16 de fevereiro de 2016
Proponho um modelo em escala de um sistema de galáxias — um Passeio de Galáxias. O sistema real reduzido é o aglomerado de galáxias de Virgem, a partir da Via Láctea, localizada em sua periferia, até o seu centro, aproximadamente onde se situa a galáxia elíptica gigante M87. O “Passeio de Galáxias de Virgem” serve como motivação para um contato informal com a astronomia extragaláctica, a exemplo do que já ocorre em relação à astronomia do sistema solar através dos passeios planetários existentes em vários locais.
Inspirado nestes modelos, especialmente no Passeio Planetário Carl Sagan (ver Soares 2011, 2015), de que tomo emprestado a terminologia de “estação” para as paradas do passeio, e no “Flight to the Virgo cluster” (“Voo ao aglomerado de Virgem”) do astrônomo canadense R. Brent Tully (Tully 2003), proponho o “Passeio de Galáxias de Virgem” (daqui para frente referido como PGV). O PGV é um modelo em escala do aglomerado de Virgem desde a sua periferia, onde se situa o Grupo Local de galáxias, e nele a Via Láctea, até o centro do aglomerado de Virgem representado pela fabulosa galáxia gigante elíptica Messier 87, também conhecida como NGC 4486 e radiofonte Virgem A, a mais poderosa fonte de ondas de rádio do aglomerado de Virgem.
Assim como os passeios planetários solares representam o nosso lar planetário, o PGV representa o nosso lar extragaláctico, ou seja, o lar do grupo de galáxias onde está a nossa Via Láctea. O PGV torna-se, portanto, uma excelente ferramenta para a aproximação das pessoas ao domínio dos objetos astronômicos extragalácticos.
A próxima seção apresenta as 11 estações do PGV, apresenta algumas características de cada galáxia e do aglomerado de Virgem. A seção final conclui com algumas considerações adicionais.
O Grupo Local de galáxias e o aglomerado de Virgem são parte de uma aglomeração maior denominada “Superaglomerado Local” ou “Superaglomerado Laniakea”. Laniakea é um termo havaiano que significa “céu imensurável” e foi cunhado por R. Brent Tully, mencionado acima e que é da Universidade do Havaí (Tully et al. 2014; ver também vídeo ilustrativo sobre Laniakea que acompanha o artigo).
O PGV inicia-se na Via Láctea (Soares 2008) e termina no centro do aglomerado de Virgem em M87 (Soares 2009). Ele constitui-se de 11 estações, cada uma delas representada por uma galáxia, 5 delas do Grupo Local e 6 do aglomerado de Virgem. As galáxias do Grupo Local foram escolhidas pela sua proeminência óbvia, i.e., são as mais conhecidas do Grupo. As galáxias de Virgem foram escolhidas, à exceção de M87 no centro, de modo a abranger uma variedade de distâncias mais ou menos uniforme entre o Grupo Local e M87. O Passeio está mostrado na Tabela I e na figura 1. O Passeio aqui exemplificado possui 4 km, o que corresponde a uma escala em extensão de 54×106 ano-luz/4 km = 130 bilhões de bilhões por 1 (cf. dados da estação 11).
Estação | Galáxia |
Distânciaa da Via Láctea (ano-luz) |
Distânciab em escala (metro) |
---|---|---|---|
1 | Via Láctea | — | — |
2 | GNMc | 0,16×106 (904) | 12 |
3 | PNMd | 0,20×106 (518) | 15 |
4 | Andrômeda (M31) | 2,6×106 (325) | 190 |
5 | Triângulo (M33) | 2,9×106 (119) | 210 |
6 | IC 3718 | 22×106 (1) | 1.600 |
7 | NGC 4488 | 26×106 (1) | 1.900 |
8 | NGC 4064 | 33×106 (14) | 2.400 |
9 | NGC 4438 | 44×106 (5) | 3.200 |
10 | M49 | 52×106 (63) | 3.800 |
11 | M87 | 54×106 (103) | 4.000 |
As distâncias extraídas de NED são valores médios de medidas não relacionadas aos desvios para o vermelho das galáxias, i.e., eles representam as distâncias reais até os objetos. As distâncias obtidas pela aplicação da lei de Hubble aos desvios para o vermelho não são as distâncias físicas porque os desvios para o vermelho estão contaminados pelos movimentos peculiares das galáxias, tanto no aglomerado de Virgem, quanto no Grupo Local. Os métodos utilizados para a determinação das distâncias são variados e utilizam propriedades físicas diversas. Alguns destes métodos são mencionados a seguir apenas para ilustração e o leitor interessado em mais detalhes poderá facilmente encontrá-los na literatura científica especializada: método das estrelas mais brilhantes, das variáveis cefeidas, do diagrama cor-magnitude, da função de luminosidade de aglomerados globulares, das estrelas novas, da ponta do ramo das gigantes vermelhas, de Tully-Fisher, de Faber-Jackson, etc. (alguns deles foram utilizados, por exemplo, na obtenção das 103 medidas de distância de M87 catalogadas no NED — ver ned.ipac.caltech.edu/cgi-bin/nDistance?name=M87).
A figura 2 mostra um mapa com as 600 galáxias mais brilhantes do aglomerado de Virgem preparado por Powell (2006). As 6 galáxias que fazem parte do Passeio estão assinaladas e podem ser confrontadas com os dados da Tabela I.
As figuras 3 a 8 mostram as 11 galáxias que fazem parte do PGV. Uma breve nota sobre cada uma delas aparece nas legendas das figuras.
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Duas galáxias, IC 3718 (estação 6) e NGC 4488 (estação 7), possuem apenas uma medida de distância (cf. Tabela I). Novas medidas são necessárias para que se confirme a posição destas galáxias no PGV. Deve-se levar este fato em conta na construção do Passeio, admitindo-se a possibilidade de futura relocalização destas estações.
R. Powell, The Virgo Cluster (www.atlasoftheuniverse.com/galgrps/vir.html, 2006).
D. Soares, Microcosmologia: Sol (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/extn/mclg/mclg-sol.htm, 2015).
D. Soares, Carl Sagan, o elogio do ceticismo (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/sagan/sagan.htm, 2011).
D. Soares, As aparências enganam: a galáxia elíptica gigante M87 (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/reino/m87.htm, 2009).
D. Soares, O Grupo Local de galáxias (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/reino/local.htm, 2008).
D. Soares, As Nuvens de Magalhães, duas galáxias-satélites da Via Láctea (www.fisica.ufmg.br/~dsoares/reino/nuvens.htm, 2007).
R. B. Tully, H. Courtois, Y. Hoffman, D. Pomarède, The Laniakea supercluster of galaxies, Nature, 513 (7516), 71 (2014; também em arxiv.org/abs/1409.0880; ver video ilustrativo em irfu.cea.fr/laniakea).
R. B. Tully, Flight to the Virgo cluster (www.ifa.hawaii.edu/~tully/outreach/movie.html, 2003).
Agradecimentos – A figura 1 foi confeccionada em um dos computadores do
Instituto Astronômico Kapteyn, Groningen, Holanda, sob os auspícios do Prof. Reynier Peletier.
Este trabalho utilizou o
NASA/IPAC Extragalactic Database (NED) que é
operado pelo Jet Propulsion Laboratory, California Institute of Technology,
sob contrato com a National Aeronautics and Space Administration.