21 de julho de 2015
Apresento alguns modelos relativistas do universo, que possuem a constante cosmológica (Λ) em sua formulação. Einstein calculou o primeiro deles, inaugurando a vertente teórica de aplicação das equações de campo da Relatividade Geral com a constante cosmológica. Um dos modelos apresentados é o Modelo Padrão da Cosmologia, que atualmente goza de apoio por parcela significativa da comunidade científica.
Além do modelo estático de Einstein, outros modelos relativistas com a constante cosmológica foram propostos. Veremos que estes modelos podem ser obtidos a partir da equação de Friedmann, acrescida da constante cosmológica, e por meio de escolhas apropriadas da curvatura espacial e do conteúdo de matéria-energia do universo. O cosmólogo Steven Weinberg apresenta vários destes modelos em seu livro Gravitation and Cosmology, no capítulo intitulado Models with a Cosmological Constant (Weinberg 1972, pág. 613). Apresentarei aqui alguns dos modelos discutidos por Weinberg e um que ele não discute, a saber, o modelo moderno do universo em expansão acelerada, muitas vezes denominado Modelo Padrão da Cosmologia (MPC).
A equação de Friedmann clássica (Viglioni e Soares 2011) tem o seu campo de aplicação bastante ampliado com a inclusão da constante cosmológica Λ. O resultado é apresentado na seção seguinte. Na seção 3 apresento algumas características de três modelos de universo com constante cosmológica, o universo estático de Einstein, o universo de de Sitter e o MPC. Os universos de Einstein e de de Sitter serão apresentados, por questões didáticas, no quadro geral das equações de Friedmann, mas nunca é demais lembrar que as equações de Friedmann só foram descobertas na década de 1920, ou seja, após a proposição daqueles dois modelos. Termino, na seção 4, com algumas considerações gerais.
O tensor de energia-momento ocupa o lado direito das equações de campo (eq. 4 de Soares 2013a). Para o lado esquerdo necessitamos da métrica espaço-temporal que descreve o sistema físico em foco. Em 1935, o físico-matemático norte-americano Howard Robertson (1894-1975), e quase que simultaneamente, o matemático inglês Arthur Walker (1909-2001) deduziram, a partir de argumentos puramente geométricos, a expressão matemática da métrica espaço-temporal de um fluido que obedece ao PC. De acordo com Harrison (2000, pág. 285), “eles mostraram rigorosamente que os universos que obedecem ao PC têm um espaço-tempo que separa-se univocamente em um espaço curvo em expansão e em um tempo cósmico que é comum a todos os observadores comóveis” (i.e., solidários à expansão; veja também a seção 3 de Soares 2009a, onde a expressão matemática da métrica de Robertson-Walker é apresentada).
As soluções das equações de campo para a métrica de Robertson-Walker são as equações de Friedmann. Elas descrevem de forma completa o balanço de matéria e energia (eq. 1) e a dinâmica (eq. 2) do fluido cósmico:
, (1) |
. (2) |
S é o fator de escala do universo, k é a constante de curvatura espacial, ρ é a densidade de matéria-energia e p é a pressão do fluido cósmico (ver mais detalhes abaixo da eq. 12 de Soares 2013a). A constante de curvatura vale, para um universo fechado e esferico, k = +1/R2, onde R é o raio de curvatura do espaço esférico. Para um modelo crítico (ou plano), R → ∞, e, portanto, k = 0. O universo aberto possui raio de curvatura imaginário, implicando em uma constante de curvatura negativa, k = −1/R2 (espaço hiperbólico). Note que, como a constante cosmológica, a constante de curvatura possui dimensões físicas de 1/comprimento2.
As equações de Friedmann assim obtidas, a partir das equações de campo mais o termo cosmológico de Einstein (também eqs. 16 e 17 de Soares 2013a) são a base da maioria dos modelos cosmológicos modernos, com ou sem Λ. Neste último caso basta fazer Λ = 0 nas eqs. 1 e 2. Na seção seguinte apresento três modelos de universo com Λ.
O segundo deles é um modelo dinâmico, mas de uma estranha qualidade: não possui matéria, apenas a componente energética originada com a introdução da constante cosmológica. Apesar de estranho, tal modelo pode ser útil para a representação do universo real. Afinal de contas nada impede que o conteúdo de matéria do universo seja, não exatamente nulo mas, aproximadamente nulo, i.e., matematicamente desprezível. E mesmo assim suficiente para gerar galáxias, estrelas, planetas, humanos, etc. O responsável por este modelo foi o físico, matemático e astrônomo holandês Willem de Sitter (1872-1934). O modelo de de Sitter foi proposto também em 1917, logo após a proposta do universo de Einstein.
O terceiro modelo apresentado é o MPC, o Modelo Padrão da Cosmologia, o universo teórico aceito por parcela considerável da comunidade científica internacional, apesar de seus inúmeros problemas — reconhecidos até por aqueles que o aceitam (alguns deles estão listados na seção 3 de Soares 2015a). A característica principal deste modelo é possuir, na presente época cósmica, uma expansão cosmológica acelerada. Os modelos de Friedmann, sem Λ, possuem expansão cosmológica desacelerada em todas as épocas cósmicas (cf. Viglioni e Soares 2011).
