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_____________________________________________16 de outubro de 2017

Caros Amigos da Cosmologia,

O ESO (European Southern Observatory) acaba de anunciar a detecção de uma “quilonova”, o primeiro objeto de uma nova categoria, que corresponde em energia irradiada a 1000 (quilo) vezes a energia de um objeto já conhecido chamado nova (uma estrela que tem o seu brilho temporariamente aumentado de dezenas de milhares de vezes devido a transformações de sua estrutura interna; muito menos energética que uma supernova, no entanto).

O objeto foi associado a um novo fenômeno, previsto, mas ainda não observado, da fusão de duas estrelas de nêutrons (estrelas compactas de cerca de 10 km de diâmetro e com massas que dificilmente ultrapassam 2 massas solares).

Imediatamente o consórcio LIGO-Virgo de ondas gravitacionais (OGs) associou este evento a uma detecção de OGs anunciada há poucos dias (o evento GW170814, cf. COSMOS:27set17).

O curioso aqui é que estrelas de nêutrons não têm mais do que 2 massas solares e o evento anunciado pelo LIGO/Virgo foi modelado como originado da fusão de dois buracos negros de 25 e 31 massas solares. Notem que a dificuldade de se observar OGs de fusão de buracos negros já é extrema, o que torna inimaginável a possibilidade de detecção de OGs de fusão de estrelas com massas de duas vezes a massa do Sol (leiam o PS de COSMOS:06abr16). (ATENÇÃO: leiam a ERRATA no PS2 abaixo.)

É bastante capcioso, em todas as acepções.

Leiam o anúncio da descoberta da quilonova em Telescópios do ESO observam a primeira luz de uma fonte de ondas gravitacionais.

Um abraço a todos.

Saudações Cosmológicas,

Domingos

PS1: Comentário bem apropriado de nosso Amigo João Costa: “Capcioso, é um adjectivo suave para isto que está a acontecer. Será que a pós-verdade do Trump chegou à ciência?” E eu acrescentaria outra característica do atual momento da política norte-americana, a constante alteração da verdade factual pela sua substituição pelos “fatos alternativos”. Leiam mais detalhes sobre a pós-verdade no PS6 de 31 de outubro de 2017 abaixo.

PS2: Mensagem de nosso Amigo Felipe Alves, meu ex-aluno de cosmologia e atualmente pesquisador do Instituto Max Planck na Alemanha: “Permita-me um comentário: entendo que a detecção atribuída às estrelas de nêutrons foi a GW170817. A que você menciona em sua mensagem, GW170814, refere-se a uma detecção anterior associada, de fato, a dois buracos negros.” Fica aqui registrada, portanto, a correção da minha afirmação acima. Permanece a dúvida: como é possível tecnicamente a detecção das OGs da fusão de dois objetos de 2 massas solares?

PS3 (17 de outubro de 2017): Leiam a interessante reportagem do Boletim da FAPESP intitulada Nova fonte de ondas gravitacionais é observada neste local. No final da reportagem, a afirmação de que “As estrelas foram localizadas na região da galáxia NGC 4993 – justamente onde foram detectadas as ondas gravitacionais detectadas pelos observatórios LIGO e Virgo” não é correta, pois os observatórios LIGO/Virgo informam apenas o tamanho da região onde a putativa fonte de OGs se localiza, neste caso uma área de 35 graus quadrados (equivalente a aproximadamente 180 Luas Cheias — e não 60 como afirmado em outro ponto da reportagem).

PS4 (17 de outubro de 2017): Felipe de novo (ver PS2). O Marcelo foi meu aluno de Astrofísica na pós-graduação e hoje é professor e pesquisador na Universidade Federal de Sergipe: “Só mais um comentário: andei conversando com o Marcelo Guimarães sobre isso (talvez você lembre dele, também foi seu aluno na física, hoje é professor em Aracaju). Ele lembrou que a distância a este evento é cerca de 10 vezes menor que a dos buracos negros. Talvez isso facilite a detecção.” Acho que não ajuda muito, pois a massa “pesa” mais. A potência irradiada é aproximadamente proporcional a M10/3 (cf. eq. 7 de An analysis of the LIGO discovery based on Introductory Physics) com m = M. Sendo assim, um fator de 10 na distância aumenta em 100 a potência detectada (∝ 1/r2), mas o fator relacionado à massa diminui pelo fator (30/2)10/3 ≈ 8000, para um buraco negro de 30 massas solares e uma estrela de nêutron de 2 massas solares. Ou seja, o sinal fica menor cerca de (8000/100) ≈ 100 vezes. Mas considerando que os detectores LIGO/Virgo não medem potência mas a deformação (“strain”) espaço-temporal e que esta é proporcional a m2/r (cf. Lecture 25 de C. Miller), teríamos (30/2)2 ≈ 200 e, considerando o fator relacionado à distância, o sinal ainda fica menor cerca de (200/10) ≈ 20 vezes.

PS5 (17 de outubro de 2017): O nosso Amigo José Victor Neto faz comentários pertinentes relacionados ao carácter da atividade científica: “A minha concepção é a de que todo o processo de obtenção de dados é que deveria estar cercado dos máximos cuidados, revisões e revisões do pleno funcionamento dos equipamentos de detecção e suas conexões. Para evitar coisas como a "comprovação" de que neutrinos movem-se mais rápido que a luz, por exemplo! Que foi uma estrondosa pixotada - não digo nem má fé. Falta de cuidado e profissionalismo científico mesmo. Dá até para suspeitar de que tais cientistas estão mais preocupados com a direção para onde apontam seus sapientíssimos narizes... O que é ruim para a ciência e seus processos. Felizmente, acho, a época de autoridades científicas ficou para trás. Bem, com algumas exceções, como essa! Danosas à ciência e ao nosso juízo. Em minha concepção, algo do tipo só poderia ter sido anunciado, como verdade científica, após muitas e muitas detecções, por cada laboratório e por muitos outros, independentes, envolvidos nesses processos. Mesmo que dezenas de outros experimentos sejam realizados, e os efeitos confirmados em cada um deles, ainda assim, não se justifica tanta pressa para tão poucas medições. Uma questão de método científico. Que, parece, foi relegado a segundo plano.” Concordo com o Victor e acrescento mais um fator, qual seja, a influência cada vez maior dos fatores econômico e de popularidade social na atividade científica. Quer dizer, a atividade científica valorizada é aquela que “dá retorno” imediato, isto é, prêmios e prestígio nas diversos meios de comunicação, incluindo as fatídicas e famigeradas “mídias sociais”.

PS6 (31 de outubro de 2017): No artigo A verdade sobre a pós-verdade, a jornalista Mariana Alencar da revista MINAS FAZ CIÊNCIA escreve: “… a ideia de que um acontecimento objetivo tenha menos força do que a crença pessoal — no que se refere à capacidade de moldar a opinião pública — ganha destaque, em discursos midiáticos, sob a alcunha de ‘pós-verdade’.” Realmente precisamos ficar atentos sobre este tipo de comportamento na atividade científica que deveria ser caracterizada pela extrema objetividade e ceticismo. No Livro III dos Principia, o grande Isaac Newton (1643-1727) afirma “Certamente não devemos menosprezar a evidência dos fatos experimentais em favor dos sonhos e das vãs imaginações de nosso devaneio pessoal, com o meu sublinhado. O interessante artigo de Mariana Alencar está nas páginas 48 e 49 da edição 69 (2017) e merece uma leitura cuidadosa. Sugiro, portanto, que o fenômeno da quilonova aqui descrito envolve uma enorme dose de pós-verdade, até que se prove o contrário.

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Domingos Sávio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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