássicas de Friedmann estão descritas em Soares (2008) e Viglioni e Soares (2011).
A “constante cosmológica” Λ é um termo de repulsão cosmológica acrescentado por Einstein, em 1917, nas equações de campo originais da TRG, com o objetivo de contrabalançar a atração gravitacional intrínseca do fluido cósmico e assim obter o seu modelo estático de universo (ver mais detalhes sobre Λ, neste contexto, nas seções 1 e 2 de Soares 2012).
A seção 2 é dedicada aos modelos clássicos de Friedmann (Viglioni e Soares 2011), ou seja, modelos sem a constante cosmológica Λ. A seção 3 considera as equações de Friedmann com Λ; aqui, o modelo estático de Einstein e o modelo do Estrondão são as aplicações mais notáveis. Eu termino com alguns comentários adicionais na seção 4.
O análogo newtoniano, em termos de energia potencial do universo, deve conter apenas um termo atrativo de energia gravitacional. A energia potencial do sistema, na posição R, será escrita como:
em que G é a constante universal de atração gravitacional e M é a massa do universo (por convenção, farei G = M = 1). O universo é modelado como uma massa pontual contendo toda a massa e as galáxias são corpos de prova, que se movem no seu campo gravitacional e possuem massa total desprezível em relação a M. Trata-se, portanto, de um modelo bastante simplificado, mas que é útil para algumas análises qualitativas.
Os universos de Friedmann aberto, plano (ou crítico) e fechado podem ser visualizados neste modelo, conforme a energia total do sistema. Teremos então:
Os modelos aberto e plano representam universos espacialmente infinitos. O modelo plano recebe este nome porque a geometria espacial em grande escala é euclidiana, i.e., obedece aos postulados e teoremas da geometria de Euclides de Alexandria (c. 300 a.C.). O modelo fechado é finito e expande-se até um tamanho máximo, representado, nos dois diagramas da figura 1, por Rmax, que é um ponto de retorno pois a partir daí o modelo sofre uma contração. O diagrama de Friedmann para este modelo parece indicar que ele é oscilante, mas isto é apenas aparente e constitui uma extrapolação matemática da solução para a evolução temporal do fator de escala. Este aspecto está discutido mais extensivamente na seção 4. Curiosamente, os modelos oscilantes parecem ganhar força nos últimos anos, mas para obtê-los novos ingredientes deverão ser adicionados aos modelos de Friedmann. As geometrias espaciais e outras características dos modelos clássicos de Friedmann estão discutidas em Soares (2008).
Os modelos aberto e plano possuem expansão desacelerada em toda a sua evolução temporal. O modelo fechado possui uma fase inicial de expansão desacelerada e em seguida uma contração acelerada. Tudo isto pode ser entendido analisando-se a conservação da energia do sistema, que pode ser escrita como:
onde K(R) é a energia cinética do sistema. Vemos que para energia total E ≥ 0, o sistema estará sempre desacelerado, pois, ao se expandir a partir da origem (R = 0), a energia potencial aumentará e, portanto, pela conservação da energia, a energia cinética diminuirá. Para E < 0, o sistema estará desacelerado ao se mover em direção a Rmax e estará acelerado ao retornar de Rmax.
Repetirei o procedimento adotado em Soares (2012) e escreverei U(R) = UG(R) + UΛ(R), onde UG(R) representa a parte atrativa da energia potencial e UΛ(R) a parte repulsiva associada à constante cosmológica. Teremos, portanto:
Nesta analogia, a repulsão devida à presença da constante cosmológica está na forma da energia elástica de uma mola, com a diferença importante de ser um termo de energia negativa. A energia potencial elástica da mola usual é do tipo +(1/2)x², ou seja, resulta em uma força de atração para a origem. O termo UΛ(R) representa uma espécie de energia potencial “elástica” do tecido espaço-temporal, em que o sinal negativo gera uma força repulsiva. Estes dois termos de energia potencial podem ser identificados no lado esquerdo da eq. 4 de Soares (2012), a qual é a equação de Friedmann com constante cosmológica mais um termo de curvatura espacial no lado direito.
