A cosmologia de Rajendra Gupta


Domingos Soares

18 de abril de 2024



Mudando para o mesmo

O escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957) escreveu, entre outras obras, o romance intitulado “O Leopardo”. Nele, um dos personagens formula o que ficou conhecido como princípio ou estratégia de di Lampedusa: “tudo deve mudar para que tudo fique como está”.

di Lampedusa ocorreu-me ao ler os trabalhos recentes do cosmólogo indo-canadense Rajendra Gupta. Em COSMOS:18jul23 apresentei o primeiro deles sobre um novo modelo cosmológico, que pretende aprimorar, ou corrigir, o Modelo Padrão da Cosmologia (MPC), também conhecido como modelo do Estrondão e modelo ΛCDM. Neste trabalho Gupta mostra que seu modelo resulta em um universo com o dobro da idade do MPC, resolvendo um problema sério surgido a partir das observações do Telescópio Espacial Webb: galáxias maduras numa fase proibitivamente jovem do universo do MPC.

Em seu artigo mais recente Testing CCC+TL Cosmology with Observed Baryon Acoustic Oscillation Features, Gupta usa seu modelo para o cálculo de algumas características das oscilações acústicas de bárions. As primeiras linhas deste artigo esclarecem qual é o seu objeto de estudo:

One of the most important tests of a cosmological model is to reproduce in the galaxy distribution the signatures of the baryon acoustic oscillations (BAO) resulting from the sound waves in the baryon-photon fluid at the time when photons and baryon decoupled, and radiation traveled freely in space. This radiation is observed as the cosmic microwave background (CMB).
Em outras palavras, a expansão que se segue ao Estrondão leva ao desacoplamento da matéria (bárions e outras partículas mais leves) e da radiação e o fluido transitório formado por bárions e fótons oscila devido às ondas primordiais que o percorrem, ondas estas sonoras, posto que ocorrem num meio material. As oscilações são então impressas na Radiação de Fundo de Micro-ondas que, conforme o modelo do Estrondão, forneceram as sementes para formação das galáxias. O estudo da distribuição atual de galáxias no espaço leva ao conhecimento das oscilações primordiais. Gupta usa o seu modelo, denominado CCC-TL, para calcular a escala espacial das flutuações e conclui que seu modelo reproduz as observações.

No final deste artigo, Rajendra Gupta afirma que planeja abordar em trabalho futuro a Nucleossíntese do Estrondão (NE; em inglês, Big-Bang Nucleosynthesis ou BBN), ou seja, a formação primordial dos elementos atômicos leves.

Mas o que é de fato modelo CCC-TL de Gupta e como ele se relaciona ao princípio de di Lampedusa?

Vamos, por comodidade e concisão, enumerar os fatos relevantes:


Figura 1

Matéria e energia no universo do Estrondão. Note a necessidade de matéria escura bariônica no topo da pirâmide (cf. A imagética da escuridão).

Como vimos acima, muitas mudanças, mas o fundamental continua o mesmo… tudo mudou para que tudo fique como está. O modelo ΛCDM tem suas escuridões (matéria e energia) e o modelo de Gupta tem as suas (constantes variáveis e luz cansada) e ambos resultam num universo conceitualmente idêntico.

Para finalizar, como consegue Gupta uma idade maior para o universo? Mais ou menos como Georges Lemaître (1894-1966) conseguiu em um de seus modelos, mostrado na figura 2. Esta mostra a variação do fator de escala espacial do universo com o tempo cósmico R(t). No início, após o Estrondão, há uma expansão desacelerada, seguida por uma estagnação espacial — é a fase da luz cansada de Gupta —, seguida pela expansão acelerada, no modelo de Gupta, resultado das constantes variáveis. A fase de estagnação deve ser ajustada para se obter a idade desejada.


Figura 2

Modelo de Lemaître (mais detalhes em O dilema da idade do universo). A função R(t) para o modelo cosmológico de Gupta não foi explicitada em seus artigos, mas a função acima representa uma descrição qualitativa dela.

 


Leia outros artigos em lilith.fisica.ufmg.br/dsoares/notices.htm.