Cálculo da culminação de um astro

Domingos Soares

18 de dezembro de 2019


1. Apresentação do problema

A culminação de um astro é a sua passagem pelo meridiano do observador (ou local), que é o grande círculo que passa pelo zênite do observador e pelos pontos cardeais norte e sul. Na culminação, o astro atinge a altura angular máxima em seu movimento aparente na abóbada celeste. O meridiano do observador define um plano chamado plano meridiano. O nome meridiano deve-se ao fato de que o Sol ao cruzar o plano meridiano define o meio-dia verdadeiro do local onde é observado. A culminação é também chamada passagem meridiana.

Para o cálculo da culminação utilizamos o sistema de coordenadas equatorial celeste, cujas coordenadas para a localização de um astro na abóbada celeste são a declinação δ e a ascensão reta α (mais detalhes em Sistemas de Coordenadas, que é uma seção do livro “Astronomia e Astrofísica”, de autoria de Kepler de Souza Oliveira Filho e Maria de Fátima Oliveira Saraiva, astrônomos do Departamento de Astronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

A referência para o ângulo da declinação é o plano do equador celeste. A declinação é o ângulo entre o plano que contém o astro e é paralelo ao equador celeste e o plano do equador celeste. A declinação é semelhante à latitude geográfica e pode ter os valores de −90°≤ δ ≤ +90°, sendo os valores negativos usados para o hemisfério sul celeste.

A ascensão reta é medida sobre o plano do equador e é o ângulo entre o plano do meridiano do astro e o plano do meridiano do ponto vernal (ou ponto γ). O ponto γ é um ponto do equador celeste ocupado pelo Sol no equinócio de primavera (ou vernal) do hemisfério norte, ou seja, quando o Sol cruza o equador vindo do hemisfério sul, o que ocorre geralmente em 22 de março de cada ano. Esta data marca, para os habitantes do hemisfério sul, o equinócio de outono. O ponto γ é, portanto, a interseção do equador celeste com a eclíptica, que é a projeção sobre a esfera celeste da trajetória aparente do Sol observada a partir da Terra. O ponto γ é também chamado “ponto de Áries” e localiza-se presentemente na constelação de Peixes. A ascensão reta varia de 0 a 360° e é usualmente expressa em horas, minutos e segundos, 0h ≤ α ≤ 24h, crescendo para o leste, por convenção.

A posição do ponto vernal varia muito lentamente com o tempo e pode ser considerada aproximadamente fixa na esfera celeste, na maioria das aplicações; a precessão dos equinócios é a maior fonte de alteração na posição do ponto γ. Desta forma, as coordenadas α e δ de um astro são fixas. Note que α e δ do Sol, por exemplo, não são fixas, pois, no referencial da Terra, ele se move relativamente às estrelas distantes durante o ano (mais detalhes em Movimento Anual do Sol de Basílio Santiago, astrônomo do Departamento de Astronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Para efeitos práticos, uma outra coordenada é utilizada para localizar os astros, o ângulo horário H. O ângulo horário varia com o tempo e é usado para a definição de vários tipos de tempos em astronomia. Esta coordenada é medida, como a ascensão reta, no plano do equador, e é o ângulo entre o plano do meridiano do observador e o plano do meridiano do astro. H é medido, como α, em horas, mas na faixa −12h ≤ H ≤ +12h, com o sinal negativo indicando que o astro está a leste do meridiano local.

A culminação de um astro ocorrerá, portanto, quando o seu ângulo horário for nulo, conforme a definição de culminação dada no início. É importante salientar, também, que a altura angular atingida pelo astro na culminação dependerá de sua declinação e da latitude do local.

2. Cálculo da culminação

Para determinar a culminação de um astro, devemos falar sobre tempo. As duas medidas de tempo usadas na astronomia que nos interessam aqui são o tempo sideral HS e o tempo solar H. O tempo sideral é o ângulo horário do ponto γ, a origem das ascensões retas, e o tempo solar é utilizado para definir o horário de nossos relógios (para mais detalhes sobre as definições de tempo, ver a seção Medidas de Tempo do livro de Kepler e Maria de Fátima, mencionado acima, e o texto Medidas de tempo de Maria de Fátima Oliveira Saraiva).

De acordo com a figura abaixo, no diagrama à esquerda, vemos que:

H = HS − α,

ou seja, o ângulo horário H do astro é igual ao tempo sideral HS menos a sua ascensão reta α.


À esquerda, o plano do equador celeste é a base do sistema equatorial: Z (zênite), α (ascensão reta), δ (declinação), H (ângulo horário), HS (hora sideral) e γ (ponto vernal ou ponto de Áries). O meridiano local (ou do observador) é o círculo máximo que passa pelo zênite e pelos polos. À direita, o referencial do horizonte do observador é mostrado: Lat é a latitude geográfica do local e Nadir é o ponto da esfera celeste oposto ao zênite (figuras de Sistemas de Coordenadas de “Astronomia e Astrofísica”).


