Ondas Gravitacionais e Pulsares


Domingos Soares

24 de outubro de 2018



Resumo

A cronometragem de um conjunto de pulsares pode ser usada para a detecção de ondas gravitacionais de baixa frequência. As ondas originam-se presumivelmente da fusão de buracos negros supermassivos binários individuais ou, alternativamente, de um fundo cósmico de ondas gravitacionais criado por uma coleção destas fontes. Descrevo alguns detalhes astrofísicos e observacionais deste método.



1. Introdução

Uma onda gravitacional (OG) é uma perturbação no espaço, que se propaga com a velocidade da luz, prevista por Albert Einstein (1879-1955) em 1916. A OG é produzida por uma distribuição de massa variável A amplitude da onda será tanto maior quanto maior for a variação de massa. Em fevereiro de 2016 houve o anúncio da observação de OGs de alta frequência (∼ 100 Hz) pelo observatório Laser Interferometer Gravitational Wave Observatory (LIGO; ver o artigo OGs, conseguimos detectá-las?).

As OGs produzem uma perturbação espaçotemporal que causa uma deformação tanto no espaço quanto no tempo. Uma OG é quantificada pela grandeza denominada “deformação” (em inglês strain, usualmente representado pela letra h). A deformação pode ser expressa como hL = δl/L, deformação espacial, ou hT = δt/T, deformação temporal. Uma ou outra será relevante, dependendo do objeto observado e da técnica observacional utilizada. As primeiras ondas observadas pelo LIGO foram detectadas pela deformação espacial originadas da fusão de buracos negros binários (ver seção 1.1 do artigo acima).

Existe um outro tipo de fusão de sistemas binários em que a deformação temporal será considerada. É deste tipo de OGs que trataremos aqui.

Existem — acredita-se — buracos negros supermassivos (BNSMs), com massas de 106 a 108 massas solares, no centro de quase todas as galáxias. Um evento muito comum no passado cósmico foi a fusão de galáxias. Esta fusão pode levar à formação de um buraco negro supermassivo binário (BNSMB) no centro do sistema em fusão. A subsequente evolução deste BNSMB poderia levar à sua fusão. Esta fusão, se ocorrer, gera OGs de baixa frequência (f ∼ 10−9 a 10−8 Hz). A figura 1 mostra o Panorama das Ondas Gravitacionais (POGs), da maneira que os astrofísicos as entendem na atualidade. As OGs de baixa frequência, que tratarei aqui, podem ser observadas através da cronometragem de pulsares, i.e., pela determinação da deformação temporal causada por elas. As ondas reivindicadas pelo LIGO aparecem no lado direito do diagrama.



Figura 1

O POGs, Panorama das Ondas Gravitacionais, em termos de frequências. As OGs detectáveis pela cronometragem de pulsares, que utiliza a deformação temporal, aparecem no lado esquerdo do diagrama. As observações de OGs de altas frequências reivindicadas pelo LIGO, estão no lado direito. Estas, curiosamente, caem na faixa audível humana, que vai de ∼ 20 Hz a ∼20.000 Hz. As siglas em letra preta referem-se a diferentes observatórios (figura 1 de Jansen et al.).


Ora, o período de oscilação das OGs emitidas pelos BNSMBs será 1/f ∼ 108 a 109 segundos ou aproximadamente de 3 a 30 anos, ou seja, no máximo, algumas poucas dezenas de anos. Estas perturbações espaçotemporais levam consequentemente meses ou anos para passar pela Terra. Então, para observá-las deveremos realizar observações consecutivas durante algumas dezenas de anos — o T em hT = δt/T —, para se ter uma alta precisão estatística dos dados. E é aqui que entram os pulsares em nossa história. Falarei mais sobre eles na seção 2, mas, por enquanto, basta saber que são objetos que emitem pulsos regulares de ondas de rádio. O período de emissão pode ir de milissegundos a alguns segundos. O pulsar de milissegundo tem uma característica muito importante: o seu período é extremamente preciso, mais preciso do que relógios atômicos, e pode, portanto, ser utilizado para cronometragens ultraprecisas. Os períodos destes pulsares podem ser medidos com uma precisão de 1 décimo milionésimo de segundo. Antes de entrar em detalhes sobre a utilização de redes de pulsares de milissegundos para a detecção de OGs falarei um pouco sobre o pulsar.

