14 de novembro de 2013
Entrevista para TV UFMG em 11/novembro/2013TEMA: A visão do cosmos do ponto de vista da ciência, especificamente da cosmologia
Prof. Domingos Soares
www.fisica.ufmg.br/~dsoares/1- O que é cosmologia na física?
A cosmologia é a ciência do universo (cf. Cosmology, the science of the universe, Edward Harrison, 2000), uma ramificação da física e da astronomia, ou seja, da astrofísica. Os cosmólogos são, em geral, físicos e astrônomos.
O universo é abordado na história da humanidade em dois enfoques distintos:
a) Mitos e lendas: subjetividade, “cada cabeça uma sentença”, imposição ou consenso social.
b) Teorias científicas: objetividade, “avaliação por pares”, consenso da comunidade científica deve ser encontrado.
Como os mitos e lendas, a cosmologia pretende responder as questões básicas sobre o cosmos: (i) de onde viemos, (ii) para onde vamos e (iii) onde estamos.
O universo pode ser estudado cientificamente como um conjunto de pontos onde cada ponto é uma galáxia.
2- Existe alguma definição de como surgiu o universo?
O “Modelo Padrão da Cosmologia” (MPC), a explicação física atual para o universo, é um modelo em expansão. Então, se retrocedermos no tempo eventualmente atingiremos um estado de altíssimas temperatura e densidade (infinitas, em teoria) e de tamanho zero. Esta é a singularidade inicial, o evento de formação do espaço e do tempo, o Big Bang ou, em bom português, o Estrondão (cf. A tradução de Big Bang). Este é o início do universo.
Mas não é bem assim. O início do universo teórico, na realidade, é extremamente hipotético, pois a singularidade inicial marca nada mais do que o “desconhecimento total”, o colapso final das leis da física conhecidas. No Estrondão a física que governa os fenômenos ainda não é conhecida. Sendo assim, não se sabe o que pode ter sido este possível evento de formação do universo. Muito provavelmente ele não existiu. A natureza, de certa forma, rejeita as singularidades, e o universo, mesmo se o MPC for o modelo prevalecente, pode não ter tido um início. Ele pode ser oscilante — como em alguns mitos hindus e na Teoria do Estado Quase Estacionário de Fred Hoyle e colaboradores. Neste caso, o universo seria, em princípio, eterno.
3- Como o cientista deve lidar com sua crença pessoal na hora de estudar um assunto tão difícil como este?
Rigorosamente o método científico não tem lugar para crenças pessoais. Na prática, é um pouco diferente.
Sempre há uma — pequena ou grande — dose de fé na construção das teorias científicas. Uma fé que não é claramente explicitada e que deve ser necessariamente provisória. Os cientistas sempre a reconhecem, em qualquer teoria, apesar de nem sempre o declararem. No caso específico do MPC esta fé é enorme: a crença de que 99,5% do conteúdo de matéria-energia do universo, cuja existência é desconhecida mas necessária para a sustentação teórica do MPC, serão um dia identificados e descobertos. Com base nesta fé, projetos de pesquisa são formulados e enormes fortunas são gastas em pesquisas e equipamentos de toda a natureza, e prêmios são atribuídos (e.g., os prêmios Nobel de física de 2006 e 2011).
A crença pessoal, de natureza não científica, não deve aparecer explicitamente em qualquer trabalho científico apesar da influência que certamente ela exercerá no posicionamento do cientista frente às teorias e experimentos.
Alguns exemplos desta situação:
a) Georges Lemaître, cosmólogo e padre católico, foi um dos criadores do MPC que indica a possibilidade de um evento de criação ou de origem do universo. Visões superficiais do ideário católico levaram ao preconceito contra Lemaître.
b) Fred Hoyle, cosmólogo britânico, desde o início da proposição do MPC considerou a ideia de um início dos tempos e das coisas como simplista e mesmo repugnante. Este preconceito subjetivo levou-o a ser um dos proponentes das mais famosas teorias contrárias ao MPC, teorias estas de universos infinitos temporalmente.
4- Você poderia nos explicar um pouco qual e a principal teoria existente hoje?
A principal teoria hoje é o MPC, que é fundamentado na Teoria da Relatividade Geral (TRG) de Einstein, formulada na primeira metade da década de 1910.
A TRG é uma teoria de gravitação e, em uma de suas aplicações, consegue aperfeiçoar a Teoria de Gravitação Clássica (TGC) de Newton.
As duas teorias de gravitação, TRG e TGC, se distinguem da seguinte forma.
TGC (Newton): forças no espaço tridimensional x, y, z. Corpos realizam trajetórias sob a ação destas forças no espaço 3D.
TRG (Einstein): espaço-tempo tetradimensional x, y, z, t é curvado pela matéria-energia do universo. Corpos realizam trajetórias mais curtas possíveis (geodésicas) no espaço-tempo 4D. O espaço 3D também é curvo.
Na década de 1920, os cosmólogos Alexander Friedmann (russo) e Georges Lemaître (belga) descobrem soluções da TRG que correspondem a universos teóricos dinâmicos, em expansão e contração.Einstein os havia antecedido, em 1917, com o primeiro modelo cosmológico relativista (i.e., baseado na TRG), com um modelo estático.
O astrônomo Edwin Hubble (americano) realizou observações de galáxias, na mesma época, que se encaixavam nos modelos dinâmicos de expansão.
No entanto, hoje, chegou-se à conclusão que este “encaixe” só prevalece à custa de 99,5% do conteúdo de matéria-energia do universo ainda por descobrir, em outras palavras, à custa de 99,5% de matéria-energia “escuros”. Destes 99,5%, 95% são matéria e energia exóticas, ainda por serem identificados. E eles ainda não foram descobertos, e muito menos tiveram as suas naturezas identificadas.
Cientistas citados:
Albert Einstein (1879-1955)
Alexander Friedmann (1888-1925)
Edward Harrison (1919-2007)
Edwin Hubble (1889-1953)
Fred Hoyle (1915-2001)
Georges Lemaître (1894-1966)
Isaac Newton (1643-1727)Para mais informação ler os artigos:
Cosmologia moderna: tateando no escuro
e
O Big Bang, um “Estrondão” no espaço e no tempo.
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