Este análogo newtoniano nos permite visualizar o universo estático de Einstein e o modelo atual do Estrondão com as suas fases de expansão desacelerada e transição para a expansão acelerada. A figura 2 mostra o análogo newtoniano e o diagrama de fator de escala em função do tempo para o modelo atual do Estrondão (cf. Soares 2009 e seção 3.3 de Soares 2015).
O análogo newtoniano do universo estático foi apresentado em detalhes em Soares (2012). A parte referente a ele, na figura 2, corresponde à figura 1 de Soares (2012), onde a estabilidade mecânica do modelo é estudada. Podemos ver aqui, na figura 2, que, de fato, o modelo de Einstein é claramente instável, pois ele corresponde a um estado de repouso, o ponto (RT, ET), na curva U×R. Uma pequena perturbação no sistema fará com que ele “role” pela crista de energia potencial, seja para o colapso inevitável, seja para a expansão eterna.
Se o sistema possuir energia total E > ET, por exemplo, E = 0, e vier em expansão a partir da origem, ele realizará uma expansão desacelerada até RT e acelerada depois de RT. Senão, vejamos.
Ao se expandir, o sistema “sobe” a crista de energia potencial até RT e em seguida “despenca” pela crista abaixo. Na subida, a energia potencial U(R) cresce e, portanto, K(R) diminui, mantendo a energia total E constante (cf. figura 2 e conservação da energia). Vemos então que o sistema está desacelerado até RT. Um raciocínio semelhante mostra que depois de RT o sistema está acelerado.
Vamos agora a alguns rudimentos de cálculo diferencial e integral para entender melhor a transição expansão desacelerada– expansão acelerada do Estrondão, ilustrada na figura 2, diagrama da direita. Os fundamentos necessários aqui são os conceitos de concavidade de uma curva e ponto de inflexão (e.g., Freire 2015, seção 9.5). R(t), a seguir, representa o fator de escala no eixo vertical da figura 2. O sinal da derivada segunda d²R/dt² indica qual é a concavidade da curva R(t)×t. A figura 2 mostra que a concavidade da curva muda em R = RT. Este ponto é chamado de ponto de inflexão e nele d²R/dt² = 0. A concavidade da curva é para baixo (d²R/dt² < o, aceleração negativa) antes de RT, ou seja, o sistema é desacelerado, e é para cima (d²R/dt² > o, aceleração positiva) depois de RT, ou seja, o sistema é acelerado. É fácil verificar então que os modelos com Λ=0 (figura 1, diagrama da direita) são todos desacelerados, com exceção do modelo fechado depois do ponto de retorno. Mesmo neste caso, a aceleração não muda, apenas o sentido de dR/dt. Em todos os três casos a aceleração d²R/dt² é sempre negativa e as concavidades são todas para baixo e, portanto, são todos desacelerados durante a expansão.
Agradecimento – A figura 1 (U×R) e a figura 2 foram confeccionadas em um dos computadores do Instituto Astronômico Kapteyn, Groningen, Holanda, sob os auspícios do Prof. Reynier Peletier.
D. Soares, O Big Bang, um “Estrondão” no espaço e no tempo, www.fisica.ufmg.br/dsoares/reino/cosmolg1.htm (2008).
D. Soares, A idade do universo, a constante de Hubble e a expansão acelerada, www.fisica.ufmg.br/dsoares/ageunv/idadeunv.pdf (2009).
D. Soares, O universo estático de Einstein, Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 34, n. 1, 1302 (2012).
D. Soares, Universos com constante cosmológica, www.fisica.ufmg.br/dsoares/unilamb/unilamb.htm (2015).
D. Soares, Universo do Estrondão Quente, www.fisica.ufmg.br/dsoares/extn/ueq/ueq.htm (2016).
A. Viglioni, D. Soares, Observações sobre as soluções clássicas da equação de Friedmann, Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 33, n. 4, 4702 (2011).
M. Novello, Do Big Bang ao Universo Eterno, www.youtube.com/watch?v=88FG4v885GA (2019).
P. Steinhardt, Bouncing Cosmology, paulsteinhardt.org/bouncing-cosmology (2022).