Fica claro que a culminação do astro (H = 0) ocorrerá quando o tempo sideral for igual à sua ascensão reta. Para determinarmos então a culminação, escolheremos, para efeitos de facilitação da observação, a meia-noite — 0 hora — como o horário da culminação. Faremos a seguinte pergunta: Quando será o tempo sideral, à meia-noite, igual à ascensão reta do astro? Note que a conveniência da escolha da meia-noite está relacionada ao fato de que o tempo sideral é tabelado para todos os dias do ano, precisamente para a zero hora, mas no horário de Greenwich, chamado tempo universal TU. E é claro, devido também ao fato de ser uma referência muito boa, em termos práticos, para observações noturnas. Veja o Anuário Interativo do Observatório Nacional/CNPq, uma ferramenta bastante útil, implementada sob a responsabilidade do pesquisador João Luiz Kohl Moreira, que mostra a HS em 0 hora do TU.

Mais adiante, mostrarei uma maneira de se fazer um cálculo aproximado do tempo sideral a 0 hora de TU. Agora seguirei o cálculo algébrico exato feito pela pesquisadora Thaisa Storchi Bergmann, Departamento de Astronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Tempos astronômicos. Lá, é feito o cálculo preciso da hora sideral local para qualquer horário local, que transformarei aqui para a meia-noite local. Senão, vejamos:

HS(HL) = HS(TU = 0) + (HL − λc)×1,002737963+ λ,

onde HS (HL) é o tempo sideral local na hora solar legal HL, HS(TU = 0) é o tempo sideral a 0 hora de TU, a hora legal HL de Greenwich, λc é a longitude central do fuso horário do local e λ é a longitude do local. O fator 1,002737963 é o fator de conversão entre hora solar e sideral. (Tomemos Belo Horizonte, MG, e Porto Alegre, RS, para exemplificar alguns destes valores: ambas estão no fuso de λc = −3h, Belo Horizonte está em λ = −2,9292h e Porto Alegre em λ = −3,4153h; o fuso possui 1h de largura com λc no centro.)

Para simplificar as coisas, como dissemos acima, calcularemos a hora sideral no local à meia-noite, i.e., faremos HL = 0. A expressão torna-se:

HS(HL = 0) = HS(TU = 0) − λc×1,002737963+ λ,

HS(HL = 0) ≈ HS(TU = 0).

Ou seja, para qualquer longitude, não erraremos muito, se tomarmos a hora sideral local à meia-noite como aproximadamente igual à hora sideral à meia-noite em Greenwich.

Para termos o HS(TU = 0) de forma exata podemos usar o Anuário Interativo mencionado acima, ou fazê-lo de forma aproximada da seguinte forma (cf. Tempos astronômicos da Profa. Thaisa).

No equinócio de março, a hora solar e a hora sideral diferem de 12 horas, por causa de suas definições. Seis meses depois, no equinócio de setembro (da primavera ou vernal, no hemisfério Sul) as horas coincidem, marcando 0 hora. A partir deste equinócio, que ocorre por volta de 22 de setembro, a hora sideral adianta-se aproximadamente 4 minutos por dia. Então para calcular a hora sideral, por exemplo, no dia 16 de dezembro — o dia em que escrevo esta parte do texto —, à 0 hora de Greenwich (TU), fazemos a seguinte operação:

A hora sideral à meia-noite de 16 de dezembro será, portanto, 86 × 4 minutos = 5h 44m. O Anuário Interativo registra para esta data 5h 37m 24s, o que é bastante satisfatório para uma estimativa aproximada e rápida. Para se ter a hora sideral num outro horário diferente de 0 hora basta adicionar a hora desejada.

O que significa isto? Significa que um astro que possua ascensão reta igual a este tempo sideral culminará à meia-noite no dia 16 de dezembro. Abri o planetário eletrônico gratuito Stellarium e verifiquei que a segunda estrela mais brilhante do céu, Canopus, α de Carina, estava com aproximadamente H = − 40 minutos, ou seja, estava a poucos minutos horários da culminação. O valor preciso para H é calculado assim: a ascensão reta de Canopus é α = 6h 24m 24s, o que dá para a meia-noite de 16 de dezembro H = HS − α = 5h 37m 24s − 6h 24m 24s = − 47 minutos.

3. Uma aplicação prática

À guisa de aplicação prática, consideremos a grande galáxia localizada no campo da constelação de Andrômeda, a nossa galáxia irmã M31 (cf. O Grupo Local), que tem este nome por ser o objeto número 31 do catálogo Messier. Ela é também conhecida como a Grande Nebulosa de Andrômeda e galáxia de Andrômeda e está a cerca de 800 kpc, ou 2 milhões e seiscentos mil anos-luz, de nossa Via Láctea e constitui-se no objeto cósmico mais distante de nós, ainda visível a olho nu. As suas coordenadas equatoriais (época J2000) são:

Coloco duas questões ao leitor:

Aqueles que quiserem discutir as suas soluções podem me escrever (dsoares@fisica.ufmg.br).

Finalizo com uma sugestão para todos que se interessam pelas observações astronômicas: instalem em seus computadores — se já não o fizeram — o planetário eletrônico Stellarium. Trata-se de uma ferramenta extremamente útil. Inclusive, vocês poderão utilizá-lo para verificar muitas das afirmações feitas aqui.




Atualização: 20dez19


Leia outros artigos em www.fisica.ufmg.br/~dsoares/notices.htm.