Palestra na Escola Estadual Cesário Alvim


Domingos Soares

10 de novembro de 2019


1. Introdução

A Escola Estadual Cesário Alvim é uma escola pública de Belo Horizonte dedicada aos anos iniciais (1º ao 5º ano) e finais (6º ao 9º ano) do ensino fundamental. A minha filha Rúbia Soares é professora (português e apoio para estudantes com necessidades especiais) na escola e pediu-me que apresentasse uma palestra sobre astronomia para os alunos de duas turmas do 4º ano, os quais têm, em sua maioria, 10 anos de idade.

Para a definição do tema da palestra, solicitei à Rúbia que me informasse sobre quais assuntos de astronomia estes alunos já haviam estudado. As professoras regentes de turmas já haviam discutido conteúdos de planetas e algo sobre a Via Láctea. Imediatamente defini o tema: O Reino das Galáxias! A palavra chave na minha decisão foi Via Láctea e o meu desejo de que os alunos jovens já comecem a se inteirar da enormidade do cosmos. E não me arrependi da escolha do tema, como descreverei a seguir.

A palestra foi programada para o dia 5 de novembro passado, às 14 horas, com a duração prevista de 1 hora. Nesse dia, cheguei à Escola, onde fui recebido pela minha filha e conduzido ao gabinete da diretora, Profª Lurdes. Fui saudado com bastante cortesia e imediatamente passei às mãos da diretora um exemplar de meu livro O Reino das Galáxias, como doação para o acervo da Biblioteca da Escola.

Seguimos imediatamente para a Biblioteca, agora acompanhados do Prof. João, que me auxiliaria na utilização da aparelhagem de multimídia. Lá encontramos as duas turmas e as professoras Ana e Sara, além da professora de apoio Elaine. Os estudantes estavam organizados no assoalho da Biblioteca. O Prof. João já providenciava o equipamento e regulava a projeção de minha palestra na tela. A figura 1 mostra o ambiente da Biblioteca em fotografias tomadas pela Rúbia.



Figura 1

A Biblioteca da EE Cesário Alvim foi o local da palestra. O Prof. João controla o equipamento e os alunos ouvem atentamente a exposição.


Passarei agora a descrever alguns dos assuntos que foram abordados na palestra. O meu plano inicial não pode ser atingido completamente, porque os alunos são extremamente curiosos e eu não achei conveniente restringir o número de perguntas. O resultado foi excelente, no entanto.

2. A palestra

Comecei a palestra pelo fim. Ou seja, fui direto ao Campo Profundo Extremo do Hubble e impressionei os alunos com a enormidade do cosmos. Fomos obrigados a falar muito sobre milhares, milhões e bilhões… Valeu a pena esta discussão inicial. Passei então à apresentação de O Reino, já cientes da existência de centenas de bilhões de galáxias no universo — algumas parecidas com a Via Láctea outras não.

O universo é, portanto, imenso e precisamos de uma régua conveniente para expressar as distâncias. O ano-luz é a unidade mais conveniente nestes casos de exposição introdutória do assunto. Era imprescindível que os alunos, antes de mais nada, se convencessem de que a luz possui uma velocidade. E comecei por aí.

Depois, antes de entrar no tema propriamente dito, quis apresentar algo “astronomicamente” prático e desenvolvi a ideia de realizar um eclipse artificial da Lua, cuja fase cheia ocorreria no próximo dia 12 de novembro. E se fosse possível, aproveitaria para discutir alguns fundamentos do fenômeno da paralaxe. Não foi possível por causa dos inúmeros outros assuntos discutidos. De qualquer forma, a ideia de olhar para o polegar com o braço esticado é muito apropriada também para a apresentação inicial da paralaxe. Fica a sugestão para os professores.

Passei em seguida à apresentação de alguns aspectos da Via Láctea, tendo como apoio uma célebre fotografia do astrofotógrafo japonês Akira Fujii.

Em seguida Hubble e Henrietta Leavitt e a descoberta das galáxias.

2.1. Centenas de bilhões de galáxias

Sempre que falo sobre O Reino das Galáxias, que é outro nome para universo, gosto de começar pelo que de mais avançado temos em termos de galáxias, a saber, as observações profundas (ou de longuíssimo tempo de exposição) do Telescópio Espacial Hubble, o chamado Campo Profundo Extremo do Hubble. É por isso que digo que começo pelo fim. A humanidade trilhou um longuíssimo caminho científico até chegar na imagem mostrada na figura 2. Algumas das galáxias que lá aparecem podem ser comparadas à Via Láctea, outras são bem diferentes e aparecem como manchas disformes. Nesta pequena área do céu, correspondente a 1/100 (um centésimo) da área aparente da Lua cheia, os astrônomos contaram 10.000 galáxias.

