Astronomia: O que é e para que serve?


Domingos Soares

01 de novembro de 2016



Resumo

Defino as áreas científicas astronomia e astrofísica, distinguindo-as da área não científica astrologia; discuto, neste contexto, as principais características da ciência. Apresento sete utilidades gerais da astronomia, algumas delas exemplificadas através de aplicações à vida diária. Finalizo apresentando uma seleção de doze “maravilhas astronômicas”.



1. O que é astronomia (e o que não é)

A ASTRONOMIA é a ciência que estuda os corpos celestes (planetas, asteroides, cometas, estrelas, galáxias, etc.) A astronomia também estuda o conjunto dos corpos celestes e o que existe entre eles, ou seja, o universo. Neste caso, a astronomia recebe o nome de cosmologia. A astronomia pode ser dividida em subáreas e especialidades por razões didáticas e metodológicas; um exemplo deste tipo de divisão é o adotado pelo CNPq, conforme ilustrado no Apêndice.

Antes da invenção dos vários tipos de telescópios (para observação de raios gama e X, ultravioleta, óptico, infravermelho, micro-onda, rádio, etc.), a astronomia era realizada essencialmente pela observação a olho nu, mas com a utilização de equipamentos para a medição das posições dos astros na abóbada celeste e dos horários de observação. Além de equipamentos especializados, as sociedades desenvolvidas construíram observatórios astronômicos na forma de pirâmides — Egito pré-histórico (3.000 a.C.), Império Maia na America Central (1.000 a.C.), Império Inca no Peru (século XIV), Império Asteca no México (século XV), etc. — e outras formas (por exemplo, o observatório e templo megalítico de Stonehenge na Grã-Bretanha pré-histórica (3.000 a.C.), o observatório Uraniborg de Tycho Brahe (1546-1601), situado na ilha de Ven (figura 1), na época pertencente à Dinamarca (século XVI).



Figura 1

À esquerda, ruínas de Uraniborg (“Cidade dos Céus”), o observatório de Tycho Brahe localizado na ilha de Ven, hoje parte da Suécia (foto: Google Earth). Note que a construção está perfeitamente orientada segundo os pontos cardeais indicados no canto inferior esquerdo. À direita, o grande “Quadrante Mural” ou “Quadrante Tychoniano”. Trata-se de um quadrante de latão com um raio de quase dois metros fixo em uma parede, dai o seu nome “Mural”. A pintura do “Quadrante Mural” mostrada aqui é do cartógrafo e pintor holandês Jan Blaeu, de Amsterdam, que reproduziu em cores uma ilustração em preto e branco do livro de Tycho Brahe “Astronomiae Instauratae Mechanica” (1598), onde são apresentados os instrumentos do astrônomo.


1.1 Astrofísica

A invenção de novos instrumentos astronômicos, tais como, os telescópios para a faixa visível e outros comprimentos de onda da luz, da fotografia, dos detectores eletrônicos digitais e do espectroscópio, permitiram o estudo da estrutura interna dos corpos celestes bem como de sua evolução através da aplicação das teorias físicas às propriedades dos astros. Surgiu então a ASTROFÍSICA.

As propriedades são a temperatura, o conteúdo químico, a densidade, etc. do astro. A evolução pode ser interna, como por exemplo a evolução de uma estrela, ou global, como por exemplo a evolução dinâmica do sistema solar ou de uma galáxia.

A base de todas estas descobertas foi a invenção do espectroscópio. Os fundamentos do espectroscópio foram descobertos pelo sábio inglês Isaac Newton (1643-1727) no início do século XVIII; ver mais detalhes na figura 2. O espectroscópio em si, baseado nestes fundamentos e apropriado para utilização em astronomia e em outras investigações científicas, só foi desenvolvido no século XIX.



