Uai, de why!...

Domingos S.L. Soares
Departamento de Física, ICEx, UFMG -- C.P. 702
30.161-970, Belo Horizonte

08 de outubro de 1999
 
(Publicado no Boletim Informativo PET/CAPES,
Física -- UFMG, setembro de 1999)

De onde veio ``uai'', a típica expressão do linguajar mineiro? Esta pergunta já deve ter sido feita por muitos, e uma das mais conhecidas respostas é a de que originou-se, de alguma forma, da palavra inglesa why. A forte presença britânica em nosso estado, em tempos passados, justifica satisfatoriamente a afirmativa, apesar de seu carácter especulativo. Ao espírito científico deve-se dar uma satisfação teórica, ou uma evidência experimental, em suporte à resposta mencionada acima.

Tratarei aqui de duas evidências experimentais que mostram, sem sombras de dúvidas, a exatidão da explicação corrente para a origem da famosa expressão.

A primeira delas encontra-se no prefácio de I. Bernard Cohen à edição da Dover Publications, 1979, da grande obra de Isaac Newton intitulada Opticks. Este livro, publicado, na sua quarta edição, em 1730, Londres, tem o detalhado subtítulo A Treatise of the Reflections, Refractions, Inflections & Colours of Light, e constitui-se, ainda nos nossos dias, em luminosa fonte de inspiração científica. 0 plano geral da obra é simples, a saber, divide-se em Book One of the Opticks, Book Two of the Opticks e Book Three of the Opticks. Ao final do livro três, como que a evitar uma extensão ad infinitum do plano original, o grande cientista de Cambridge escreve: ``I shall conclude with proposing only some Queries, in order to a farther search to be made by others". Segue-se um rol de 31 questões científicas, as quais demonstram, no mesmo número de vezes, a genialidade do autor.

Vamos então ao primeiro uai. À página xxxiii do prefácio, Cohen chama a atenção do leitor para um fato curioso. Avesso a controvérsias, Newton escolhera a forma de questões para expor algumas de suas hipóteses científicas. Mas o fizera em interrogações negativas! A razão para isto é sugerida por Cohen:

The question form may have been adopted in order to allay criticism, but it does not hide the extent of Newton's belief. For every one of the Queries is phrased in the negative! Thus Newton does not ask in a truly interrogatory way (Qu. 1 ): ``Do Bodies act upon Light at a distance...?'' -- as if he did not know the answer. Rather, he puts it: ``Do not Bodies act upon Light at a distance...?" -- as if he knew the answer well -- ``Why, of course they do!".

A segunda evidência experimental da conexão why-uai aparece em um texto do renomado e polêmico astrônomo norte-americano Halton Arp, reconhecido especialmente pelo Atlas of Peculiar Galaxies, de sua autoria. Em seu livro Quasars, Redshifts and Controversies (editado pela Interstellar Media, 1987), trata intensivamente da questão não-ortodoxa da existência de deslocamentos para o vermelho (redshifts -- observados nos espectros eletromagnéticos de objetos extragalácticos) não-cosmológicos, portanto não indicadores das distâncias até os objetos, como estabelece a Lei de Hubble. Como se sabe, a lei descoberta por outro grande astrônomo norte-americano, Edwin Hubble, constitui-se na base dos modelos cosmológicos padrões para a formação e evolução do universo observável. Entre outros aspectos, Arp discute a possibilidade, também não-ortodoxa, de que os braços, em galáxias espirais, sejam formados a partir de ejeções de material (jatos) a partir das regiões nucleares das galáxias. Neste quadro, uma onda de choque poderia se desenvolver no disco galáctico, devido ao movimento supersônico do material ejetado, e na extremidade do jato poder-se-ia ter, especula Arp, a formação de galáxias companheiras. Tais tipos de associações são realmente observados, mas a interpretação geralmente aceita é a de que trata-se de uma superposição acidental, no plano do céu, de duas galáxias bastante afastadas na linha de visada. Esta visão é corroborada pelo fato de que as galáxias presentes nestas associações apresentam frequentemente deslocamentos para o vermelho bastante diferentes, o que não se esperaria para objetos próximos (se os deslocamentos para o vermelho são indicadores de distâncias -- Lei de Hubble). Arp recusa a hipótese de superposição acidental por considerá-la estatisticamente pouco provvel: o acaso não pode ser responsável pelo considerável número de ocorrências de tais associações.

À página 154 do livro de Arp encontramos o segundo uai. 0 autor discute a hipótese das ejeções em galáxias espirais:

In which directions then do spiral eject? Well, perhaps they can eject in any direction. When it is along the minor axis, the ejecta escape out of the plane without significant interaction. When ejection occurs in the plane, the ejection gives birth to spiral arms and -- because the ejecta are slowed by their interaction with material in the plane -- they do not escape very far from the originating galaxy. What should we expect in this latter case? Why, companions on the ends of spiral arms, in some cases!

De onde então veio ``uai"? As duas evidências apresentadas acima são fortes o suficiente para que possamos responder com segurança: ``Uai, de why!..."

Domingos S.L. Soares

v1.0 -- 27/12/1993



Domingos Sávio de Lima Soares
Fri Oct 8 14:30:39 EST 1999