2. Pulsar

Uma estrela “queima” o seu combustível interno, através de várias reações de fusão nuclear, até que a região nuclear não consegue suportar o peso das camadas externas. Se a massa da estrela está entre ≈ 8 e 30 massas solares, as camadas externas acabam por desmoronar para o interior, numa implosão espetacular, seguida de uma imediata explosão, provocada pelo rebote do material implodido, do interior para fora. Em outras palavras, as camadas externas rebatem na parte mais densa interna e são ejetadas para o meio interestelar, enriquecendo-o com os elementos químicos processados durante a vida pregressa da estrela e durante o processo altamente energético que leva à explosão. Temos aí o fenômeno da supernova.

O que resta é uma estrela superdensa constituída de nêutrons, com um diâmetro de cerca de 10 km e massa aproximadamente igual à do Sol, em alta rotação. Se esta estrela de nêutrons possuir campo magnético ela emitirá ondas de rádio produzidas por prótons e elétrons ejetados e que espiralam ao redor das linhas do campo magnético. Se a direção do campo magnético for diferente da direção do eixo de rotação da estrela e a direção campo magnético estiver na linha de visada da Terra, em algum instante da rotação, um observador na Terra observará pulsos de ondas de rádio e a estrela de nêutrons será observada como um pulsar. Descobriu-se, posteriormente, que os pulsares emitem também em outras frequências, como em raios gama, raios X e no visível. A figura 2 mostra a estrutura geral de um pulsar e a ilustração do processo de emissão de pulsos.



Figura 2

O diagrama à esquerda mostra a estrutura de uma estrela de nêutrons com campo magnético e rotação em direções diferentes, condição para a estrela ser um pulsar. À direita vê-se a emissão dos pulsos de rádio da estrela à esquerda, direcionados para o observador na Terra. Pulsares emitem principalmente em radiofrequência, em torno de 400 MHz. (Imagens: Scientific Amderican 2015).


Como os pulsares são objetos pequenos, eles são fontes relativamente fracas e só podem ser observados por grandes radiotelescópios. A emissão de rádio possui a maior intensidade em torno de 400 MHz. A descoberta dos pulsares ocorreu em 1967 pela radioastrônoma norte-irlandesa Jocelyn Bell Burnell e seu orientador de doutorado, o astrônomo britânico Antony Hewish. Este recebeu o prêmio Nobel em 1974 pela descoberta dos pulsares. Existe até hoje uma controvérsia em torno do fato de Jocelyn Bell Burnell não ter sido incluída na premiação, que também premiou outro radioastrônomo, o britânico Martin Ryle (1918-1984). De qualquer forma, o trabalho de Jocelyn Bell Burnell foi reconhecido pela comunidade científica mundial através de inúmeras premiações importantes (cf. Jocelyn Bell Burnell).

Os períodos de pulsação podem variar de alguns milissegundos até alguns segundos. Os períodos mais precisos são os da faixa de milissegundos, cuja precisão, como dito acima, chega ser melhor do que a precisão de relógios atômicos. São estes os pulsares utilizados na cronometragem ultraprecisa para se detectar OGs. O método observacional será apresentado a seguir, a saber, a Rede de Cronometragem de Pulsares (em inglês, Pulsar Timing Array ou PTA, sigla que será utilizada daqui para a frente).

3. Rede de Cronometragem de Pulsares

Os efeitos das OGs na cronometragem de pulsares podem ser usados para se fazer a detecção direta de OGs de baixa frequência, através da análise de um grande conjunto de pulsares, que formam um detector de OGs em escala galáctica. Este detector é o PTA, mencionado acima.

As OGs de baixa frequência podem ter duas origens distintas:

As OGs assim produzidas aparecem no lado esquerdo do POGs (figura 1) e possuem frequências na faixa de 10−9 a 10−8 Hz. Os esforços nesta direção estão sendo feitos já há quase três décadas. Um PTA está ilustrado na figura 3 abaixo, que mostra pulsos de radiofrequência emitidos por um conjunto de pulsares em direção à Terra.



Figura 3

As OGs são ondulações no espaçotempo, representadas pela grade verde, produzidas por corpos acelerados tais como BNSMs. Estas ondas afetam o tempo que os sinais de rádio de pulsares levam para chegar na Terra, atrasando-os ou adiantando-os (Crédito: David Champion).


Os projetos de PTA são baseados na cronometragem de pulsares, na qual os tempos de chegada dos pulsos emitidos por uma amostra de pulsares (ToAs, do inglês Times of Arrival, sigla adotada a seguir) são medidos. Os ToAs são subsequentemente comparados com as previsões daqueles tempos de chegada baseados em modelos físicos dos pulsares. Quaisquer diferenças entre os ToAs previstos e medidos são denominados “resíduos de cronometragem” — o δt de hT = δt/T — e indicam que um fenômeno físico, não (ou incorretamente) incluído no modelo está afetando os ToAs dos pulsos em um nível mensurável.