Figura 2

O espectroscópio é o instrumento que causa a dispersão da luz. A dispersão da luz foi descoberta por Isaac Newton, que aparece na imagem de cima utilizando um prisma de vidro como elemento dispersor da luz do Sol. As três imagens de baixo mostram, à esquerda, um prisma de vidro dispersando a luz, no meio, a ilustração que aparece na capa de um álbum do grupo inglês Pink Floyd e, à direita, a sequência convencional das sete cores do arco íris, violeta, anil, azul, verde, amarelo, alaranjado e vermelho. Na verdade, a dispersão é contínua e esta divisão refere-se aos padrões dominantes observados.


O espectroscópio faz de forma controlada o mesmo que as gotas de chuva suspensas na atmosfera fazem com a luz solar para produzir o arco íris. Elas dispersam a luz separando-a em seus comprimentos de onda constituintes. Veja um belo exemplo de arco íris na figura 3.



Figura 3

O arco íris primário e o secundário visto à direita do primário, mais fraco e com a sequência das cores invertida.


O diagrama da esquerda da figura 4 mostra o esquema geral de um espectroscópio e as possibilidades de observação de espectros de acordo com os tipos de fontes de luz. A fonte pode ser constituída de matéria densa e quente como, por exemplo, um filamento de lâmpada incandescente ou o núcleo de uma estrela como o Sol. Esta fonte emitirá um espectro contínuo onde todas os comprimentos de onda (cores) da luz aparecerão. A fonte pode ser um gás quente e o espectro será discreto, ou seja, será um espectro de linhas correspondentes a comprimentos de onda específicos do gás emissor. Podemos ter uma fonte composta, como a matéria densa e quente e um gás frio à sua frente. Teremos então um espectro de absorção, i.e., um espectro contínuo onde faltarão as linhas (as cores) características do gás frio que envolve a fonte densa e quente.



Figura 4

O diagrama à esquerda mostra três casos gerais de utilização do espectroscópio em astronomia. O elemento denominado “Dispersor” é o componente do espectroscópio responsável pela separação da luz incidente em seus comprimentos de ondas (“cores”). O dispersor pode ser um prisma de vidro ou outro dispositivo capaz de separar as cores como, por exemplo, uma rede de difração. À direita, o espectro, ou as cores, de uma galáxia são representadas pelos seus comprimentos de onda no seu espectro. Este “arco-íris” foi obtido por um espectroscópio acoplado a um telescópio. A luz da galáxia é formada pela mistura de todos os comprimentos de onda do espectro. Esta galáxia atende pelo nome de ESO-LV 5100550, e pode ser vista, com o auxílio de um telescópio modesto, em nossos céus (espectro calculado, a partir das observações, por David B. de Carvalho, dissertação de mestrado, UFMG, 2006).


Uma das primeiras grandes descobertas realizadas com o espectroscópio causou enorme repercussão no meio científico e filosófico da época, qual seja, a descoberta do elemento químico hélio no Sol, antes mesmo de ele ser conhecido na Terra.

E esta descoberta foi um golpe profundo nas ideias do filósofo positivista francês Auguste Comte (1798-1857). Ele afirmava que nunca teríamos conhecimento sobre a natureza das estrelas pois nos seria impossível alcançá-las para realizar as observações e os experimentos necessários para isto. A utilização do espectroscópio e o desenvolvimento concomitante da espectroscopia permitiu que, analisando-se o espectro do Sol, isto é, o registro fotográfico da luz solar dispersada, se descobrisse um novo elemento químico, o hélio (o termo grego para o deus mitológico Sol). O hélio é um gás pertencente ao grupo dos “gases nobres”, que existe em pequeníssimas quantidades na atmosfera terrestre e, posteriormente à sua descoberta no Sol, só foi encontrado na Terra em minas subterrâneas junto ao gás natural sendo um importante subproduto da exploração destas minas.

O hélio foi descoberto em 1868, 11 anos após a morte de Comte, mas o fato foi de grande proveito para o ensinamento dos positivistas contemporâneos que a ele sobreviveram. Infelizmente o próprio Comte perdeu uma excelente oportunidade de fazer uma reavaliação de seus conceitos e pressupostos filosóficos.