O universo de Einstein é portanto finito — possui curvatura espacial positiva, i.e., é fechado — e estático (Soares 2012).
Para obter tal universo, Einstein foi obrigado a introduzir uma componente repulsiva em suas equações de campo. Ele acrescentou um termo adicional do campo da métrica, multiplicado pela constante cosmológica Λ. O valor de Λ pode ser ajustado para se obter, simultaneamente, um universo fechado (curvatura espacial diferente de zero positiva) e estático, ou seja, dS/dt ≡ Ṡ = 0 (ver eqs. 1 e 2 e seção 2 de Soares 2012).
O principal problema do modelo de Einstein é a sua instabilidade. O espaço é esférico com raio de curvatura, no hiperespaço de 4 dimensões, definido pela densidade de matéria do universo. Acontece que esta situação representa um equilíbrio instável; qualquer pequena perturbação leva o sistema — o universo — para o colapso ou para a expansão desintegrativa para o infinito. A Fig. 1 ilustra esta instabilidade através de uma analogia newtoniana. A figura mostra a soma das componentes de energia atrativa (gravitacional) e repulsiva (energia da constante cosmológica). Vê-se claramente a condição de instabilidade representada pela posição de equilíbrio no fator de escala RE = 1.
É importante salientar que o modelo estático de Einstein possui constante de curvatura espacial diferente de zero e positiva. Outros aspectos quantitativos e qualitativos são discutidos com mais detalhes em Soares (2012).
Seja o tempo cósmico presente to e S(to) ≡ 1. Após a integração da equação diferencial mostrada no parágrafo anterior, o fator de escala no universo de de Sitter pode ser escrito como:
com H = c(Λ/3)1/2. O modelo de de Sitter representa um universo de idade infinita, em
expansão exponencial, com parâmetro de Hubble constante determinada pela constante cosmológica Λ e
pela velocidade da luz c.
De Sitter encontrou bastante resistência ao seu modelo, mesmo muitos anos depois de sua proposição. Um jornal holandês de 1930 exibiu uma charge onde ridicularizava a ideia desitteriana (ver Fig. 2).
Note que a charge está conceitualmente incorreta pois o universo de de Sitter é espacialmente plano e não curvo, como o balão que aparece na figura. Por outro lado, se o raio de curvatura do balão for muito grande (→ ∞), o universo de de Sitter pode ser imaginado como uma calota desta hiperesfera, pois ela será então aproximadamente plana.
O universo de de Sitter possui uma expansão acelerada, como pode ser visto na Fig. 3. Isto pode ser constatado de duas maneiras. Qualitativamente, a forma da curva S(t) apresenta a derivada temporal Ṡ, ou seja, a tangente à curva, cada vez maior à medida que o tempo passa. Quantitativamente, sabemos que a concavidade da curva para cima implica em que a derivada segunda de S é positiva, em outras palavras, Ṡ aumenta com o tempo. Note que todos os modelos clássicos de Friedmann possuem expansão desacelerada, o que pode ser verificado por estes mesmos raciocínios (ver Viglioni e Soares 2011).
O modelo de de Sitter tornou-se famoso por ser o primeiro modelo de expansão. A expansão era chamada na época de “efeito de Sitter”. Era um modelo bastante estranho, como vimos, pelo fato de não conter matéria, i.e., possuir densidade de matéria nula. É também importante salientar que o modelo de de Sitter possui constante de curvatura espacial nula.
Com o auxílio do parâmetro de densidade Ωm ≡ ρm/ρc e ΩΛ ≡ ρΛ/ρc, podemos escrever que o MPC obedece a relação Ωm + ΩΛ = 1. No instante presente t = to, escrevemos Ωmo + ΩΛo = 1, com Ωmo ≡ ρmo/ρco e ΩΛo ≡ ρΛo/ρco, sendo todas as grandezas avaliadas em t = to (mais detalhes em de Souza 2004, cap. 8).
A eq. 1 pode ser escrita em termos de Ωmo e ΩΛo. A equação diferencial resultante deve ser integrada para se obter S(t) para o MPC. A solução da integral resultante (de Souza 2004, eq. 8.4 1, pág. 269) nos fornece a função S(t):
, (4) |
onde Ho é a constante de Hubble em t = to, i.e., no instante presente. A Fig. 4 mostra a função S(t) com Ωmo = 0,3 e ΩΛo = 0,7, valores próximos dos valores adotados pelo MPC na literatura científica atual.
A idade deste universo é to = 1,45 × 2/(3Ho), como mostrado na figura. Para se obter o valor de 1,45 basta fazer S(t = to) = 1, Ωmo = 0,3 e ΩΛo = 0,7 na eq. 4. O valor de 2/(3Ho) corresponde à idade do modelo de Friedmann com Ωmo = 1 e ΩΛo = 0. Este modelo é conhecido como modelo de Friedmann crítico ou modelo de Einstein-de Sitter (cf. Soares 2009b).
