01 de novembro de 2016
Defino as áreas científicas astronomia e astrofísica, distinguindo-as da área não científica astrologia; discuto, neste contexto, as principais características da ciência. Apresento sete utilidades gerais da astronomia, algumas delas exemplificadas através de aplicações à vida diária. Finalizo apresentando uma seleção de doze “maravilhas astronômicas”.
Antes da invenção dos vários tipos de telescópios (para observação de raios gama e X, ultravioleta, óptico, infravermelho, micro-onda, rádio, etc.), a astronomia era realizada essencialmente pela observação a olho nu, mas com a utilização de equipamentos para a medição das posições dos astros na abóbada celeste e dos horários de observação. Além de equipamentos especializados, as sociedades desenvolvidas construíram observatórios astronômicos na forma de pirâmides — Egito pré-histórico (3.000 a.C.), Império Maia na America Central (1.000 a.C.), Império Inca no Peru (século XIV), Império Asteca no México (século XV), etc. — e outras formas (por exemplo, o observatório e templo megalítico de Stonehenge na Grã-Bretanha pré-histórica (3.000 a.C.), o observatório Uraniborg de Tycho Brahe (1546-1601), situado na ilha de Ven (figura 1), na época pertencente à Dinamarca (século XVI).
As propriedades são a temperatura, o conteúdo químico, a densidade, etc. do astro. A evolução pode ser interna, como por exemplo a evolução de uma estrela, ou global, como por exemplo a evolução dinâmica do sistema solar ou de uma galáxia.
A base de todas estas descobertas foi a invenção do espectroscópio. Os fundamentos do espectroscópio foram descobertos pelo sábio inglês Isaac Newton (1643-1727) no início do século XVIII; ver mais detalhes na figura 2. O espectroscópio em si, baseado nestes fundamentos e apropriado para utilização em astronomia e em outras investigações científicas, só foi desenvolvido no século XIX.
O espectroscópio faz de forma controlada o mesmo que as gotas de chuva suspensas na atmosfera fazem com a luz solar para produzir o arco íris. Elas dispersam a luz separando-a em seus comprimentos de onda constituintes. Veja um belo exemplo de arco íris na figura 3.
O diagrama da esquerda da figura 4 mostra o esquema geral de um espectroscópio e as possibilidades de observação de espectros de acordo com os tipos de fontes de luz. A fonte pode ser constituída de matéria densa e quente como, por exemplo, um filamento de lâmpada incandescente ou o núcleo de uma estrela como o Sol. Esta fonte emitirá um espectro contínuo onde todas os comprimentos de onda (cores) da luz aparecerão. A fonte pode ser um gás quente e o espectro será discreto, ou seja, será um espectro de linhas correspondentes a comprimentos de onda específicos do gás emissor. Podemos ter uma fonte composta, como a matéria densa e quente e um gás frio à sua frente. Teremos então um espectro de absorção, i.e., um espectro contínuo onde faltarão as linhas (as cores) características do gás frio que envolve a fonte densa e quente.
Uma das primeiras grandes descobertas realizadas com o espectroscópio causou enorme repercussão no meio científico e filosófico da época, qual seja, a descoberta do elemento químico hélio no Sol, antes mesmo de ele ser conhecido na Terra.
E esta descoberta foi um golpe profundo nas ideias do filósofo positivista francês Auguste Comte (1798-1857). Ele afirmava que nunca teríamos conhecimento sobre a natureza das estrelas pois nos seria impossível alcançá-las para realizar as observações e os experimentos necessários para isto. A utilização do espectroscópio e o desenvolvimento concomitante da espectroscopia permitiu que, analisando-se o espectro do Sol, isto é, o registro fotográfico da luz solar dispersada, se descobrisse um novo elemento químico, o hélio (o termo grego para o deus mitológico Sol). O hélio é um gás pertencente ao grupo dos “gases nobres”, que existe em pequeníssimas quantidades na atmosfera terrestre e, posteriormente à sua descoberta no Sol, só foi encontrado na Terra em minas subterrâneas junto ao gás natural sendo um importante subproduto da exploração destas minas.
O hélio foi descoberto em 1868, 11 anos após a morte de Comte, mas o fato foi de grande proveito para o ensinamento dos positivistas contemporâneos que a ele sobreviveram. Infelizmente o próprio Comte perdeu uma excelente oportunidade de fazer uma reavaliação de seus conceitos e pressupostos filosóficos.