1.2. Astrologia

Sempre que se fala em astronomia para o público em geral, que não teve ainda a oportunidade de refletir de forma rigorosa sobre o seu significado, devemos ter o especial cuidado de não permitir que se confunda astronomia com astrologia. Esta é uma confusão bastante comum, especialmente devido à grande divulgação que a astrologia recebe nos meios de comunicação.

A principal diferença entre elas é que a astrologia não é uma ciência. Ela afirma que os astros influenciam a vida das pessoas, mas não utiliza para isto argumentos científicos. A astrologia utiliza argumentos de AUTORIDADE e de TRADIÇÕES. Em primeiro lugar vem a autoridade do astrólogo, ou seja, as afirmações astrológicas são consideradas “verdadeiras” simplesmente pelo fato de terem sido ditas por determinada personalidade, que por aceitação geral entre os cultuadores da astrologia tem a autoridade para afirmar aquilo. A segunda fonte de conhecimento da astrologia vem do acúmulo de afirmações de autoridades de tempos passados, em outras palavras, vem das tradições astrológicas, a coleção de afirmações e conexões feitas por astrólogos de todas as épocas próximas passadas ou remotas.

Este tipo de epistemologia, ou seja, de relacionamento com o conhecimento, não é científico. Mas o que é ciência?

Definimos ciência pela apresentação das características principais do “fazer científico“, que é conhecido como método científico. Pelo método científico, a ciência:

A astrologia não segue estes preceitos, mas utiliza ferramentas da astronomia para atingir os seus fins, que não são científicos (não comprovados pela ciência).

Ela usa, por exemplo, as constelações do Zodíaco. A palavra Zodíaco vem do latim e do grego e significa “círculo de animais”. Os antigos observaram que noite após noite, mês após mês, as constelações se repetiam no céu noturno. E para se situarem temporalmente imaginaram formas de animais associadas aos meses do ano. E assim dividiram a faixa do céu que sempre se apresentava à sua visão, durante o ano, em 12 constelações correspondentes aos 12 meses. Na verdade, diferentes civilizações associaram diferentes formas, humanas ou não, às várias constelações, que são grupos de estrelas vistos na esfera celeste. As estrelas de uma mesma constelação podem de fato estar muito longes umas das outras, mesmo estando próximas no plano do céu. A figura 5 mostra o Zodíaco. Nesta figura aparece também um círculo, visto em projeção, denominado eclíptica. Ela é a trajetória aparente do Sol entre as estrelas, durante o ano, resultante do movimento de translação da Terra em torno do Sol.



Figura 5

O Zodíaco é um conjunto de constelações distribuído por uma zona circular na esfera celeste e que forma a faixa sobre a qual se movem o Sol e os planetas. Este conjunto é formado por 12 constelações. Na figura acima vemos que quando o Sol, visto da Terra, passa, por exemplo, pela constelação de Virgem (Virgo em latim), os habitantes da Terra, no entanto, veem no céu noturno a constelação que o Sol percorrerá 6 meses depois, ou seja, Peixes (Pisces em latim). Veja mais detalhes em Oliveira Filho e Saraiva: Constelações.


A astrologia divide a zona da esfera celeste na qual se movem o Sol, a Lua e todos os outros grandes planetas e planetoides em doze partes, conhecidas por “signos do Zodíaco”. Os signos levam o nome das doze constelações que estão no Zodíaco, isto é, Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. As constelações do Zodíaco situam-se sobre a eclíptica, como se vê na figura 5. É necessário salientar que os movimentos mencionados aqui são movimentos relativos a um observador fixo na Terra.

Por exemplo, segundo a astrologia, uma pessoa que nasceu no mês de setembro, nasceu no signo de Virgem pois o Sol neste mês percorre a constelação de Virgem. A constelação que vemos no céu à noite nesta mesma época é a constelação de Peixes, a constelação que será percorrida pelo Sol 6 meses depois (veja a figura 5). A astrologia parte deste tipo de associação de signos, e outras associações mais complexas, para fazer previsões e afirmações sobre comportamentos pessoais e sociais. Tudo isto sem qualquer fundamento científico.

