Aquecimento global: ação humana?


Domingos Soares

01 de novembro de 2012



O aquecimento global, i.e., o aquecimento generalizado da superfície e atmosfera terrestres no decorrer dos últimos anos é uma realidade inquestionável. Não apresentarei aqui as evidências científicas deste fenômeno pois as mesmas são facilmente encontradas e estão solidamente estabelecidas. Não discutirei também as causas do aquecimento global. Existe uma grande controvérsia neste aspecto. Será o aquecimento causado pela evolução secular das atividades geológicas e solares, ou pelo efeito cumulativo da ação humana na produção de gases, especialmente CO2, os quais seriam responsáveis por um desequilíbrio do efeito estufa terrestre?

Diverso é o meu objetivo. Apresentarei evidências quantitativas simples para a justificativa da negação da ação humana como responsável pela atual catástrofe por que passa a humanidade. É óbvio que a atividade predatória da humanidade na destruição e contaminação do meio ambiente deve ser reduzida a qualquer custo. Mas não se pode de imediato debitar a esta atividade o aquecimento global. Ou, dito de outra forma: existem razões paupáveis para duvidarmos de que a ação humana seja a grande vilã no fenômeno do aquecimento global. Utilizarei a simples física do ensino médio e alguns dados da bibliografia relevante para mostrar através de alguns números que a ação humana é pequena quando comparada à magnitude dos outros atores envolvidos, quais sejam, o planeta como um todo, os oceanos e a atmosfera terrestre.

Efeito estufa

O efeito estufa é o aquecimento da superfície da Terra e da camada inferior da atmosfera devido à retenção da radiação infravermelha proveniente do Sol por alguns gases presentes na atmosfera. Os principais gases responsáveis pelo efeito estufa, ou gases-estufa, são os seguintes, em ordem de importância: vapor d'água, dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Estes dois últimos são muito mais eficazes que o CO2 como gases-estufa, mas as suas quantidades na atmosfera são desprezíveis quando comparadas às do vapor d'água e do CO2.

O CO2 é o único destes gases que é produzido copiosamente pelas atividades humanas. De acordo com o Prof. Nilton José Sousa, da Universidade Federal do Paraná, desde 1860 os seres humanos lançaram cerca de 175 Gt (1 Gt = 1 gigatonelada = 1 bilhão de toneladas) de CO2 na atmosfera (cf. www.floresta.ufpr.br/~lpf/efeitoestufa.html). Incidentemente, a Revolução Industrial começou na Inglaterra por volta de 1760. Então, estamos falando da produção humana de CO2 nos últimos 150 anos. Esta quantidade será pouco afetada pela produção nos primeiros 100 anos da Revolução Industrial.

A nossa hipótese de trabalho é que a ação humana sobre o aquecimento global pode ser quantificada por 175 Gt de CO2 produzidas nos últimos 150 anos. O CO2 atua tornando-se parte da atmosfera terrestre, contribuindo para o efeito estufa, e dissolvido nas águas dos oceanos gerando transformações no meio ambiente marinho. A seguir, calcularemos a massa total dos oceanos e da atmosfera terrestre para fazermos uma comparação entre estas massas, e assim termos uma idéia da magnitude potencial do CO2 produzido pelas atividades humanas.

Oceanos e atmosfera

Como dito acima, o CO2 produzido pela humanidade contamina tanto os oceanos quanto a atmosfera terrestres, e lá atua com os seus efeitos danosos, especialmente o efeito estufa, no caso da atmosfera. Vamos agora calcular as massas dos oceanos e da atmosfera para vermos quão grandes elas são em comparação com 175 Gt de CO2 produzidos nos últimos 150 anos.

A massa total dos oceanos pode ser calculada pelo produto da área dos oceanos × profundidade média dos oceanos × densidade da água salgada. Sabemos que os oceanos cobrem cerca de 70% da superfície terrestre e que a sua profundidade média é de aproximadamente 4.000 metros. A densidade da água salgada é 1,03 g/cm3. A massa dos oceanos resulta então em aproximadamente 1 bilhão de Gt.

A atmosfera exerce uma pressão sobre a superfície terrestre que pode ser facilmente medida. Ela vale 101.000 Pa, onde Pa é a abreviação de pascal, a unidade de pressão no Sistema Internacional de unidades de grandezas físicas (SI). Ora, pressão é força sobre área. A força é dada pelo peso total da atmosfera e a área é a área total da superfície terrestre. O produto da pressão × área do globo terrestre é igual ao peso total da atmosfera terrestre. Do seu peso obtemos a sua massa que é aproximadamente 5 milhões de Gt.

Mais alguns números: a massa total da Terra é 6.000 bilhões de Gt e a massa total da população humana, atualmente, é igual a 7 bilhões × 70 kg, ou, 0,5 Gt.

Todas as massas discutidas acima estão listadas abaixo, expressas em gigatoneladas (Gt).

Todo o CO2 produzido pela ação humana nos últimos 150 anos representa 0,00002% da massa dos oceanos e 0,004% da massa da atmosfera terrestre. A população humana representa porcentagens 2 × 175 = 350 vezes menores do que estas. A massa da Terra serve para ilustrar como o problema do aquecimento global é irrelevante para o planeta em si, apesar de ser uma questão de vida e morte para a humanidade. Estes números mostram que é bastante razoável duvidar-se de que a ação humana seja a principal responsável pelo efeito. É importante ressaltar que não reivindico a demonstração de que o homem não tem influência no fenômeno mas apenas que é razoável ter-se esta dúvida.

Curiosamente, há pouco mais de 5 anos eu fiz uma crítica a um artigo sobre o aquecimento global, publicado no JC e-mail da SBPC, que apresentava esta mesma dúvida — que agora defendo — e que na época me pareceu injustificável. O meu comentário está aqui.

Como resolver este dilema? Ação humana ou fenômeno da evolução normal do planeta? A primeira sugestão que me ocorre é a utilização de um traçador (ou marcador) de temperatura ambiente que seja insensível à atividade humana, i.e., ao efeito estufa. A segunda é a simulação computacional de um ambiente similar ao terrestre submetido às proporções de massas semelhantes às discutidas acima.



Agradecimento – Este artigo foi publicado também no Fóton Blog, que é uma iniciativa do Prof. Antônio Arapiraca, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET, Curvelo/MG) e no JC e-mail, boletim eletrônico da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.


Leia outros artigos em www.fisica.ufmg.br/~dsoares/notices.htm.