A principal diferença entre elas é que a astrologia não é uma ciência. Ela afirma que os astros influenciam a vida das pessoas, mas não utiliza para isto argumentos científicos. A astrologia utiliza argumentos de AUTORIDADE e de TRADIÇÕES. Em primeiro lugar vem a autoridade do astrólogo, ou seja, as afirmações astrológicas são consideradas “verdadeiras” simplesmente pelo fato de terem sido ditas por determinada personalidade, que por aceitação geral entre os cultuadores da astrologia tem a autoridade para afirmar aquilo. A segunda fonte de conhecimento da astrologia vem do acúmulo de afirmações de autoridades de tempos passados, em outras palavras, vem das tradições astrológicas, a coleção de afirmações e conexões feitas por astrólogos de todas as épocas próximas passadas ou remotas.
Este tipo de epistemologia, ou seja, de relacionamento com o conhecimento, não é científico. Mas o que é ciência?
Definimos ciência pela apresentação das características principais do “fazer científico“, que é conhecido como método científico. Pelo método científico, a ciência:
Ela usa, por exemplo, as constelações do Zodíaco. A palavra Zodíaco vem do latim e do grego e significa “círculo de animais”. Os antigos observaram que noite após noite, mês após mês, as constelações se repetiam no céu noturno. E para se situarem temporalmente imaginaram formas de animais associadas aos meses do ano. E assim dividiram a faixa do céu que sempre se apresentava à sua visão, durante o ano, em 12 constelações correspondentes aos 12 meses. Na verdade, diferentes civilizações associaram diferentes formas, humanas ou não, às várias constelações, que são grupos de estrelas vistos na esfera celeste. As estrelas de uma mesma constelação podem de fato estar muito longes umas das outras, mesmo estando próximas no plano do céu. A figura 5 mostra o Zodíaco. Nesta figura aparece também um círculo, visto em projeção, denominado eclíptica. Ela é a trajetória aparente do Sol entre as estrelas, durante o ano, resultante do movimento de translação da Terra em torno do Sol.
A astrologia divide a zona da esfera celeste na qual se movem o Sol, a Lua e todos os outros grandes planetas e planetoides em doze partes, conhecidas por “signos do Zodíaco”. Os signos levam o nome das doze constelações que estão no Zodíaco, isto é, Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. As constelações do Zodíaco situam-se sobre a eclíptica, como se vê na figura 5. É necessário salientar que os movimentos mencionados aqui são movimentos relativos a um observador fixo na Terra.
Por exemplo, segundo a astrologia, uma pessoa que nasceu no mês de setembro, nasceu no signo de Virgem pois o Sol neste mês percorre a constelação de Virgem. A constelação que vemos no céu à noite nesta mesma época é a constelação de Peixes, a constelação que será percorrida pelo Sol 6 meses depois (veja a figura 5). A astrologia parte deste tipo de associação de signos, e outras associações mais complexas, para fazer previsões e afirmações sobre comportamentos pessoais e sociais. Tudo isto sem qualquer fundamento científico.
A propósito, a eclíptica — i.e., a trajetória aparente do Sol no céu — é inclinada de 23,5 graus em relação ao equador celeste; é esta inclinação que faz com que tenhamos as diferentes estações do ano (e não por causa das razões apresentadas pela professora de Joãozinho da Maré). Quer dizer, se a eclíptica estivesse no mesmo plano do equador celeste não teríamos estações como as conhecemos, mas apenas um mesmo ciclo de temperaturas no transcorrer do ano.
A astrologia motivou, na antiguidade, o desenvolvimento da astronomia. O objetivo era poder prever os acontecimentos terrestres através do conhecimento dos astros e assim aplacar a “ira celeste”. Os acontecimentos celestes muitas vezes causavam terror entre os antigos por causa do medo do desconhecido. O medo da “ira celeste” era causado pela ignorância científica. Podemos dizer então que o impulso para o desenvolvimento da verdadeira ciência dos astros, a astronomia, foi a única utilidade que a astrologia teve na história do desenvolvimento da ciência moderna. Muitas vezes, na antiguidade, os astrólogos oficiais recebiam grandes incentivos financeiros para produzirem catálogos e cartas celestes melhores e mais precisos para atenderem aos objetivos das previsões astrológicas. Frequentemente também verdadeiros astrônomos travestiam-se de astrólogos para poderem ter os recursos que lhes permitissem realizar as suas pesquisas astronômicas.
Desde as eras pré-históricas as sociedades humanas utilizaram os seus observatórios e instrumentos para cuidadosa e pacientemente observarem o céu noturno. As observações das regularidades e das mudanças no movimento e nas posições dos astros celestes levaram à preparação de calendários e tabelas astronômicas de grande utilidade para a localização em terra e mar. Além disso, estas observações permitiram a previsão de eventos celestes como eclipses, trajetórias de planetas, movimentos sutis da Terra (precessão, por exemplo) e outros. Estas são as utilidades básicas da astronomia e elas aparecem como as três primeiras na lista abaixo. Com o desenvolvimento progressivo das sociedades humanas, a astronomia passou a ter outras utilidades, não tão óbvias em seus primórdios, mas que podemos imaginar sempre existiram de uma forma ou de outra. Estas são as utilidades numeradas de 4 a 7. Vamos então à lista de utilidades da astronomia.