A propósito, a eclíptica — i.e., a trajetória aparente do Sol no céu — é inclinada de 23,5 graus em relação ao equador celeste; é esta inclinação que faz com que tenhamos as diferentes estações do ano (e não por causa das razões apresentadas pela professora de Joãozinho da Maré). Quer dizer, se a eclíptica estivesse no mesmo plano do equador celeste não teríamos estações como as conhecemos, mas apenas um mesmo ciclo de temperaturas no transcorrer do ano.

A astrologia motivou, na antiguidade, o desenvolvimento da astronomia. O objetivo era poder prever os acontecimentos terrestres através do conhecimento dos astros e assim aplacar a “ira celeste”. Os acontecimentos celestes muitas vezes causavam terror entre os antigos por causa do medo do desconhecido. O medo da “ira celeste” era causado pela ignorância científica. Podemos dizer então que o impulso para o desenvolvimento da verdadeira ciência dos astros, a astronomia, foi a única utilidade que a astrologia teve na história do desenvolvimento da ciência moderna. Muitas vezes, na antiguidade, os astrólogos oficiais recebiam grandes incentivos financeiros para produzirem catálogos e cartas celestes melhores e mais precisos para atenderem aos objetivos das previsões astrológicas. Frequentemente também verdadeiros astrônomos travestiam-se de astrólogos para poderem ter os recursos que lhes permitissem realizar as suas pesquisas astronômicas.

2. Para que serve

Apresentarei as serventias da astronomia em forma de uma lista de 7 itens.

Desde as eras pré-históricas as sociedades humanas utilizaram os seus observatórios e instrumentos para cuidadosa e pacientemente observarem o céu noturno. As observações das regularidades e das mudanças no movimento e nas posições dos astros celestes levaram à preparação de calendários e tabelas astronômicas de grande utilidade para a localização em terra e mar. Além disso, estas observações permitiram a previsão de eventos celestes como eclipses, trajetórias de planetas, movimentos sutis da Terra (precessão, por exemplo) e outros. Estas são as utilidades básicas da astronomia e elas aparecem como as três primeiras na lista abaixo. Com o desenvolvimento progressivo das sociedades humanas, a astronomia passou a ter outras utilidades, não tão óbvias em seus primórdios, mas que podemos imaginar sempre existiram de uma forma ou de outra. Estas são as utilidades numeradas de 4 a 7. Vamos então à lista de utilidades da astronomia.

Um dos grandes incentivadores da astronomia e seus métodos para a determinação dos calendários foi a Igreja Católica. Desde tempos medievais havia a necessidade de se determinar com precisão as datas e feriados religiosos. Por exemplo, a Sexta-feira Santa ocorre sempre em época de lua cheia. Isto não é por acaso, mas decorre da precisa determinação do evento que, segundo as igrejas cristãs, deve se repetir na mesma época do acontecimento original registrado nas escrituras cristãs. A data é calculada como sendo a primeira sexta-feira de lua cheia após o equinócio de outono, ou seja, o início do outono no hemisfério sul, podendo então ocorrer entre 22 de março e 25 de abril. A seguir apresentarei alguns exemplos das utilidades enumeradas acima.

2.1. Exemplo do item 3

Como podemos utilizar as estrelas para nos localizar na superfície da Terra? Em outras palavras, como podemos determinar os pontos cardeais norte, sul, leste e oeste utilizando as estrelas? Há uma maneira bem simples.

Para os habitantes do hemisfério norte da Terra, ou seja, da América do Norte, da América Central, da Europa, da Ásia e da parte norte da África, existe uma estrela que está sempre à vista no céu noturno, pois ela não nasce nem se põe. Ela está localizada no ponto em que o prolongamento do eixo de rotação da Terra “fura” a abóboda celeste. Este ponto chama-se polo norte celeste e a estrela chama-se Polaris e é bastante brilhante, de forma que pode ser facilmente vista a olho nu. A ilustração da esquerda na figura 6 mostra Polaris, a Terra e o seu eixo de rotação. Para se encontrar o ponto cardeal norte basta ficar de frente para Polaris e ele estará também à sua frente. O sul estará à suas costas e o leste à sua direita.

