Passeio de Galáxias de Virgem


Domingos Soares

16 de fevereiro de 2016



Resumo

Proponho um modelo em escala de um sistema de galáxias — um Passeio de Galáxias. O sistema real reduzido é o aglomerado de galáxias de Virgem, a partir da Via Láctea, localizada em sua periferia, até o seu centro, aproximadamente onde se situa a galáxia elíptica gigante M87. O “Passeio de Galáxias de Virgem” serve como motivação para um contato informal com a astronomia extragaláctica, a exemplo do que já ocorre em relação à astronomia do sistema solar através dos passeios planetários existentes em vários locais.



1. Introdução

A utilização de modelos em escala para o ensino, de modo geral, é muito difundida. Particularmente, modelos em escala do sistema solar são bastante comuns, tanto em escala de tamanho de uma mesa de sala de aula, quanto em escalas maiores da ordem de quilômetros. Neste último caso, podemos citar o modelo planetário de St.-Luc na Suíça, com 6 km, o do Museu de Ciência de Boston nos Estados Unidos, 15 km, e o Passeio Planetário Carl Sagan em Ithaca, estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos com 1,2 km (ver detalhes em Aguirre e Lyster 1998). Todos estes modelos incluem em seus roteiros Plutão que ainda não havia sido reclassificado como planeta anão nas datas de suas criações.

Inspirado nestes modelos, especialmente no Passeio Planetário Carl Sagan (ver Soares 2011, 2015), de que tomo emprestado a terminologia de “estação” para as paradas do passeio, e no “Flight to the Virgo cluster” (“Voo ao aglomerado de Virgem”) do astrônomo canadense R. Brent Tully (Tully 2003), proponho o “Passeio de Galáxias de Virgem” (daqui para frente referido como PGV). O PGV é um modelo em escala do aglomerado de Virgem desde a sua periferia, onde se situa o Grupo Local de galáxias, e nele a Via Láctea, até o centro do aglomerado de Virgem representado pela fabulosa galáxia gigante elíptica Messier 87, também conhecida como NGC 4486 e radiofonte Virgem A, a mais poderosa fonte de ondas de rádio do aglomerado de Virgem.

Assim como os passeios planetários solares representam o nosso lar planetário, o PGV representa o nosso lar extragaláctico, ou seja, o lar do grupo de galáxias onde está a nossa Via Láctea. O PGV torna-se, portanto, uma excelente ferramenta para a aproximação das pessoas ao domínio dos objetos astronômicos extragalácticos.

A próxima seção apresenta as 11 estações do PGV, apresenta algumas características de cada galáxia e do aglomerado de Virgem. A seção final conclui com algumas considerações adicionais.

2. O Passeio

O aglomerado de galáxias de Virgem é um enorme grupo de aproximadamente 2.000 galáxias, reunidas pela atração gravitacional mútua. O seu nome vem da região da esfera celeste onde se situa, a saber, na constelação zodiacal de Virgem. A galáxia da Via Láctea localiza-se na periferia de aglomerado de Virgem no Grupo Local.

O Grupo Local de galáxias e o aglomerado de Virgem são parte de uma aglomeração maior denominada “Superaglomerado Local” ou “Superaglomerado Laniakea”. Laniakea é um termo havaiano que significa “céu imensurável” e foi cunhado por R. Brent Tully, mencionado acima e que é da Universidade do Havaí (Tully et al. 2014; ver também vídeo ilustrativo sobre Laniakea que acompanha o artigo).

O PGV inicia-se na Via Láctea (Soares 2008) e termina no centro do aglomerado de Virgem em M87 (Soares 2009). Ele constitui-se de 11 estações, cada uma delas representada por uma galáxia, 5 delas do Grupo Local e 6 do aglomerado de Virgem. As galáxias do Grupo Local foram escolhidas pela sua proeminência óbvia, i.e., são as mais conhecidas do Grupo. As galáxias de Virgem foram escolhidas, à exceção de M87 no centro, de modo a abranger uma variedade de distâncias mais ou menos uniforme entre o Grupo Local e M87. O Passeio está mostrado na Tabela I e na figura 1. O Passeio aqui exemplificado possui 4 km, o que corresponde a uma escala em extensão de 54×106 ano-luz/4 km = 130 bilhões de bilhões por 1 (cf. dados da estação 11).


