A tromba do elefante cósmico


Domingos Soares

10 de abril de 2014


O Modelo Padrão da Cosmologia (MPC) é também conhecido pela sigla em inglês (e grego!) ΛCDM. A undécima letra grega Λ (λ — lambda — maiúsculo) representa a componente de energia escura, a qual é atribuída, quase que unanimemente, a uma constante cosmológica (uma versão específica da chamada “energia do vácuo”). A sigla CDM significa “Cold Dark Matter”, em português Matéria Escura Fria (MEF). Trata-se de matéria não bariônica (exótica), e que é “fria” por ser não relativista, i.e., dotada de velocidades muito inferiores à velocidade da luz no vácuo (em contraposição, por exemplo, ao neutrino, que é matéria não bariônica relativista; mas atenção, ao contrário da MEF, os neutrinos não são escuros, pois já foram observados há muitos anos, no final da década de 1950).

O capítulo 23 do 2013 Review of Particle Physics é intitulado The Cosmological Parameters e é de autoria dos cosmólogos O. Lahav (University College London) e A.R. Liddle (University of Edinburgh). Os autores apresentam, na seção 23.3, uma revisão das observações cosmológicas que o modelo ΛCDM deve explicar (supernovas distantes, radiação de fundo de micro-ondas, aglomeração das galáxias, etc.). Na tabela 23.1 estão listadas os seis parâmetros ajustáveis, também chamados “parâmetros livres”, do ΛCDM. Além de parâmetros relacionados às flutuações de densidade primordiais e à radiação de fundo, aparecem as densidades de matéria bariônica e de matéria escura. Na verdade, o número de parâmetros livres deveria ser maior pois são feitas as seguintes suposições: o espectro inicial (primordial) de flutuações de densidade é uma lei de potência, a geometria espacial é plana e a energia escura é dada por uma constante cosmológica. Sem estas suposições, o número de parâmetros livres seria muito maior do que seis.

O que é mais assustador, no entanto, é que todos os parâmetros livres do MPC representam propriedades de entidades físicas sobre cujas existências nada se sabe do ponto de vista observacional. As situações mais óbvias são as da matéria escura não bariônica e da energia escura. Também, todos os outros parâmetros ajustáveis da teoria ΛCDM representam características físicas de “genuínas hipóteses de trabalho”, para não dizer, de “puras especulações”.

Ora, seis parâmetros livres representam um número razoável para uma teoria física ser considerada respeitável? Não, não representam, de acordo com a opinião de um conhecido prêmio Nobel em física. Senão, vejamos.

O físico teórico inglês, radicado nos Estados Unidos, Freeman Dyson escreveu uma pequena nota intitulada “TURNING POINTS – A meeting with Enrico Fermi”, na qual ele relata um encontro que teve com o renomado físico teórico e experimental italiano, naturalizado americano, Enrico Fermi (1901-1954). Freeman Dyson apresentou a Fermi os resultados de sua teoria para o espalhamento méson-próton, baseada na eletrodinâmica quântica. A intenção era mostrar o bom ajuste da teoria com os dados experimentais de Fermi. Fermi não gostou do procedimento teórico adotado por Dyson e não ficou impressionado com a concordância da teoria com o experimento. Ele então perguntou quantos parâmetros livres tinha a sua teoria. Freeman Dyson respondeu: “— Quatro.”

Para justificar o seu desgosto, Fermi mencionou outro grande cientista e seu amigo, o matemático húngaro, também radicado nos Estados Unidos, John von Neumann (1903-1957). Este, ao referir-se a modelos teóricos, costumava afirmar que

“(...) with four parameters I can fit an elephant, and with five I can make him wiggle his trunk.”

“(...) com quatro parâmetros eu posso descrever um elefante, e com cinco eu posso fazê-lo balançar a tromba.”

Vale a pena ler a história completa no interessante artigo de Freeman Dyson (1923-2020) disponível aqui e também ouvi-la contada pelo próprio Dyson em Fermi's rejection of our work.



Atualização: 09ago21


Leia outros artigos em www.fisica.ufmg.br/dsoares/notices.htm.