No hemisfério sul não existe uma estrela tão brilhante como Polaris no polo celeste sul. Na verdade, existe lá uma estrela, mas ela é tão fraca que não nos ajuda a encontrar o sul. Os habitantes do hemisfério sul da Terra, ou seja, da América do Sul, de grande parte da África e da Oceania, precisam recorrer a uma constelação para se orientar. Trata-se do Cruzeiro do Sul. Esta constelação tem a forma de uma cruz e a haste maior da cruz aponta sempre para o polo celeste sul à medida que a Terra gira. Veja a ilustração à direita na figura 6. É fácil achar o polo celeste sul: a partir da base da haste maior da cruz prolongue-a por aproximadamente 4 vezes o tamanho dela e você chegará ao polo celeste sul. Fique de frente para ele e o ponto cardeal sul estará também à sua frente. O norte à suas costas e o leste à sua esquerda.



Figura 6

O diagrama à esquerda mostra o eixo imaginário que representa o eixo de rotação da Terra e a estrela Polaris no ponto em que ele encontra a esfera celeste. À direita, vemos o Cruzeiro do Sul em várias posições durante a noite. Note que a haste maior da cruz aponta para o polo celeste sul.


Uma curiosidade interessante: bem próximo do polo celeste sul existe uma galáxia, que se chama em latim Polarissima Australis. Ela não é visível a olho nu, mas pode ser vista com um telescópio modesto. Os interessados podem ler mais sobre ela no artigo que escrevi clicando em Polarissima Australis.

2.2. Exemplo do item 5

A astronomia nos permite exterminar os medos, superstições e fantasias, que surgem do desconhecimento dos eventos naturais. Um dos melhores casos para ilustrar isto é a visão que a humanidade tinha dos cometas no passado, quando eles eram ainda totalmente desconhecidos.

Os cometas são pequenos corpos, de dimensões da ordem de dezenas de quilômetros, compostos de rochas, gelo e outras substâncias, que orbitam o Sol em trajetórias elípticas. Os cometas apresentam como principal característica uma enorme cauda brilhante, que podem ter a extensão de centenas de milhares de quilômetros, ou seja, podem ser maiores do que a distância Terra-Lua. A cauda aumenta de tamanho à medida que o cometa se aproxima do Sol e, consequentemente, da Terra, quando ela atinge o seu tamanho máximo e pode ser vista nos céus noturnos como um belíssimo espetáculo.

Apesar da beleza, os cometas sempre foram motivo de medo na antiguidade, por que a sua aparição era totalmente imprevisível e a sua natureza era totalmente desconhecida. A figura 7 mostra exemplos de aparições de cometas na Alemanha em 1680, 1682 e 1683, nos céus de Augsburg, e na região do atual México na época de Montezuma, o imperador asteca no século XV. As ilustrações representam o terror que as aparições dos cometas causavam nas pessoas, pois eles eram considerados como arautos de desgraças e acontecimentos inesperados.



Figura 7

A ilustração à esquerda mostra os cometas de 1680, 1682 e 1683, nos céus de Augsburg, Alemanha. À direita, o imperador asteca Montezuma observa com horror o cometa que apareceu na época de seu império.


Tudo isto começou a mudar quando Isaac Newton apresentou em sua obra de 1687, “Philosophiae Naturalis Principia Mathematica”, o esclarecimento científico da questão. A figura 8 mostra o retrato do grande físico e astrônomo Isaac Newton e a página inicial de sua obra máxima, conhecida abreviadamente como Principia.



Figura 8

À esquerda vê-se o retrato de Isaac Newton aos 46 anos, na época da publicação da 1a. edição do seu livro Philosophiae Naturalis Principia Mathematica. À direita, o frontispício do Principia. Note a data em algarismos romanos correspondente a 1687.