Tabela I – Passeio de Galáxias de Virgem

Estação Galáxia Distânciaa da
Via Láctea (ano-luz)
Distânciab em
escala (metro)
1 Via Láctea
2 GNMc 0,16×106 (904) 12
3 PNMd 0,20×106 (518) 15
4 Andrômeda (M31) 2,6×106 (325) 190
5 Triângulo (M33) 2,9×106 (119) 210
6 IC 3718 22×106 (1) 1.600
7 NGC 4488 26×106 (1) 1.900
8 NGC 4064 33×106 (14) 2.400
9 NGC 4438 44×106 (5) 3.200
10 M49 52×106 (63) 3.800
11 M87 54×106 (103) 4.000

Notas: (a) Distâncias médias extraídas de NASA/IPAC Extragalactic Database (NED); o número entre parênteses é o número de distâncias encontradas em NED (consulta realizada em fevereiro de 2016). (b) Escala em que a distância Via Láctea–M87 é 4.000 m. (c) Grande Nuvem de Magalhães. (d) Pequena Nuvem de Magalhães.




Figura 1

Passeio de Galáxias de Virgem mostrado de forma a se ter uma sensação das distâncias entre as galáxias do Passeio. Os dois círculos externos representam as cinco galáxias do Grupo Local. As linhas mais grossas que traçam estes dois círculos indicam que as distâncias entre as galáxias, nesta escala, são muito pequenas. O círculo mais externo representa a Via Láctea e as Nuvens de Magalhães e o próximo círculo as galáxias do Triângulo (M33) e Andrômeda (M31).


As distâncias extraídas de NED são valores médios de medidas não relacionadas aos desvios para o vermelho das galáxias, i.e., eles representam as distâncias reais até os objetos. As distâncias obtidas pela aplicação da lei de Hubble aos desvios para o vermelho não são as distâncias físicas porque os desvios para o vermelho estão contaminados pelos movimentos peculiares das galáxias, tanto no aglomerado de Virgem, quanto no Grupo Local. Os métodos utilizados para a determinação das distâncias são variados e utilizam propriedades físicas diversas. Alguns destes métodos são mencionados a seguir apenas para ilustração e o leitor interessado em mais detalhes poderá facilmente encontrá-los na literatura científica especializada: método das estrelas mais brilhantes, das variáveis cefeidas, do diagrama cor-magnitude, da função de luminosidade de aglomerados globulares, das estrelas novas, da ponta do ramo das gigantes vermelhas, de Tully-Fisher, de Faber-Jackson, etc. (alguns deles foram utilizados, por exemplo, na obtenção das 103 medidas de distância de M87 catalogadas no NED — ver ned.ipac.caltech.edu/cgi-bin/nDistance?name=M87).

A figura 2 mostra um mapa com as 600 galáxias mais brilhantes do aglomerado de Virgem preparado por Powell (2006). As 6 galáxias que fazem parte do Passeio estão assinaladas e podem ser confrontadas com os dados da Tabela I.



Figura 2

As 600 galáxias mais brilhantes do aglomerado de galáxias de Virgem segundo Powell (2006). As galáxias do PGV estão assinaladas. Note que a proximidade das galáxias entre si no mapa não significa necessariamente proximidade física, mas apenas proximidade aparente projetada no plano do céu. Por exemplo, M87 e NGC 4438, muito próximas no mapa, estão na realidade bastante separadas; o mesmo ocorre com M49 e NGC 4488 (cf. Tabela I). A barra branca que aparece no canto inferior direito indica a escala do mapa: 1 grau, equivalente a duas vezes o diâmetro aparente da Lua Cheia. O aglomerado de Virgem ocupa uma área circular projetada no céu de aproximadamente 10 graus de diâmetro. Â distância do aglomerado 1 grau é equivalente a 1×106 ano-luz. (Crédito: Richard Powell).


As figuras 3 a 8 mostram as 11 galáxias que fazem parte do PGV. Uma breve nota sobre cada uma delas aparece nas legendas das figuras.



Figura 3

Primeira estação, Via Láctea, uma galáxia espiral vista de perfil. No alto, fotografada no visível e em baixo no infravermelho. A imagem no visível privilegia as estrelas jovens, de grande massa e muito brilhantes. Deve-se notar as faixas e bandas escuras constituídas de poeira interestelar, que obstruem a luz das estrelas. A imagem no infravermelho mostra, principalmente, as estrelas de pequena massa, muito velhas, responsáveis pela maior parte da massa estelar da Via Láctea. O Sol está entre elas (Soares 2008). Uma pergunta: estaríamos nós — o Sol — em algum local destas imagens? [Créditos: ESO/S. Brunier (visível) e NASA/COBE-DIRBE].




