09 de julho de 2021
O astrofotógrafo português Miguel Claro obteve uma bela imagem da galáxia de Andrômeda (M31) na localidade da Mina de São Domingos, sul de Portugal. A partir desta fotografia, mostro como determinar a latitude geográfica do local. A determinação é bastante simples, graças à orientação favorável de M31.
A fotografia foi mostrada como “Astronomy Picture of the Day” (APOD), de 25 de junho de 2021, em apod.nasa.gov/apod/ap210625.html.
Os detalhes da fotografia são dados em inglês e em português pelo próprio Miguel Claro em sua página na internet. Algumas informações sobre M31 estão no capítulo 10 do livro “O Reino das Galáxias” em Soares (2021). Compare a foto de Miguel Claro com a que aparece lá.
A olho nu só é possível ver a região central brilhante da galáxia, ou seja, nenhum dos detalhes vistos na fotografia mostrada no APOD. E mesmo para isso é necessário um céu noturno bastante escuro e sem nebulosidades.
Reproduzo abaixo os detalhes da fotografia e do equipamento utilizado dados pelo próprio Miguel Claro em sua página.
“Destacada como NASA’s APOD – Astronomy Picture of the Day a imagem mostra uma paisagem nocturna profunda de uma única exposição fotográfica feita com seguimento sideral, através da montagem portátil Polarie U, onde é possível ver a galáxia de Andrómeda M31, enquanto nascia e se encontrava perfeitamente alinhada acima de uma das chaminés da mina centenária de São Domingos, na Achada do Gamo, Dark Sky® Alqueva – Mértola. Com aproximadamente 4 vezes o tamanho angular da lua cheia vista da Terra, a grande galáxia espiral de Andrómeda está a apenas 2,5 milhões de anos-luz de distância de nós, sendo a grande espiral mais próxima da nossa Via Láctea. Em lugares realmente escuros como o Dark Sky® Alqueva, podemos distinguir claramente esta galáxia a olho nu, a imagem porém, captada com uma câmara modificada Nikon D850 e uma lente Sigma Art de 105 mm ajustada para f/2 e com ISO2500, pôde revelar durante uma curta exposição singular de 25 segundos, detalhes muito mais interessantes, como os braços em espiral de cor violeta provenientes da emissão de luz H-alfa, envoltos na poeira oblonga e azul esbranquiçada, bem como as galáxias satélite M110 (forma elíptica visível acima) e M32, forma peculiar difusa e redonda, localizada abaixo, no braço mais externo da galáxia. Para ver um “behind the scene” da Edição desta exposição singular, aceda e siga a minha página de Intagram.”A figura 1 mostra o APOD de Miguel Claro e uma fotografia do local, a Mina de São Domingos. A partir da imagem de M31 determinarei, na próxima seção, a latitude geográfica da mina.
O fato mais conspícuo da fotografia é o perfeito alinhamento do eixo maior de M31 com a horizontal. Isto pode ser evidenciado de forma clara pela presença da chaminé da mina, construída verticalmente. Este fato aponta para a possibilidade de determinação da latitude geográfica do local, bastando para isto a utilização de um dado astronômico bastante comum, qual seja, o ângulo de posição. Este ângulo, que representarei aqui por AP, é medido em relação à direção norte no céu, contado com valores positivos na direção do leste. Em geral, os catálogos e atlas mostram os objetos astronômicos extensos com o norte para cima e o leste para a esquerda, ou seja, apresenta a orientação que os objetos teriam se observados nesta situação.
Na próxima seção calcularei a latitude da Mina de São Domingos comparando a imagem de Miguel Claro com uma imagem do Second Palomar Sky Survey (DSS2), um levantamento astronômico do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Estados Unidos. A imagem de M31 no DSS2 foi obtida utilizando um serviço público da NASA, o SkyView – The Internet's Virtual Telescope.
Vejamos inicialmente qual é o valor do ângulo de posição do eixo maior de M31. A determinação definitiva deste ângulo foi feita em 1958 pelo astrônomo francês Gérard de Vaucouleurs (1918-1995). Ele realizou um estudo fotométrico extensivo da galáxia de Andrômeda, cujos resultados foram publicados no artigo Photoelectric photometry of the Andromeda Nebula in the UBV system. A figura 2 mostra o mapa de contornos de intensidade luminosa constante — denominadas isofotas, no jargão astronômico — de M31 obtido por de Vaucouleurs. Usando este mapa ele determinou de forma quantitativa o valor de AP. Ele encontrou AP = 37,7° ± 0,2°.
De posse do valor de AP, façamos uma comparação entre a fotografia de Miguel Claro e a imagem do DSS2, que está mostrado na figura 3.
A determinação da latitude L da Mina de São Domingos pode agora ser determinada. Para isto deve-se observar a definição de latitude geográfica, através de um esquema simplificado da Terra. A figura 4 mostra este esquema e os eixos e dados necessários para o cálculo de L. O plano da fotografia praticamente coincide com o plano desta figura. Devemos imaginar o fotógrafo de pé, de acordo com a vertical local, mostrada na figura, olhando na direção do plano da figura (i.e., de costas para o leitor), pois, como disse o fotógrafo, Andrômeda acabava de nascer.
O fato de que a imagem de Andrômeda aparece com o seu eixo maior bastante aproximadamente perpendicular à vertical do local torna simples o cálculo. Pelo esquema da figura 4 tem-se que AP + A ≈ A + L = 90° e, portanto, L ≈ AP = 37,7° ≡ 37° 42'. A latitude da Mina de São Domingos registrada em pt.wikipedia.org/wiki/Mina_de_São_Domingos é L = 37° 40' 28'' N, bastante próximo do encontrado com a fotografia de Miguel Claro. A diferença deve-se principalmente ao erro na determinação do eixo maior de M31 e à perpendicularidade aproximada do eixo maior com a vertical. Não deixa, no entanto, de ser uma aproximação notável em se tratando de um cálculo baseado na inspeção visual de uma fotografia astronômica.
A galáxia de Andrômeda é muito fotografada, tanto no hemisfério sul quanto no norte. Cada fotografia apresentará uma orientação característica da latitude do local onde a fotografia foi registrada. No caso da Mina de São Domingos, temos a feliz coincidência geométrica que nos permite calcular o valor da latitude. Outras galáxias, com diferentes ângulos de posição dos eixos maiores, poderão ser vistas na configuração de Andrômeda mostrada aqui, quando observadas a partir das latitudes geográficas apropriadas. Deveremos ter, portanto, AP = L para que a horizontalidade do eixo maior seja observada.
Agradecimento – Agradeço ao colega Oscar Matsuura pela leitura cuidadosa deste texto e pelas sugestões que contribuíram para melhorá-lo.