Supondo que esta área do céu, localizada na constelação da Fornalha, seja representativa de toda a abóbada celeste, chega-se à conclusão de que devem existir pelo menos 125 bilhões de galáxias no universo. A conta é simples: basta multiplicar 10.000 vezes tantas quantas áreas do Campo Profundo Extremo do Hubble sejam necessárias para recobrir toda a abóbada celeste.



Figura 2

Campo Profundo Extremo do Hubble, imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble em 2003 e 2004 e reapresentada em 2013. A área do céu que aparece na imagem possui uma extensão equivalente a 10% do diâmetro da Lua cheia.


2.2. A velocidade da luz

Da mesma maneira que uma bola de futebol possui velocidade ao se mover desde o pé de um jogador, a luz também tem velocidade. O astrônomo italiano Galileu Galilei, que viveu nos séculos XVI e XVII, foi o primeiro a realizar uma experiência para medir a velocidade da luz. Galileu entregou um lampião aceso, porém coberto com uma proteção, a seu assistente e pediu que ele se afastasse por alguns quilômetros. Galileu também tinha um lampião aceso e coberto. O procedimento foi o seguinte: o assistente descobre o seu lampião, Galileu ao ver a luz descobre o seu e o assistente tem a tarefa adicional de medir o tempo transcorrido desde o instante em que ele descobre o seu lampião até o instante em que vê a luz do lampião de Galileu. Resultado da experiência: o assistente não conseguiu registrar o tempo transcorrido, pois a visão da luz do lampião do mestre foi praticamente simultânea à descoberta de seu próprio lampião. Galileu concluiu que se a luz tem uma velocidade ela deve ser muito grande.

De fato, a luz leva aproximadamente 8 minutos para vir do Sol até a Terra, cerca de 1 segundo da Lua até a Terra, aproximadamente 3 minutos de Marte até a Terra e 5 horas do planeta anão Plutão até nós.

E o ano-luz? É a distância percorrida pela luz em 1 ano, ou seja, 9 trilhões de quilômetros. Depois do Sol, a estrela mais próxima de nós fica a 4 anos-luz.

2.3. O eclipse da Lua pelo dedo polegar

A figura 3 mostra as posições relativas da Terra, Lua e Sol por ocasião de um eclipse. O eclipse total do Sol ocorre porque o tamanho aparente da Lua no céu é igual ao tamanho aparente do Sol, como mostra a figura. O tamanho aparente da Lua e do Sol é de aproximadamente meio grau. O grau representa uma maneira de medir o tamanho aparente, assim como o centímetro uma maneira de medir o tamanho verdadeiro.



Figura 3

Os tamanhos aparentes da Lua e do Sol quando vistos da Terra pelo observador em O são aproximadamente os mesmos, ou seja, dS/DS ≈ dL/DL ≈ 0,5 grau.


Podemos fazer um eclipse da Lua de brincadeira usando o nosso dedo polegar. Para isto precisamos saber qual é o tamanho aparente de nosso polegar. Se ele for maior do que 0,5 grau, então poderemos fazer um eclipse da Lua cheia!

A figura 4 mostra quais as medidas devemos fazer para calcular o tamanho aparente de nosso polegar.



Figura 4

O tamanho aparente do polegar é dado pela razão d/D.


Para o meu polegar, encontrei D=70 cm e d=2,5 cm. No dia da palestra, a estudante Letícia se ofereceu como voluntária para a experiência e encontramos, com o auxílio de sua professora, D=40 cm e d=1,3 cm. Como calcular os tamanhos aparentes dos nossos polegares em graus? Basta calcular d/D e multiplicar por 60. Encontramos:

Letícia – (1,3/40) × 60 = 1,9 grau

Domingos – (2,5/70) × 60 = 2,1 graus

Como estamos vendo, tanto o polegar de uma criança quanto o de um adulto têm aproximadamente 2 graus de tamanho aparente, o que é 4 vezes maior do que o tamanho aparente da Lua cheia. Então, na próxima Lua cheia, a tarefa é fazer um eclipse da Lua com o seu polegar! Como fazer isto? Estique o seu braço, levante o polegar, feche um olho e, lentamente, passe o polegar sobre a Lua avistada no céu. Você conseguirá facilmente eclipsar a Lua, pois como vimos o tamanho aparente do seu polegar é bem maior do que o tamanho aparente da Lua cheia.

2.4. A Via Láctea

Antes de descobrirmos as galáxias vamos dar uma olhadinha em nossa Via Láctea. A figura 5 mostra uma belíssima foto de um terço de toda a Via Láctea, feita pelo astrofotógrafo japonês Akira Fujii. Durante a palestra, mostrei a foto e perguntei: “— Alguém reconhece alguma coisa nesta foto de parte da Via Láctea?” Para minha surpresa, escutei várias respostas de “— Três Marias!” Certamente aqui vemos os dedos das professoras, que estão de parabéns. Então quis saber onde estavam as Três Marias na fotografia.