Para os habitantes do hemisfério norte da Terra, ou seja, da América do Norte, da América Central, da Europa, da Ásia e da parte norte da África, existe uma estrela que está sempre à vista no céu noturno, pois ela não nasce nem se põe. Ela está localizada no ponto em que o prolongamento do eixo de rotação da Terra “fura” a abóboda celeste. Este ponto chama-se polo norte celeste e a estrela chama-se Polaris e é bastante brilhante, de forma que pode ser facilmente vista a olho nu. A ilustração da esquerda na figura 6 mostra Polaris, a Terra e o seu eixo de rotação. Para se encontrar o ponto cardeal norte basta ficar de frente para Polaris e ele estará também à sua frente. O sul estará à suas costas e o leste à sua direita.
No hemisfério sul não existe uma estrela tão brilhante como Polaris no polo celeste sul. Na verdade, existe lá uma estrela, mas ela é tão fraca que não nos ajuda a encontrar o sul. Os habitantes do hemisfério sul da Terra, ou seja, da América do Sul, de grande parte da África e da Oceania, precisam recorrer a uma constelação para se orientar. Trata-se do Cruzeiro do Sul. Esta constelação tem a forma de uma cruz e a haste maior da cruz aponta sempre para o polo celeste sul à medida que a Terra gira. Veja a ilustração à direita na figura 6. É fácil achar o polo celeste sul: a partir da base da haste maior da cruz prolongue-a por aproximadamente 4 vezes o tamanho dela e você chegará ao polo celeste sul. Fique de frente para ele e o ponto cardeal sul estará também à sua frente. O norte à suas costas e o leste à sua esquerda.
Uma curiosidade interessante: bem próximo do polo celeste sul existe uma galáxia, que se chama em latim Polarissima Australis. Ela não é visível a olho nu, mas pode ser vista com um telescópio modesto. Os interessados podem ler mais sobre ela no artigo que escrevi clicando em Polarissima Australis.
Os cometas são pequenos corpos, de dimensões da ordem de dezenas de quilômetros, compostos de rochas, gelo e outras substâncias, que orbitam o Sol em trajetórias elípticas. Os cometas apresentam como principal característica uma enorme cauda brilhante, que podem ter a extensão de centenas de milhares de quilômetros, ou seja, podem ser maiores do que a distância Terra-Lua. A cauda aumenta de tamanho à medida que o cometa se aproxima do Sol e, consequentemente, da Terra, quando ela atinge o seu tamanho máximo e pode ser vista nos céus noturnos como um belíssimo espetáculo.
Apesar da beleza, os cometas sempre foram motivo de medo na antiguidade, por que a sua aparição era totalmente imprevisível e a sua natureza era totalmente desconhecida. A figura 7 mostra exemplos de aparições de cometas na Alemanha em 1680, 1682 e 1683, nos céus de Augsburg, e na região do atual México na época de Montezuma, o imperador asteca no século XV. As ilustrações representam o terror que as aparições dos cometas causavam nas pessoas, pois eles eram considerados como arautos de desgraças e acontecimentos inesperados.
Tudo isto começou a mudar quando Isaac Newton apresentou em sua obra de 1687, “Philosophiae Naturalis Principia Mathematica”, o esclarecimento científico da questão. A figura 8 mostra o retrato do grande físico e astrônomo Isaac Newton e a página inicial de sua obra máxima, conhecida abreviadamente como Principia.
No Principia Newton propôs entre muitas novidades uma lei de gravidade. Esta lei quantifica a interação que existe entre dois corpos, interação esta causada pelo simples fato deles possuírem massa. Newton calculou a órbita, isto é, a trajetória, de corpos sob a ação da força da gravidade dada pela lei que ele descobriu. Um exemplo pode ser tirado direto de uma das ilustrações existentes no Principia, a saber, um projétil lançado do alto de uma montanha na Terra. A ilustração é do Livro III do Principia e está reproduzida na figura 9.
Uma ocasião um amigo de Newton, o astrônomo inglês Edmond Halley (1656-1742), mostrou-lhe suas tabelas com o registro de observações de um cometa e perguntou-lhe qual seria a sua órbita, se ele estivesse submetido a uma força de atração ao Sol inversamente proporcional ao quadrado da distância do cometa ao Sol. Newton respondeu-lhe de imediato que seria uma elipse e que ele já havia feito os cálculos. Começava então o esclarecimento científico sobre a verdadeira natureza dos cometas, e este cometa tornou-se conhecido como cometa de Halley.
