Morte e vida na Lua: explorando os limites da exobiologia e da exoecologia

(Publicado em Revista Valore, 4 (Edição Especial): 145-154. Dez/2019)

Domingos Soares

30 de setembro de 2009

No dia 20 de julho de 2009 comemoramos os 40 anos da descida do homem na Lua. Este feito foi realizado pelo povo norte-americano, inicialmente com a missão Apolo 11, e repetido pelas Apolos 12, 14, 15, 16 e 17. Seis Apolos, ao todo. O foguete Saturno, que impulsionou os módulos de comando, de serviço e lunar em direção à Lua, era gigantesco: 120 m de altura. Ele pode ser comparado, em altura, ao maior dos edifícios do Conjunto JK, em Belo Horizonte. Quem estiver na Praça Raul Soares, e olhar para o alto dos 33 andares do maior dos edifícios, terá uma idéia da altura do foguete Saturno!

A Apolo 13 deveria ter descido na Lua, mas, logo no início da viagem, uma explosão de um tanque de oxigênio danificou parte do módulo de serviço, e a missão se transformou numa luta pelo salvamento dos seus três astronautas. Isto acabou acontecendo, e o fato memorável foi registrado, de forma ficcional mas com grande dose documental, em um filme, que gozou de enorme sucesso nas telas de todo o mundo.

Nenhum homem morreu na Lua. Mas, e se isto tivesse acontecido?

O comandante da missão Apolo 11, astronauta Neil Armstrong, na superfície da Lua, fotografado por Buzz Aldrin, piloto do módulo lunar.
Terra nascente, 5 graus acima do horizonte lunar, fotografada pela tripulação da Apolo 8, em 22 de dezembro de 1968 (crédito: NASA).

A Lua é um ambiente bastante inóspito para o homem. As temperaturas no solo lunar são elevadíssimas de dia e baixíssimas de noite. A sonda da NASA "Lunar Reconnaissance Orbiter", ou LRO, está presentemente em órbita da Lua, tendo sido lançada da Terra em 18 de junho passado. O seu objetivo é fazer um mapeamento da superfície lunar e realizar medições variadas, inclusive da temperatura. Os primeiros resultados da LRO mostram que a temperatura no interior de crateras profundas, localizadas no pólo Sul da Lua, e que nunca recebem a luz solar, pode chegar a -238 graus centígrados, muito pouco acima do zero absoluto, -273,15 graus (veja mais detalhes no boletim da BBC Brasil, de 18/09/2009, publicado no Portal UAI).

Ao longo do equador lunar -- faixa próxima aos locais de descida de algumas missões Apolo --, as temperaturas ultrapassam os +100 graus, ao meio dia, e chegam a -180 graus durante a noite. A propósito, na Terra, existem determinados organismos chamados genericamente de "extremófilos", literalmente, "amantes dos extremos", que vivem em condições extremas de temperatura e pressão. Eles são encontrados, por exemplo, nas profundezas oceânicas e nas proximidades de vulcões.

Vamos agora imaginar um astronauta morto na Lua. Os astronautas eram profissionais extremamente motivados, pois esta possibilidade -- a morte em serviço -- era bastante real. Só algo a meio caminho entre a loucura e a lucidez -- mais próximo da loucura -- pode justificar a aceitação de tamanho risco. Mas eles aceitaram os riscos, confiaram na tecnologia desenvolvida para aquele fim, e aqui estamos nós agora a especular sobre a pior possibilidade de todas: a morte em pleno solo lunar!

O astronauta é um organismo composto por 10 trilhões de células -- número este maior do que o número de estrelas da Via Láctea, cerca de 100 bilhões. Ele não está solitário, no entanto, mas acompanhado de aproximadamente 100 trilhões de microorganismos, os quais vivem simbioticamente em vários órgãos de seu corpo -- assim como ocorre no corpo de todos nós.

O módulo de comando da Apolo 14 aproxima-se da superfície do Oceano Pacífico, em 9 de fevereiro de 1971.
Lua cheia espetacular fotografada da Apolo 11, por ocasião de sua viagem de volta à Terra (crédito: NASA).

Em outras palavras, o astronauta morreu mas isto não pode ser afirmado de imediato relativamente aos seus trilhões de companheiros de jornada espacial. Estamos, portanto, frente a uma extraordinária experiência de exobiologia -- a biologia fora do planeta Terra -- e de exoecologia -- a ecologia fora de nosso maltratado quinhão neste universo. Os números são muito grandes: trilhões e trilhões de microorganismos -- bactérias, vírus, etc -- lutando pela sobrevivência.

A teoria da evolução pela seleção natural de Charles Robert Darwin (1809-1882) está especialmente fundamentada nestes dois ingredientes: a luta pela sobrevivência e um número muito grande de "lutadores".

Haveria um vencedor? Teríamos então "vida após a morte" na Lua? Ou haveria uma "pasteurização" eficaz e completa?

De qualquer forma, é muito confortador saber que nenhum astronauta morreu em solo lunar, e que a experiência de exobiologia e de exoecologia descrita acima está ocorrendo apenas em nossa imaginação.

Agradeço a minha esposa Lu pela discussão a respeito deste tema.



Atualização: 10jun20


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