Quanto maior o valor de ΩΛo, maior a idade do modelo. O MPC não permite liberdade total na escolha de ΩΛo, porque há evidências de que existe cerca de 30% de matéria no universo (Ωmo = 0,3). De qualquer forma, o valor de ΩΛo = 0,7 resulta em uma idade plausível para o universo. Quer dizer, a idade cosmológica é aproximadamente igual à idade dos objetos mais velhos de nossa galáxia (ver Soares 2009b e 2015b).
Incidentalmente, um modelo precursor do MPC foi o modelo semi-qualitativo do cosmólogo belga Georges Lemaître (1894-1966), proposto em 1947, e que possui três fases: (i) fase inicial de expansão desacelerada, (ii) fase de estagnação ou estática e (iii) fase final de expansão acelerada. Com exceção da fase estática, este modelo é uma réplica do MPC e permite a construção de modelos com idades compatíveis com as idades dos objetos mais velhos observados. O MPC possui, no lugar da fase de estagnação, uma fase rápida de transição de uma expansão desacelerada para uma acelerada, como vimos na Fig. 4 (ver mais detalhes em Soares 2015b).
Agora, é importante destacar que Ωmo = 0,3 significa que 30% de todo conteúdo de matéria-energia do universo está na forma de matéria, mas ela está dividida entre matéria bariônica (prótons e nêutrons) e matéria não bariônca (exótica). De fato, o MPC prevê aproximadamente 5% de matéria bariônica e aproximadamente 25% de matéria exótica, não bariônica. A matéria não pode ser toda bariônica, porque então a quantidade de matéria bariônica na época da síntese dos elementos químicos leves seria muito maior do que o necessário. Daí a previsão da existência de matéria exótica (mais detalhes em Soares 2013b e 2015a).
Finalmente, para comparação com os outros modelos apresentados, o MPC é um modelo com constante de curvatura espacial nula e densidade de matéria diferente de zero.
Os modelos de Einstein e de de Sitter tornaram-se tijolos basilares na construção do edifício teórico da cosmologia moderna.
Na década de 1920 surgiu a ideia de um universo em expansão. O universo estático de Einstein logo tornou-se apenas tema da história da cosmologia. Aparece frequentemente na literatura a afirmação de que Einstein teria dito, neste contexto, ter sido a constante cosmológica a maior de suas “mancadas”. Ora, como já proposto em Soares (2012, seção 4), a verdadeira grande mancada de Einstein não foi a adoção da constante cosmológica, mas sim a formulação de um modelo cosmológico instável. A constante cosmológica é perfeitamente aceitável na expressão da equação de campo da TRG, não representado qualquer erro, do ponto de vista formal.
Os três modelos com Λ apresentados na seção 3 podem ser caracterizados pelas suas geometrias espaciais e pelos seus conteúdos de matéria.
Agradecimento – As figuras 3 e 4 foram confeccionadas em um dos computadores do Instituto
Astronômico Kapteyn, Groningen, Holanda, sob os auspícios do Prof. Reynier Peletier.
E. Harrison, Cosmology – The Science of the Universe (Cambridge University Press, Cambridge, 2000).
D. Soares, Joel Primack e a imagética da escuridão (www.fisica.ufmg.br/dsoares/wish/primack-img.htm, 2015a).
D. Soares, O dilema da idade do universo (www.fisica.ufmg.br/dsoares/UAI/idade.htm, 2015b).
D. Soares, RBEF 35, 3302 (2013a), www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/353302.pdf.
D. Soares, COSMOS:22out13 (www.fisica.ufmg.br/dsoares/cosmos/13/cosmos18.htm, 2013b).
D. Soares, RBEF 34, 1302 (2012), www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/341302.pdf.
D. Soares, Uma pedra no caminho da Teoria da Relatividade Geral (www.fisica.ufmg.br/dsoares/ensino/trg-pdr.pdf, 2009a).
D. Soares, A idade do universo, a constante de Hubble e a expansão acelerada (www.fisica.ufmg.br/dsoares/ageunv/idadeunv.pdf, 2009b).
D. Soares, COSMOS:12mar07 (www.fisica.ufmg.br/dsoares/cosmos/07/cosmos0.htm, 2007).
D. Soares, Comentários e errata (www.fisica.ufmg.br/dsoares/desouza.pdf, 2006).
R.E. de Souza, Introdução à Cosmologia (EDUSP, São Paulo, 2004).
M. Turner, Dark Matter and Dark Energy: The Critical Questions (arxiv.org/abs/astro-ph/0207297, 2002).
A. Viglioni e D. Soares, RBEF 33, 4702 (2011), www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/334702.pdf.
S. Weinberg, Gravitation and Cosmology: Principles and Applications of the General Theory of Relativity (John Wiley & Sons, Inc., New York, 1972).
1Note que o numerador do integrando, na eq. 8.4, deve ser corrigido para R1/2dR [ver outras anotações referentes a de Souza (2004) em Soares (2006)]. Volta.