No Principia Newton propôs entre muitas novidades uma lei de gravidade. Esta lei quantifica a interação que existe entre dois corpos, interação esta causada pelo simples fato deles possuírem massa. Newton calculou a órbita, isto é, a trajetória, de corpos sob a ação da força da gravidade dada pela lei que ele descobriu. Um exemplo pode ser tirado direto de uma das ilustrações existentes no Principia, a saber, um projétil lançado do alto de uma montanha na Terra. A ilustração é do Livro III do Principia e está reproduzida na figura 9.



Figura 9

Um corpo, chamado aqui de projétil, é lançado do alto de uma montanha com velocidades cada vez maiores. Para determinada velocidade de lançamento, o projétil dá uma volta completa em torno da Terra, i.e., ele entra em órbita da Terra. Newton mostrou que os cometas eram corpos em órbita do Sol.


Uma ocasião um amigo de Newton, o astrônomo inglês Edmond Halley (1656-1742), mostrou-lhe suas tabelas com o registro de observações de um cometa e perguntou-lhe qual seria a sua órbita, se ele estivesse submetido a uma força de atração ao Sol inversamente proporcional ao quadrado da distância do cometa ao Sol. Newton respondeu-lhe de imediato que seria uma elipse e que ele já havia feito os cálculos. Começava então o esclarecimento científico sobre a verdadeira natureza dos cometas, e este cometa tornou-se conhecido como cometa de Halley.



Figura 10

À esquerda o retrato do astrônomo Edmond Halley, cujas observações levaram ao descobrimento do cometa que leva o seu nome. À direita, diagrama publicado em revista inglesa de 1910, por ocasião da penúltima aparição do cometa de Halley. A última delas ocorreu em 1986. Note que a cauda do cometa aponta sempre para a direção contrária ao Sol, o que é causado pela pressão da radiação e do vento solares.


A partir de suas observações e da órbita calculada por Newton, Halley concluiu que o cometa de 1682 era o mesmo que aparecera, segundo relatos, em 1531 e 1607. Deduziu que o cometa possuía uma órbita com período de aproximadamente 76 anos e que ele deveria reaparecer em 1758, o que de fato aconteceu. Halley, no entanto, não viveu para ver a confirmação de sua previsão. Segundo estimativas, o cometa de Halley orbita o Sol há cerca de 28.000 anos, tendo sido registrado por observadores chineses e babilônios centenas de anos antes da era cristã.

A figura 11 mostra uma imagem do cometa de Halley obtida pela NASA em 1986, quando de sua recente aproximação da Terra. O retorno ocorrerá em 2061. A figura 11 mostra também a órbita do Halley comparada às órbitas dos planetas solares. É digno de nota a enorme excentricidade da órbita, i.e., a sua órbita é uma elipse bastante achatada, ao contrário dos planetas, cujas órbitas são elipses de pequeníssima excentricidade, quase circulares.



Figura 11

À esquerda vemos uma fotografia digital do Halley obtida pela NASA quando de sua aparição em 1986. À direita, vemos a órbita do Halley em torno do Sol, mostrando que ele se move das regiões mais externas do sistema planetário, além da órbita de Netuno, até o sistema solar interior. As setas desenhadas sobre as trajetórias mostram que a órbita do cometa de Halley é retrógrada, i.e., em sentido oposto às órbitas dos planetas.


Vemos na figura 11 que a órbita do cometa de Halley é retrógrada, ou seja, ele gira em torno do Sol em sentido contrário ao sentido em que todos os planetas se movimentam. Isto indica que o cometa “caiu” em direção ao Sol, em sua primeira órbita, há dezenas de milhares de anos, posteriormente à formação do sistema planetário.

A figura 12 mostra uma animação da órbita do Halley. Note que ele se move lentamente quando está distante do Sol e rapidamente ao se aproximar do Sol (e da Terra).



Figura 12

Animação da órbita do cometa de Halley no sistema solar. O movimento obedece à lei das áreas de Kepler, descoberta pelo astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630). Esta lei é uma manifestação de uma lei mais geral da física chamada lei da conservação do momento angular.