A partir de suas observações e da órbita calculada por Newton, Halley concluiu que o cometa de 1682 era o mesmo que aparecera, segundo relatos, em 1531 e 1607. Deduziu que o cometa possuía uma órbita com período de aproximadamente 76 anos e que ele deveria reaparecer em 1758, o que de fato aconteceu. Halley, no entanto, não viveu para ver a confirmação de sua previsão. Segundo estimativas, o cometa de Halley orbita o Sol há cerca de 28.000 anos, tendo sido registrado por observadores chineses e babilônios centenas de anos antes da era cristã.
A figura 11 mostra uma imagem do cometa de Halley obtida pela NASA em 1986, quando de sua recente aproximação da Terra. O retorno ocorrerá em 2061. A figura 11 mostra também a órbita do Halley comparada às órbitas dos planetas solares. É digno de nota a enorme excentricidade da órbita, i.e., a sua órbita é uma elipse bastante achatada, ao contrário dos planetas, cujas órbitas são elipses de pequeníssima excentricidade, quase circulares.
Vemos na figura 11 que a órbita do cometa de Halley é retrógrada, ou seja, ele gira em torno do Sol em sentido contrário ao sentido em que todos os planetas se movimentam. Isto indica que o cometa “caiu” em direção ao Sol, em sua primeira órbita, há dezenas de milhares de anos, posteriormente à formação do sistema planetário.
A figura 12 mostra uma animação da órbita do Halley. Note que ele se move lentamente quando está distante do Sol e rapidamente ao se aproximar do Sol (e da Terra).
O cometa de Halley é apenas um entre muitos outros existentes no sistema solar. Todos eles comportam-se de acordo a lei da gravidade de Newton e possuem órbitas totalmente previsíveis. O conhecimento da verdadeira natureza dos cometas, aqui exemplificado pelo Halley, trouxe à humanidade um alívio de tensões e medos seculares causados pela ignorância. Esta é uma das grandes utilidades da astronomia e da atividade científica de modo geral.
Do uso em pesquisa científica os CCDs ganharam o gosto popular e são utilizados em substituição aos tradicionais filmes fotográficos. Hoje em dia as câmeras são, em sua maioria, digitais, i.e., utilizam um dispositivo eletrônico — o CCD — para o registro das fotografias. Os CCDs utilizados em câmeras digitais, hoje em dia, têm tipicamente 5 megapixel. Para comparação, os CCDs de pesquisa astronômica atualmente podem chegar a 3.200 megapixel. O CCD da figura 13 possui 0,64 megapixel e representava o que havia de melhor na década de 1990.
Agradecimento – Este trabalho foi sugerido por minha filha, Profa. Rúbia de Sales Soares, para apresentação aos seus alunos do 8o. ano do ensino fundamental e do 1o. ano do ensino médio da Escola Estadual Coronel Juca Pinto, Belo Horizonte, MG. Agradeço-a pela sugestão e pelo incentivo para a execução do trabalho. A resposta à pergunta “O que é e para que serve a Astronomia?” é bastante pessoal, especialmente por causa da vivência astronômica daquele que responde e, portanto, seria muito interessante ver as respostas de outros astrônomos, tanto profissionais quanto amadores.
As subáreas da área de pesquisa Astronomia O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão federal de financiamento de pesquisa no Brasil, adota a tabela abaixo de subáreas e especialidades da área de pesquisa Astronomia. A Astronomia é uma das áreas de pesquisa pertencentes à Grande Área Ciências Exatas e da Terra.
Grande área - | Ciências Exatas e da Terra |
Área - | Astronomia |
Subárea - | Astronomia de Posição e Mecânica Celeste |
Especialidade - | Astronomia Fundamental |
Especialidade - | Astronomia Dinâmica |
Subárea - | Astrofísica Estelar |
Subárea - | Astrofísica do Meio Interestelar |
Especialidade - | Meio Interestelar |
Especialidade - | Nebulosa |
Subárea - | Astrofísica Extragalactica |
Especialidade - | Galáxias |
Especialidade - | Aglomerados de Galáxias |
Especialidade - | Quasares |
Especialidade - | Cosmologia |
Subárea - | Astrofísica do Sistema Solar |
Especialidade - | Física Solar |
Especialidade - | Movimento da Terra |
Especialidade - | Sistema Planetário |
Subárea - | Instrumentação Astronômica |
Especialidade - | Astronomia Ótica |
Especialidade - | Radioastronomia |
Especialidade - | Astronomia Espacial |
Especialidade - | Processamento de Dados Astronômicos |