Os resíduos podem ser causados pela rotação irregular de um dado pulsar, pela variabilidade do meio interestelar ou imprecisões nos parâmetros dos modelos físicos de cronometragem, e cada um destes pode ser diferente para cada pulsar. Por outro lado, os resíduos devidos a OGs passando pela Terra possuem dependências funcionais que incluem os ângulos pulsar-OG-Terra. Os PTAs, por utilizarem uma grande amostra de pulsares e por coletarem resíduos por um longo período de tempo — dezenas de anos, o tempo de passagem da OG — permitem discriminar entre estes resíduos e encontrar as assinaturas dos efeitos das OGs e assim, de forma concreta, detectá-las. Este é o objetivo dos PTAs espalhados pelo mundo, cuja maior dificuldade é a extrema precisão necessária para a cronometragem (mais detalhes em Jansen et al.).

Atualmente existem três grandes projetos de PTA.

Todas as três colaborações possuem programas de cronometragem de pelo menos 20 pulsares de milissegundos com tempo de referência de 10 anos ou mais.

Os dados da cronometragem de uma rede de pulsares são usados para o estudo dos vários efeitos que produzem correlações entre os dados e os membros da rede. Numa escala de tempo de anos ou décadas, a astronomia de OGs pode se tornar uma realidade. As OGs de baixa frequência (10−9 Hz) podem ser detectadas por meio de observações de longo prazo dos pulsares mais estáveis. Uma das mais prováveis fontes destas OGs são BNSMBs, detectáveis como um fundo devido a um grande número de fusão de binários ou como uma erupção de OGs devido a uma fusão individual.

Os 3 projetos mundiais de PTA compartilham os seus dados numa colaboração supranacional, o projeto International Pulsar Timing Array (IPTA). Nenhum sinal de OG foi detectado até agora, mas conseguiu-se estabelecer limites bem definidos para as ondas passíveis de detecção.

4. Comentários finais

Os detectores de OGs do tipo do LIGO usam a deformação espacial para a detecção da onda, enquanto que os do tipo PTA usam a deformação temporal. Os PTAs observam as consequências da deformação espacial sobre as medidas temporais. Ambos os métodos requerem medidas de altíssima precisão, o que implica na necessidade de muitas detecções para se ter uma representação estatística significativa do evento em consideração. Muitos questionamentos da realidade da detecção das OGs surgem em virtude da enorme dificuldade experimental das detecções reivindicadas pelos experimentos em operação na atualidade.

Um problema vem sendo discutido na literatura sob o nome de “o problema do parsec final”, relacionado ao destino final dos BNSMBs, quando eles atingem o parsec (≈ 3 anos-luz) final em seu decaimento orbital. Terminarão eles de fato em coalescência e fusão, emitindo, no processo, OGs de baixa frequência? Ou o processo final de coalescência duraria um tempo maior do que a idade do universo padrão (≈ 14 bilhões de anos) e, portanto, não haveria emissão das OGs? (ver The Final Parsec Problem). A questão é encontrar os processos dinâmicos eficientes capazes de extrair energia orbital do par de BNs de forma a levar o par à fusão num tempo muito menor do que ≈ 14 Gano. Inicialmente, o principal processo é o chamado “atrito dinâmico” (também chamado de “arrasto gravitacional”), que suga energia dos BNs durante o seu movimento através do meio galáctico superpovoado de estrelas, poeira e gás. Outro processo em operação é a interação com um terceiro corpo, que pode até ser outro BN. Até hoje, ainda não há consenso sobre quais seriam os processos necessários para induzir a fusão e se eles realmente estão em operação. Portanto, persiste uma “nuvem escura” sobre a existência ou não de OGs produzidas pela fusão de BNSMBs na escala de tempo compatível com a possibilidade de observação por nossos telescópios.

5. Referências adicionais

O artigo Pulsar Web Could Detect Low-Frequency Gravitational Waves, produzido pela NASA, apresenta uma explicação bastante clara e simples do procedimento adotado na cronometragem de pulsares para a detecção de OGs.

O vídeo Detecting Gravitational Waves With Pulsars, realizado pela colaboração NANOGrav, dedicada à cronometragem de pulsares, é bastante didático em sua explicação da detecção de OGs utilizando redes de pulsares de milissegundos.

O texto de três páginas Gravitational wave detection using pulsars, preparado pelo grupo europeu The European PTA, apresenta explicações e dois vídeos ilustrativos sobre a detecção de OGs usando pulsares.



Leia outros artigos em www.fisica.ufmg.br/~dsoares/notices.htm.