O cometa de Halley é apenas um entre muitos outros existentes no sistema solar. Todos eles comportam-se de acordo a lei da gravidade de Newton e possuem órbitas totalmente previsíveis. O conhecimento da verdadeira natureza dos cometas, aqui exemplificado pelo Halley, trouxe à humanidade um alívio de tensões e medos seculares causados pela ignorância. Esta é uma das grandes utilidades da astronomia e da atividade científica de modo geral.

2.3. Exemplo do item 7

Um dispositivo eletrônico representado pela sigla CCD (em inglês, Charge-coupled device, ou, Dispositivo de cargas acopladas) é um excelente exemplo para o desenvolvimento tecnológico decorrente dos estudos astronômicos. A figura 13 mostra um destes dispositivos. Os CCDs foram descobertos e desenvolvidos para utilização na pesquisa astronômica para o registro de imagens, pois eles trouxeram enormes vantagens sobre os filmes e placas químico-fotográficas utilizadas até então (para conhecer um pouco mais sobre os CCDs leia o meu artigo sobre eles clicando em O fabuloso CCD).

Do uso em pesquisa científica os CCDs ganharam o gosto popular e são utilizados em substituição aos tradicionais filmes fotográficos. Hoje em dia as câmeras são, em sua maioria, digitais, i.e., utilizam um dispositivo eletrônico — o CCD — para o registro das fotografias. Os CCDs utilizados em câmeras digitais, hoje em dia, têm tipicamente 5 megapixel. Para comparação, os CCDs de pesquisa astronômica atualmente podem chegar a 3.200 megapixel. O CCD da figura 13 possui 0,64 megapixel e representava o que havia de melhor na década de 1990.



Figura 13

O diagrama à esquerda mostra um CCD de 800x800 pixel (0,64 megapixel). À direita, par de galáxias ligadas gravitacionalmente. Elas estão a cerca de 250 milhões de anos-luz de nós. O detector utilizado para a sua obtenção é um CCD de 0,2 megapixel. As cores da imagem são artificiais. O nome da galáxia de cima é ESO-LV 5100090 e o da de baixo é ESO-LV 51000100. Este par foi estudado por Paulo Márcio Villaça Veiga em sua dissertação de mestrado realizada no Departamento de Física da UFMG, sob minha orientação, e defendida em 1996.


3. Maravilhas astronômicas

A seguir apresento 12 maravilhas astronômicas. Algumas são objetos celestes que estão fora de nossa Via Láctea, i.e., objetos extragalácticos, outros pertencem à nossa própria galáxia. Apresento também duas imagens da Via Láctea.



Figura 14

A grande galáxia espiral localizada na constelação de Andrômeda. Seu nome de catálogo é Messier 31, ou, simplesmente, M31. Esta galáxia pode ser vista a olho nu. M31 é a maior galáxia do Grupo Local, seguida pela nossa Via Láctea, também uma galáxia espiral.




Figura 15

Galáxia NGC 253, localizada a 10 milhões de anos-luz de nós. NGC 253 pertence ao grupo de galáxias de Escultor, que é o grupo mais próximo de nossa própria galáxia. Ela é por vezes chamada de “Moeda de Prata”.




Figura 16

Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia anã satélite de nossa Via Láctea.




Figura 17

Pequena Nuvem de Magalhães, uma galáxia anã satélite de nossa Via Láctea, vizinha da Grande Nuvem mostrada na figura 16.




Figura 18

O aglomerado globular Ômega de Centauro (ω Cen ou NGC 5139), de nossa galáxia, possui cerca de 10 milhões de estrelas, a maioria delas muito mais velhas do que o Sol. As estrelas se distribuem no formato de uma bola ou glóbulo. A Via Láctea possui mais de 150 aglomerados globulares.




Figura 19

As Plêiades (Messier 45), conhecidas popularmente como sete-estrelo, são um grupo de estrelas na constelação do Touro.




Figura 20

Galáxia gigante Messier 87 (NGC 4486) localizada na constelação de Virgem. Ela está a uma distância de 60 milhões de anos-luz de nós. M87 é uma potente fonte de raios X e de ondas de rádio.




