17 de janeiro de 2017
A Radiação de Fundo de Micro-ondas é considerada como um dos pilares observacionais dos modelos teóricos da cosmologia relativista moderna. A questão do excesso de parâmetros livres requeridos para o seu ajuste a estes modelos, já apresentada em outro local, é revisitada.
A Radiação de Fundo Escura (RFE) é um fenômeno cósmico. Trata-se da tênue radiação existente na abóbada celeste no espaço existente entre as estrelas e as galáxias. A RFE é muita fraca e é responsável pela maior de todas as questões cosmológicas: Por que o céu é escuro à noite? (ver A escuridão da noite e A escuridão do espaço profundo).
A Radiação de Fundo de Micro-ondas (RFM) é tratada no contexto do Modelo Padrão da Cosmologia (MPC) como um fenômeno cósmico e assim será tratada aqui. Existem, no entanto, pesquisadores que questionam esta postura e levantam a hipótese de a RFM ser, como a RFA, um fenômeno local. Tais hipóteses estão ilustradas no artigo Observational tests of the microwave background radiation e no trabalho do físico francês Pierre-Marie Robitaille mencionado em COSMOS:19ago09; veja também as opiniões do astrofísico britânico Fred Hoyle (1915-2001) e do físico francês Jean-Claude Pecker sobre a RFM na seção 3 de Sandage versus Hubble on the reality of the expanding universe.
Independentemente de ser cósmica ou local, a RFM é de natureza térmica, correspondente à radiação emitida por um corpo com a temperatura baixíssima de 2,725 K (correspondente a -270 graus centígrados). Tal corpo possui o máximo de emissão na frequência de aproximadamente 160 GHz, na faixa milimétrica de comprimento de onda, ou seja, uma onda de rádio de pequeno comprimento de onda, daí o termo micro-onda em seu nome.
A próxima seção discute a influência de um número grande de parâmetros livres — no caso 6 — sobre os valores de uma função arbitrária qualquer. Isto serve de preparação para a discussão das anisotropias da RFM, que será feita na seção 3. A seção 4 apresenta as considerações finais.
Mas antes de “balançar novamente a tromba do elefante” (cf. visto em Elefante), vamos ilustrar a variedade trazida por 6 parâmetros livres, a saber, a1, a2, a3, a4, a5 e a6, no comportamento de uma função simples como a escrita abaixo.
A figura 1 ilustra a função f(θ) com 3 conjuntos diferentes dos parâmetros ai. Os três conjuntos foram extraídos aleatoriamente entre -10 e +10.
É interessante notar que a mesma função f(θ) apresenta uma diversidade enorme de valores para os diferentes conjuntos de parâmetros livres. No caso da figura 1 os parâmetros foram escolhidos aleatoriamente para ilustrar a diversidade obtida. No ajuste de um modelo teórico, entretanto, os parâmetros livres são escolhidos com objetivos definidos pelo ajuste procurado, algumas vezes a escolha sofre restrições impostas pelas observações, todavia outras vezes os parâmetros são introduzidos de forma totalmente ad hoc, ou seja, eles são “inventados” para a consecução do ajuste desejado. Um exemplo claro deste tipo de escolha é a introdução de parâmetros que representam entidades totalmente desconhecidas — relacionadas às matéria e energia escuras — que ocorre no MPC.
As anisotropias da RFM são flutuações de temperatura em torno do valor médio To = 2,73 kelvins, o qual é a temperatura média da emissão térmica associada à RFM. As anisotropias ΔT, discutidas aqui, foram determinadas a partir das observações do observatório espacial WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe, NASA), que operou entre 2001 e 2010. Elas estão na faixa -200 μK ≤ ΔT ≤ +200 μK ou -0,0002 K ≤ ΔT ≤ +0,0002 K. As anisotropias estão ilustradas na figura 2 que mostra um planisfério com as anisotropias cósmicas da RFM em toda a abóbada celeste; a escala de ΔTs está mostrada na barra colorida que aparece na figura.