Figura 5

Fotografia de 1/3 da Via Láctea obtida por Akira Fujii, onde podem ser vistas as Nuvens de Magalhães e as estrelas que apontam para elas, Sirius e Canopus. O Cruzeiro do Sul e as Três Marias também estão na imagem.


O primeiro voluntário apontou as três estrelas mais brilhantes da foto, Sirius, Canopus e Rigel, esta de Órion. Chamei outro. Este também apontou outras três estrelas, que não eram as Marias. E a terceira estudante acertou. Foi correndo para a tela e apontou corretamente o “cinturão de Órion”, que é formado pelas Três Marias. Foi uma grande satisfação perceber os alunos fazerem a associação do céu com uma imagem fotográfica, e com sucesso identificarem algo existente na natureza com sua representação tecnológica.

2.5. A descoberta das galáxias

A descoberta das galáxias foi realizada pelo astrônomo Edwin Hubble, nos primeiros anos da década de 1920, utilizando uma “régua cósmica” descoberta pela astrônoma Henrietta Leavitt alguns anos antes. A régua inventada por Henrietta é chamada pelos astrônomos de lei de Leavitt e ela permite calcular a distância até estrelas muito distantes.



Figura 6

Edwin Hubble (1889-1953) e Henrietta Leavitt (1868-1921).


Hubble utilizou a lei de Leavitt para calcular a distância até as estrelas de algumas “nuvens de estrelas” e descobriu que as distâncias até as estrelas destas “nuvens” eram muito maiores do que o tamanho de nossa Via Láctea. Ele concluiu então que estas “nuvens de estrelas” não pertenciam à Via Láctea, mas eram galáxias, conjuntos independentes de estrelas, muito distantes de nós! Estavam assim descobertas as galáxias.

O astrônomo Edwin Hubble foi homenageado pelas agências espaciais americana e europeia, que deram o seu nome para o Telescópio Espacial, que foi colocado em órbita da Terra em 1990 e até hoje está funcionando.

3. Outros assuntos

Apresento aqui algumas discussões que surgiram ao longo da palestra e que foram consideradas de forma rápida, de maneira a não prejudicar o andamento do tema principal da palestra.

4. Considerações finais

O roteiro da palestra está disponível em O Reino das Galáxias.

Apresento abaixo uma lista de artigos que podem ser interessantes para os professores no ensino fundamental, ao abordarem conteúdos de ciências. O primeiro deles narra um episódio escolar, que tem a interferência de um experiente professor universitário e acaba por resultar de forma surpreendente numa discussão astronômica. O segundo narra as aventuras de um menino simples em meio às artificialidades de uma escola nem sempre bem preparada. O terceiro apresenta uma entrevista fictícia com um dos maiores sábios do século XVI, o astrônomo Tycho Brahe. Esta pode ser uma ideia a ser reinventada com outros personagens, cientistas ou não, em sala de aula. Por exemplo, ensinar história, geografia e astronomia entrevistando o navegador português Fernão de Magalhães. O último apresenta um assunto astronômico bastante controverso para crianças de 4 anos, motivado pelo tema de pesquisa da turma de minha sobrinha-neta Helena.

Finalmente, uma sugestão de atividade externa para os alunos da 4ª série: uma visita ao Planetário do Espaço do Conhecimento da UFMG, localizado na Praça da Liberdade. Será uma experiência inesquecível para eles.

Bibliografia

Frei Betto, Pedaço de estrela, Alfabetto, Autobiografia Escolar, Editora Ática, 248 páginas, 2002

Rodolpho Caniato, ATO DE FÉ OU CONQUISTA DO CONHECIMENTO? Um episódio na vida de Joãozinho da Maré, Boletim da Sociedade Astronômica Brasileira, ano 6, nr. 2, p. 31, 1983

Alexandre Medeiros, Entrevista com Tycho Brahe, A Física na Escola, vol. 2(2), p. 20, 2001

Domingos Soares, O buraco negro, www.fisica.ufmg.br/dsoares/extn/brcs/bn.htm


Agradecimento – Agradeço à minha filha Profª Rúbia Soares pelo convite para a palestra para os alunos da Escola Estadual Cesário Alvim, que se revelou uma experiência extraordinária. Agradeço-a também pela leitura cuidadosa deste texto e pelas sugestões que contribuíram para melhorá-lo.




Atualização: 13nov19


Leia outros artigos em www.fisica.ufmg.br/~dsoares/notices.htm.