Figura 21

M51, chamada “galáxia do Redemoinho”. Dois braços espirais são claramente visíveis. Note-se a pequena galáxia companheira localizada na parte superior da imagem, próxima à extremidade de um dos braços.




Figura 22

A Via Láctea fotografada no Observatório Europeu Austral (ESO) localizado nos Andes chilenos. As Plêiades e a galáxia de Andrômeda estão destacadas. A Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães também aparecem, à direita e abaixo do disco galáctico. Como conseguimos uma foto da Via Láctea inteira se estamos num sistema planetário de uma estrela que se localiza na própria Via Láctea?




Figura 23

Um terço de toda a Via Láctea, de Órion (à direita) até o Cruzeiro do Sul (na extremidade esquerda). As duas estrelas mais brilhantes são Sirius e Canopus. Uma linha que passa por elas aponta para a Grande Nuvem de Magalhães. Encontre-a.




Figura 24

À esquerda, concepção artística mostrando o Telescópio Espacial Hubble (HST, sigla em inglês) logo após ter sido colocado em órbita em 1990 pelo ônibus espacial Discovery (abaixo à direita). Destacam-se os dois painéis solares, o prato da antena de alto ganho para comunicação com a Terra, ligada ao corpo do telescópio, e a porta do tubo do telescópio, aberta. À direita, o HST tendo ao fundo a Terra. Cada painel solar mede 2,4 por 12,1 metros e o HST possui 15,9 metros de comprimento. O conjunto tem aproximadamente 11 toneladas.




Figura 25

Campo Ultra Profundo do Hubble, em inglês, “The Hubble Ultra Deep Field” (HUDF), imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble em 2003 e 2004. A área do céu que aparece na imagem é equivalente a 1% da área aparente da Lua cheia, e está localizada na constelação da Fornalha, próxima da conhecida constelação de Órion. Estima-se que o HUDF contenha mais de 10.000 galáxias. As galáxias maiores são as mais próximas. A maioria das galáxias aparecem como pequenas manchas disformes.





Agradecimento – Este trabalho foi sugerido por minha filha, Profa. Rúbia de Sales Soares, para apresentação aos seus alunos do 8o. ano do ensino fundamental e do 1o. ano do ensino médio da Escola Estadual Coronel Juca Pinto, Belo Horizonte, MG. Agradeço-a pela sugestão e pelo incentivo para a execução do trabalho. A resposta à pergunta “O que é e para que serve a Astronomia?” é bastante pessoal, especialmente por causa da vivência astronômica daquele que responde e, portanto, seria muito interessante ver as respostas de outros astrônomos, tanto profissionais quanto amadores.


 

Apêndice

As subáreas da área de pesquisa Astronomia

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão federal de financiamento de pesquisa no Brasil, adota a tabela abaixo de subáreas e especialidades da área de pesquisa Astronomia. A Astronomia é uma das áreas de pesquisa pertencentes à Grande Área Ciências Exatas e da Terra.

Grande área - Ciências Exatas e da Terra
Área - Astronomia
Subárea - Astronomia de Posição e Mecânica Celeste
Especialidade - Astronomia Fundamental
Especialidade - Astronomia Dinâmica
Subárea - Astrofísica Estelar
Subárea - Astrofísica do Meio Interestelar
Especialidade - Meio Interestelar
Especialidade - Nebulosa
Subárea - Astrofísica Extragalactica
Especialidade - Galáxias
Especialidade - Aglomerados de Galáxias
Especialidade - Quasares
Especialidade - Cosmologia
Subárea - Astrofísica do Sistema Solar
Especialidade - Física Solar
Especialidade - Movimento da Terra
Especialidade - Sistema Planetário
Subárea - Instrumentação Astronômica
Especialidade - Astronomia Ótica
Especialidade - Radioastronomia
Especialidade - Astronomia Espacial
Especialidade - Processamento de Dados Astronômicos





Atualização: 17nov16


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