Deve-se ressaltar que esta figura só mostra as anisotropias da RFM em trono de seu valor médio de To = 2,73 K, que já foi medido com grande precisão por outra missão (o satélite COBE, cf. seção 2 de Espectro). Além de To a imagem exclui também a anisotropia de dipolo, causada pelo movimento do observador relativamente ao fundo cósmico de radiação, quer dizer, o WMAP se movimenta em relação ao referencial da RFM e esta radiação apresenta-se mais “quente” (desviada para o azul) na direção do movimento do observador e mais “fria” (desviada para o vermelho) na direção contrária. Esta anisotropia não é, portanto, de natureza cósmica e é excluída do mapa apresentado na figura 2, que representa apenas as anisotropias cósmicas, as quais devem ser explicadas pelo MPC. A anisotropia de dipolo é cerca de 10 vezes maior do que a anisotropia cósmica máxima, i.e., ΔTdipolo ≈ 0,003 K.
As anisotropias da RFM são usualmente descritas por uma ferramenta estatística muito poderosa denominada “série de harmônicos esféricos”. Os harmônicos esféricos são funções matemáticas especialmente úteis para se descrever de forma quantitativa uma distribuição de valores em duas dimensões, como é o caso aqui. As anisotropias da RFM se distribuem na superfície esférica da abóbada celeste, que pode ser completamente definida por duas variáveis angulares. A figura 3 mostra alguns harmônicos esféricos (figura 10 de CMBA). O mapa de anisotropias da figura 2 é representado por uma série de harmônicos esféricos Ylm (ver eq. 1 de Espectro):
, (2) |
A representação gráfica da série de harmônicos esféricos é dada pelo chamado espectro de potência das anisotropias da RFM definido como o valor médio do quadrado dos coeficientes alm da série dos harmônicos esféricos (eq. 2):
. (3) |
A análise das anisotropias da RFM consiste em calcular a partir da RFM observada o espectro de potência angular, como o mostrado acima, e compará-lo com a função Cl predita pelos processos físicos do MPC.
A soma na eq. 2 inicia-se em l = 2 e vai até um dado lmax, o qual é ditado pela resolução dos dados da RFM observada.
O primeiro parágrafo da seção 9.11 de CMBA chama a atenção para uma complicação adicional no ajuste teórico da função Cl: a degenerescência na determinação dos vários parâmetros. Leiamos:
Let us finally consider the total effect of the various cosmological parameters on the Cl spectrum. The Cl provides the most important single observational data set for determining (or constraining) cosmological parameters, since it has a rich structure which we can measure with an accuracy that other cosmological observations cannot match, and because it depends on so many different cosmological parameters in many ways. The latter is both a strength and weakness: the number of cosmological parameters we can determine is large, but on the other hand, some feature in Cl may be caused by more than one parameter, so that we may only be able to constrain some combination of such parameters, not the parameters individually. We say that such parameters are degenerate in the CMB (Cosmic Microwave Background) data. Other cosmological observations are then needed to break such degeneracies.Consideremos finalmente o efeito total dos vários parâmetros cosmológicos no espectro de Cl. O Cl fornece o mais importante e único conjunto de dados observacionais para se determinar (ou se restringir) os parâmetros cosmológicos, já que ele possui uma rica estrutura a qual podemos medir com uma precisão que outras observações cosmológicas não podem rivalizar, e porque ele depende de muitas maneiras de muitos parâmetros diferentes. A última afirmação é tanto um ponto forte quanto uma fraqueza: o número de parâmetros que podemos determinar é grande, mas por outro lado, alguma característica em Cl pode ser causada por mais de um parâmetro, de tal forma que podemos somente restringir uma combinação de tais parâmetros, não os parâmetros individualmente. Dizemos que tais parâmetros são degenerados nos dados da RFM (Radiação de Fundo de Micro-ondas). Outras observações cosmológicas são então necessárias para se quebrar tais degenerescências.
Agradecimento – A figura 1 foi confeccionada em um dos computadores do Instituto Astronômico
Kapteyn, Groningen, Holanda, sob os auspícios do Prof. Reynier Peletier.