Figura 4

À esquerda, a segunda estação, a Grande Nuvem de Magalhães (GNM). À direita, a terceira estação, a Pequena Nuvem de Magalhães (PNM). Ambas são galáxias satélites da Via Láctea. GNM é uma espiral barrada, com algumas irregularidades. PNM é uma galáxia irregular. Elas são galáxias anãs e possuem massas muito menores do que a massa da Via Láctea (Soares 2007). [Créditos: NASA/Ames Research Center (LMC) e DSS/Digitized Sky Survey].




Figura 5

À esquerda, a quarta estação, M31, a Grande Nebulosa de Andrômeda, é uma galáxia espiral, a maior galáxia do Grupo Local. À direita, a quinta estação, M33, a galáxia do Triângulo, outra galáxia espiral, também pertencente ao Grupo Local e a terceira em massa do grupo (Soares 2008). [Créditos: Robert Gendler (M31) e AAO/D. Malin].




Figura 6

À esquerda, a sexta estação, IC 3718, uma galáxia espiral. À direita, a sétima estação, NGC 4488, galáxia espiral barrada. (Créditos: DSS/Digitized Sky Survey).




Figura 7

À esquerda, a oitava estação, NGC 4064, galáxia espiral barrada. À direita, NGC 4435 e NGC 4438, um par de galáxias interagente conhecido como “Os Olhos”. NGC 4438, a nona estação e a maior do par, é uma galáxia espiral perturbada pela interação. [Créditos: SDSS/Sloan Digital Sky Survey (NGC 4064) e Ken Crawford].




Figura 8

À esquerda, a décima estação, M49, galáxia elíptica gigante. À direita, M87, a estação final do PGV, é uma galáxia elíptica gigante, que apresenta enorme atividade energética, sendo fonte potente de raios X e de ondas de rádio (cf. Soares 2009). [Créditos: DSS/Digitized Sky Survey (M49) e AAO/D. Malin].


3. Considerações finais

O PGV apresentado na Tabela I supõe a distância Via Láctea-M87 de 4.000 m. Qual seria a extensão mínima para o Passeio, que ainda possibilitasse uma identidade para cada galáxia, principalmente as do Grupo Local? Este limite mínimo deve permitir que haja espaço para que as 5 galáxias do Grupo Local possam ser apresentadas em escala reduzida, de modo a se poder ver detalhes de sua estrutura morfológica. Com esta restrição, sugere-se que o PGV mínimo deva ter 1.000 m de extensão. Desta forma, a Via Láctea e as Nuvens de Magalhães poderiam ser perfeitamente acomodadas no interior de um aposento do tamanho de uma sala de aula regular (as distâncias na última coluna da Tabela I devem ser divididas por 4).

Duas galáxias, IC 3718 (estação 6) e NGC 4488 (estação 7), possuem apenas uma medida de distância (cf. Tabela I). Novas medidas são necessárias para que se confirme a posição destas galáxias no PGV. Deve-se levar este fato em conta na construção do Passeio, admitindo-se a possibilidade de futura relocalização destas estações.

Referências

E. L. Aguirre, T. Lyster, Walking tours of the solar system, Sky & Telescope, 95 (3), 80 (1998).

R. Powell, The Virgo Cluster (www.atlasoftheuniverse.com/galgrps/vir.html, 2006).

D. Soares, Microcosmologia: Sol (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/extn/mclg/mclg-sol.htm, 2015).

D. Soares, Carl Sagan, o elogio do ceticismo (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/sagan/sagan.htm, 2011).

D. Soares, As aparências enganam: a galáxia elíptica gigante M87 (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/reino/m87.htm, 2009).

D. Soares, O Grupo Local de galáxias (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/reino/local.htm, 2008).

D. Soares, As Nuvens de Magalhães, duas galáxias-satélites da Via Láctea (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/reino/nuvens.htm, 2007).

R. B. Tully, H. Courtois, Y. Hoffman, D. Pomarède, The Laniakea supercluster of galaxies, Nature, 513 (7516), 71 (2014; também em arxiv.org/abs/1409.0880; ver video ilustrativo em irfu.cea.fr/laniakea).

R. B. Tully, Flight to the Virgo cluster (www.ifa.hawaii.edu/~tully/outreach/movie.html, 2003).


Agradecimentos – A figura 1 foi confeccionada em um dos computadores do Instituto Astronômico Kapteyn, Groningen, Holanda, sob os auspícios do Prof. Reynier Peletier. Este trabalho utilizou o NASA/IPAC Extragalactic Database (NED) que é operado pelo Jet Propulsion Laboratory, California Institute of Technology, sob contrato com a National Aeronautics and Space Administration.

 


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